segunda-feira, 6 de abril de 2020

Fragmentos 24

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Heloisa de Carvalho — Meu Pai, o Guru do Presidente

Depoimento da filha de Olavo de Carvalho sobre sua infância e adolescência até seu rompimento com o pai em 2017.

Nunca me preocupei com lavagem de roupa suja, mas desconheço desabafos tão contundentes sobre a filha do autodenominado “maior pensador brasileiro da atualidade”.

Existe um bolero chamado “Três Palabras” — que recomendo a quem não conhece que o procure no Youtube —, narrando a carência de alguém que foi abandonado pela amante e que pede para reconciliar-se com três palavras que são “como me gustas”. Escrevi em um ensaio a falta de modéstia e uma dúzia mais de ideias erradas no guru, que posso sintetizar em três palavras: gênio, charlatão e paranoico.

Gênio pelo estilo de redação que estudou muito bem para causar efeito. Sendo articulista de jornal, desenvolveu com o passar do tempo um estilo em que introduz um assunto com uma crítica consabida e banal para obter a simpatia, e logo depois professar a ignorância de tantos quantos desconhecem os livros que leu através de citações múltiplas e recorrentes e, com isso, fazer o “make believe” com argumentos que vão impressionando incautos e a boa fé de quem desprecavido não suspeita de seu plano em marcha, até que um observador mais atinado consegue identificar os primeiros sintomas no universo de afirmações de alguém que só pode estar envolvido em alguma cabala de lunáticos conspiradores.

Ocorre que o leitor com poucos lustros, e estimulado pela propaganda de acólitos preparados para divulgar a onisciência do filósofo, acaba acreditando que a verdade está nas palavras dele, no estilo bombástico e brilhante que deve provir de uma mente “superior” ao comum dos mortais.

Ninguém, no curto prazo de umas poucas leituras de seus artigos e ensaios, consegue suspeitar que o lugar comum, associado com ideias um tanto esquisitas, possa desqualificar um diletante do mundo medieval esforçado em resgatar um passado que foi esquartejado pelo capitalismo e a democracia que ele atribui ao socialismo e sua conspiração contra a humanidade.

Somente o leitor com espírito cético sobre o endeusamento alheio, com conhecimento da cultura nacional que não faz parte do establishment, pode suspeitar que por trás de sua retórica existam outras coisas que não batem com o que diz, e uma delas é falar do que não sabe com o costumeiro estilo elíptico dos filósofos.

Neste momento entra o segundo aspecto da personalidade: a incontida filáucia de falar com autoridade daquilo que não entende, mas que supõe que com frases bem estruturadas consegue causar estupor no pobre leitor que já, neste momento, foi hipnotizado pelo fogo de palha da repetição vitimista de ter sido perseguido pelos inimigos da liberdade, sejam petistas, comunistas raiz ou os dois.

Capturada a mente do ingênuo de boa vontade, o processo seguinte só pode ser o da doutrinação. Para isso entra em cena o curso de filosofia, matéria excelente para ilusionismo que o atraiu da empobrecida astrologia para a melhor disciplina de aprisionar confusos, a marca mais recorrente da respeitabilidade dos maiores filósofos da fenomenologia, que levou Ortega y Gasset protestar dizendo que a “clareza é a cortesia do filósofo”.

Assim fosse!, mas o “mente cativa” para além das questões de cunho filosófico, já aprendeu que a desgraça de nossa era chama-se Voltaire, a Revolução Francesa e a maçonaria: que foi dali que nasceram todas as porcarias que nos perseguem. Como nunca ouviu falar na existência de um movimento dedicado a trazer de volta o antigo regime absolutista e sua religião de estado, nada sabe que por trás da nova doutrina exista um comunismo com outro nome. Longe disso! Ninguém pode receitar aquilo que combate tão veementemente, pensa o lesado. Mas é aí justamente que o charlatão se esconde. Nunca falou em democracia, não obstante viver desde 2008 nos Estados Unidos. Nunca receitou a democracia, porque em sua mente feudal entende que a ordem só pode ser obtida pelo exercício coercitivo de um poder superior e não da infinita tagarelice que a liberdade faculta.

Neste ponto sua doutrina se concilia com a tradição positivista e o regime estatista, fazendo com que suas palavras funcionem como um diapasão nas ideias de seus seguidores. Trata-se daquele encantamento que faz com que um repita ao outro a genialidade do mestre, sua sapiência onímoda e incontestável. E quem se atreva a criticar, vai ser insultado pela presença intimidadora de que o homem é invencível, e quem se arriscar a contrariar o guru vai ser humilhado.

Durante uma década, sua argumentação intimidatória consistia apenas no recurso “ad hominem”, antecipando o oponente que ele desconhecia, na esfera dos idiotas que povoam o mundo. Fazendo fé na idiotia alheia, o guru se situa naquele patamar já explorado na Renascença por Leone-Battista Alberti, citado por Jean-François Revel:

“O mais surpreendente é que, exatamente quando atinge o nível mais baixo, a filosofia reivindica sua infalibilidade com a maior intransigência e, segundo a frase de Leone-Battista Alberti, “todos desunidos e com opiniões diferentes, os filósofos concordam, no entanto, em alguma coisa: que cada um deles considera os outros mortais como dementes e imbecis".

O aspecto paranoico na personalidade de Olavo de Carvalho fica evidente na forma de interpretação da história e da política como eventos produzidos pela conspiração de forças atuantes em sincronia para alcançar objetivos programados. Estas seriam as forças que movem o mundo. Portanto, não existem fatores desconhecidos e sequer uma referência débil à tecnologia como geradora de mudanças em atitudes e pensamento, erro comum não só a ele, mas a todos os filósofos brasileiros que conheço.

Numa sociedade paternalista, onde o povo foi viciado em esperar que o estado erradique todos os males, resolva todos os problemas e liberte o povo espoliado da exploração impiedosa de agentes diabólicos, certamente que o espírito conspiratório se coaduna com o ideal das explicações comuns para cada fracasso que nos cerca.

Pesquisando em diferentes lugares e em um intervalo de tempo maior que uma década, ouvi de pessoas a quem colocava a mesma questão: “por que não temos mais ferrovias?” a resposta padrão idêntica: “porque a indústria automobilística não deixa”. Basta. Não precisa mais nada além de uma conspiração engendrada por entidades superpoderosas e infalíveis. Este pequeno exemplo serve de suporte para que se entenda como o fracasso recorrente do estado engendra uma formação psicossocial que produz multidões de seguidores com os discursos conspiratórios de Lula e de Olavo de Carvalho.

Não creio que houvesse nos últimos anos alguém com o estilo literário de Olavo de Carvalho, e tão capacitado para aplicar truques de erudição e atrair admiradores. Heloisa de Carvalho afirma sua tendência natural para a liderança, mas nada disso faria efeito se não fosse o vazio existencial na vida de tantos quantos que, recusando o exame intelectual desinteressado, avesso às ideias circulantes no resto do mundo, refratário ao universo dos livros, incapaz da solidão de suas próprias ideias, porém necessitado de reforçar sua autoestima com as corriolas de louvação, – não se inclinasse naturalmente a transferir seu parco conhecimento à autoridade de um guru, trabalhado por uma cabala de difusão de suas ideias desde os anos 90 com o blog Mídia Sem Máscara.

Para contestar os erros de seu pensamento na palavra de seus autores, publiquei diversos fragmentos de livros com opiniões anti-olavistas, dos quais me lembro de Para quê Filósofos de Jean-François Revel; A Consciência Conservadora no Brasil de Paulo Mercadante; O Antigo Regime e a Revolução de Alexis de Tocqueville; The Evolution of Everything de Matt Ridley; Caminhos da Moral Moderna de José Maurício de Carvalho. Escrevi também um ensaio sobre o Conservadorismo Teocrático Brasileiro.

Entretanto, o livro de Heloisa de Carvalho é importante na medida em que nos coloca frente a biografia de uma pessoa desregrada, indiferente ao carinho com os filhos e extremamente ambicioso do ponto de vista intelectual, com uma inata aptidão para liderar grupos.

Heloisa fala do abandono em que vivia como criança enquanto o pai empreendia seus potentados místicos na Escola Júpiter de astrologia na Bela Vista, confinada a viver em promiscuidade com o resto da família em uma edícola. Depois, com Olavo já integrante de uma taraca mística de inspiração muçulmana e por fim seu rompimento com o grupo e dedicação à filosofia como autodidata onde descambou para se tornar um dos revitalizadores das doutrinas râncidas do perenialismo.

Heloisa cita um momento da vida em que Olavo muçulmano tinha três esposas, de seu passado de necessidade material para sobrevivência e do socorro da avó com quem foi morar, da tentativa de suicídio da mãe e correspondente internamento temporário do próprio pai. Entre uns e outros horrores de um homem que não se constrange com sua biografia e nem teme seu papel de guru raivoso, e que inclusive faz escola com palavrões grotescos, baixarias obscenas e difamação ensaiada. Como uma personalidade com esta índole pôde se transformar em um defensor da família, do catolicismo e do Syllabus é algo insondável, mas no Brasil nada me surpreende. Pois a própria filha adverte: “se porventura os livros de História mencionarem o meu pai, será como uma vaga lembrança de tempos confusos e inflamados, de polarização política e debates intoxicados, de eleitores desorientados e de um mergulho nas profundezas da intolerância”.

Foi o ambiente pútrido criado pelo petismo que atraiu as hienas da salvação para o modo pseudo-conservador, onde o legado dercygonçalviano de tratamento, uma manifestação psíquica do recalcado, conseguiu ascender ao poder político para nos impor um festival de besteiras diárias, não deixando que nenhum outro animal político se aproxime da carcaça da República sem ser insultado por uma organizada central midiática de difamação.


Tahís Oyama — Tormenta

A importância de um livro como o de Thaís Oyama consiste em servir de memória auxiliar para todos os que pretendem fazer uma análise do governo Bolsonaro baseada em uma sucessão de eventos que não fique comprometida com as gafes, as disjunções e as discórdias recorrentes no dia a dia tumultuado do caos que nos persegue.

Como jornalista da comitiva presidencial, trabalhou obedecendo ao conselho de Confúcio de que se temos duas orelhas e uma boca é para ouvirmos o dobro do que falamos. O subtítulo do livro: Crises, Intrigas e Segredos apresenta a visão jornalística dos fatos que sucederam o governo desde o primeiro arranjo ministerial até o final de dezembro de 2019. Mantive seu índice:

O capitão e os generais

Inicia falando da formação do governo a partir dos compromissos assumidos na campanha. Narra as declarações de tantos quantos exaltavam o fim da Era Lula. Os apoios e declarações de chefes militares e políticos convergem para a decisão sobre o Habeas Corpus de Lula um ano antes (5/4/18) quando o STF negou o pedido por 6x5. Ao citar as declarações de militares contra a impunidade, a pressão popular ainda ativa, e de autoridades sobre o STF, Thaís pretendeu mostrar como as movimentações de bastidores influenciaram as decisões, antecipando uma configuração do evento para justificar a análise, um ano depois, da soltura de Lula, com o fim da prisão em segunda instância motivada pela erosão institucional sob comando de Bolsonaro.

Coletando conversas dos generais mais chegados ao governo, Thaís conta anedotas que nunca vi circular na imprensa, conferindo ao livro mais do que a simples coleta de notícias de jornais. Como quando o gal. Heleno pergunta ao funcionário do Itamaraty a propósito da previsão de chegada de 6 toneladas de material de segurança sofisticadíssimo para detecção, bloqueio e interceptação de informações ao redor da esplanada dos ministérios, quando da visita de Bejamin Netanyahu ao Brasil: “você sabe falar hebraico? pergunta Heleno ao funcionário. E como ele respondesse que não, Heleno arremata. Então procure no Google e manda ele tomar no cu”.

Outra curiosidade foi a reunião de 62 empresários na casa de um publicitário nos Jardins durante a campanha eleitoral para que Bolsonaro explicasse seus planos de governo. Heleno, que estava presente, ao ficar sozinho no intervalo de conversas, foi até a piscina da casa, pegou o celular e ligando para alguém, disse: “o cara não sabe nada, pô. É um despreparado”.

A bancada do Jair:

O primeiro a “dançar no cargo” foi Bebbiano, em episódio conhecido, quando das primeiras articulações da bancada triunfante do PSL no congresso.

Em 4/2/19 ocorre a denúncia contra o ministro do turismo, acusado de fraude eleitoral por uso do fundo eleitoral para a eleição meses antes. O assunto também é conhecido: o ministro era o presidente do PSL de Minas. E o jornal FSP denunciou dias depois que a mesma fraude havia ocorrido em Pernambuco. A parte destinada para os 30% de candidatas mulheres, conforme a lei eleitoral, tinha ido parar em empresas ligadas ao ministro. A pressão da imprensa não conseguiu fazer com que o ministro fosse demitido. Isso indica que esses fundos foram parar nas mãos de Bolsonaro, que foi obrigado a abafar o caso para que não explodisse em denúncia contra ele. Quanto a Bebbiano, a acusação estapafúrdia de estar tramando a deposição do Zero um para que seu suplente assumisse o posto no senado, deixou-o desnorteado, juntamente com os grupos militar e civil liderado por Lorenzoni que assistiram a reunião em BSB que resultou na demissão de Bebbiano. Era a manifestação direta da influência dos filhos nas decisões do pai. Thaís resume assim o comportamento ioiô de Bolsonaro: “... quando ele não resolve de supetão, pode demorar a fazer escolhas. Quando afinal opta por um caminho, pode mudar de rumo em seguida, para logo depois retornar ao ponto inicial – e mais para a frente dar uma guinada e terminar onde ninguém imaginava que ele fosse parar.

Paranoias, ideias fixas, medos e outros tormentos

Entra em cena Sérgio Moro. Inicialmente, com o fiasco em torno de Ilona Szabó, nomeada para o conselho de segurança do MJ e depois desnomeada a pedido de Bolsonaro, atendendo a rede de patrulhamento ideológico em ação, antes de se transformar em gabinete do ódio.

Thaís narra a entrevista (pg 72) que Bolsonaro deu para a Band TV em 1999, que poderia ter-lhe custado o mandato se fosse levada a sério. Respondendo ao entrevistador, Bolsonaro disse que aprovaria o fechamento do Congresso e reclamava que este só votava leis a mando do presidente FHC.

Questionado se defendia uma ditadura, respondeu: “sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”. Quando lembrado na eleição de 2018 sobre o que predicou, respondeu que aquilo tinha acontecido há 20 anos. Entretanto, seus seguidores nas redes sociais não perdoam seus adversários quando, passados mais de 40 anos, ainda carregam o estigma de revolta contra o regime militar.

Como todos os que avaliam as situações de forma não emocional, a emblemática figura de Moro, largando a toga para ser ministro de um governo que era adversário do presidente de um partido que ele tinha botado na cadeia, gerou as conhecidas acusações de falta de isenção, especialmente porque pouco depois se verificou que Moro servia mais a Bolsonaro do que a justiça.

As paranoias de Bolsonaro ficam por conta de pequenos relatos, como o de inspecionar o carro por baixo para ver se havia algum sinal de uma bomba colocada para explodir, ou quando chegava no apartamento funcional não beber água da geladeira com medo de ser envenenado. Temeroso de sofrer o mesmo destino de Eduardo Campos, não voava de jatinhos particulares, preferindo os aviões de carreira, e aproveitava seu medo para se dizer popular e sem recursos.

Para Bebbiano não fazia sentido o Planalto ter 3200 funcionários e a Casa Branca 300. Positivamente, Bolsonaro exonera 320 servidores para despetizar o governo. Havia uma lista para despetizar o MS. Em reunião com Mandetta, ele aceitou demitir 11 dos 13 da lista, alegando motivos técnicos para reter os outros 2.

Zero dois

Narra as paranoias do filho Carlos e suas intrigas palacianas, com foco principal nos ataques a Mourão, desencadeado a partir de uma postagem no Twitter contra Bolsonaro de um perfil falso que Carlos considerou verdadeiro.

Zero dois foi o responsável pela onda de caça às bruxas do entorno do presidente. Um simples encontro de Mourão com FHC em Cambridge, em uma conferência a serviço do governo, gerou uma foto que se tornou escândalo em Brasília. Como se fosse proibido apertar mãos, Carlos partiu para o ataque comandado por seu guru da Virgínia. O patrulhamento chegou a tal ponto, que orientado por Olavo de Carvalho, o pastor Marco Feliciano entrou com um pedido de impeachment de Mourão, recusado prontamente por Rodrigo Maia.

Logo após, Olavo posta um vídeo questionando a autenticidade dos militares com o seguinte bordão: “qual a última contribuição das escolas militares à altura cultura nacional?” E respondia: “as obras de Euclides da Cunha.... depois de então, foi só cabelo pintado e voz impostada. E cagada, cagada”, disse se referindo a Mourão.

Zero dois posta esta barbaridade no Twitter do pai que manda apagá-la e o filho resiste. Depois de levar uma bronca do pai, Zero dois apaga, mas posta em sua própria conta. E calou-se saindo das redes sociais por alguns dias.

Este ambiente de insurgência paranoica permanece como uma constante durante todo o ano de 2019, mostrando que não se trata de um desequilíbrio mental, porém de uma ação coletiva estruturada para não permitir que figuras ligadas a Bolsonaro possam apresentar riscos de competir com aquele que é visto como mito e salvador.

A seguir Thaís narra o conflito entre o Zero dois e Rodrigo Maia que se estendeu por algumas semanas (e ainda não acabou), especialmente no tocante a Reforma da Previdência. Procura demonstrar como um presidente com pouca representação na câmara tem dificuldade para definir a Ordem do Dia na sequência de apresentação de leis e projetos. E com o Zero dois colocando em marcha uma campanha de difamação contra ele, as relações do pai com Maia azedaram diversas vezes, obrigando a intervenção de Guedes e tantos quantos estivessem envolvidos nas reformas.

O governo estremece

Nessas alturas ninguém se entendia mais na base de apoio de Bolsonaro. O mês de maio foi o mais problemático para o governo Bolsonaro e serviu de divisor de águas entre os que o apoiavam condicionalmente, com a reserva cautelosa de que esperavam pelo desempenho para tirar o país da crise, e os que serviam de seguidores incontestes.

Inicia com o episódio da demissão de Santos Cruz, a partir da negativa deste de liberar verbas de publicidade, uma contradição que não ficou totalmente esclarecida, uma vez que o discurso recorrente de Bolsonaro era o de não financiar a imprensa, e como se viu mais tarde, somente a parte da imprensa que o criticava.

Santos Cruz foi demitido pela ala olavista num confronto em que envolveu xingamentos ao exército brasileiro e a alguns comandantes em especial. O mal estar no governo não poderia ser maior quando, insuflado por Olavo de Carvalho, Bolsonaro vem a público defender o Rasputim da Virgínia alegando dever sua eleição a ele e a seu movimento.

E como se não bastasse a perplexidade dos principais assessores militares, como o general Heleno, no dia 13 de maio, o TJ do RJ autoriza a quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio Bolsonaro juntamente com 85 pessoas e 9 empresas ligadas a ele. Em Dallas, Bolsonaro ficou paranoico a ponto de desafiar aqueles que voltaram as baterias contra ele. Falou alto: “não vão me pegar”.

E para coroar a crise, iniciaram-se os protestos contra seu governo pelas universidades federais atingidas pelo corte de verbas. Foi uma oportunidade para o petismo dormente se apresentar no cenário até então confuso, tentando tirar proveito de uma situação que, se aplicada por Dilma, seria vista como perfeitamente natural, posto que o corte de verbas de contingenciamento orçamentário já tinha sido aplicado por ela em seu governo. Foi a guerra da “balbúrdia” entre Weitraub e as elites acadêmicas, que, se não deu em nada, no somatório do mês serviu para marcar o retrocesso que se seguiria.

Decidido a reagir aos maus ventos, Bolsonaro virou suas baterias para o Congresso e o STF. Mas enquanto Alcolumbre, Maia, Gilmar Mendes e Toffoli eram diariamente atacados pela milícia digital, Bolsonaro chama Toffoli para uma reunião que somente depois haveria de vir à tona. Negociando a suspensão das investigações contra o filho, Bolsonaro abriu as portas para que o comando do crime organizado assumisse o controle do país e terminasse por destruir a Lava Jato, a prisão em segunda instância e a introdução do juiz de garantia, um artifício do sempre e perseverante esforço do sistema jurídico brasileiro de atuar contra a verdade. A consequência desse toma lá dá cá foi a libertação de Lula, Dirceu e Vacari, entre outros.

Para os políticos mais experientes, que então não formavam maioria, a impressão era de que o governo endoidecera. Começaram a falar em impeachment, e na inviabilidade deste, em ressuscitar o parlamentarismo, um recurso de gaveta utilizado como remédio de amplo espectro em cada crise governamental profunda.

Inviabilizada a troca de regime de governo, o Congresso decidiu criar um parlamentarismo branco, comandado por Rodrigo Maia. Bolsonaro reagiu com duras críticas aos dois outros poderes, mas não apresentava capacidade para governar com o papel de aglutinador porque seu temperamento disjuntivo o transformou em um símbolo permanente da discórdia, espécie de tenentismo ressuscitado.

Thaís elenca (pgs 131-2) quais medidas o Congresso adotou para tirar o poder de Bolsonaro, sabendo que, fragilizado, não iria além de suas costumeiras reverberações eloquentes. Mas Filipe Martins, seu assessor e cabeça de ponte do olavismo dentro do governo, imediatamente entendeu a crise e elaborou a teoria da conspiração acusando o congresso de procurar um impeachment por crime fiscal, “em consequência da PEC que engessou o orçamento”. A teoria da conspiração ganhou respeito porque a base bolsonarista entendeu que se Bolsonaro não concordasse com as medidas aprovadas, o Congresso o defenestraria. Com isso, arrumou um pretexto para não vetar a destruição da luta contra a corrupção, aliando-se a Maia de fato, e rompendo com ele em retórica. Este esquema vem funcionando com sucesso e tem servido para uma avaliação do crime organizado dentro do estado de que Bolsonaro late mas não morde. Enquanto as patrulhas vociferavam pelo fechamento do congresso, os militares ficaram ausentes de tal proposta, mesmo sabendo que a solução para o país seria uma nova constituição, cuja ideia não foi para frente. A confusão e boataria chegaram a incluir Mourão, acusado de planejar um golpe.

Presidente de pequenas coisas

Thaís elenca o troca-troca nos comandos da Funai, Correios e BNDES, todos com motivos justos alicerçados em fatos e condutas que não correspondiam às expectativas de Bolsonaro quando assumiram os cargos. E as pequenas estórias ligadas a Bolsonaro no cotidiano de seu governo, como a desatenção para com assuntos que estavam sendo explicados, ou com as aulas de Guedes, as piadas dele no Japão, tudo para formar uma identidade com os traços de suas ações diárias.

Sempre seguindo os acontecimentos, ocorre o caso The Intercept, colocando Moro em situação constrangedora e recebendo a carga pesada de manifestações de advogados que logo foram encampadas pelo STF no sentido de demiti-lo. Moro aguentou firme, mas quando começaram os discursos pedindo a anulação dos processos ligados à Lava Jato, o quadro institucional piorou de vez. E Bolsonaro, mais uma vez, não sabia como lidar com a situação. Fraco para peitar os demais poderes, sem saber usar o imenso poder do cargo para dizer em alto e bom som o que aceita e o que não aceita de membros do STF e dirigentes políticos, sua personalidade sem brilho foi aos poucos sendo engolida pela démarche que haveria de enterrar a Lava Jato e soltar detentos famosos como Lula e Dirceu.

O direito brasileiro, inventado e patrocinado por advogados criminalistas caçadores de miçangas jurídicas em favor da defesa do criminoso, levantou a poeira que haveria de chocar a opinião pública com a firula da ordem de apresentação das alegações finais, se pela acusação ou defesa, detalhe até então desconsiderado pelo regime processual, mas que era o vetor da contaminação necessária para soltar condenados em segundo grau, alguns até mesmo em terceiro. Era mais uma vez, a comprovação de que o Brasil não se cansa de se descobrir como um país virgem a quem a ciência jurídica precisa ser reinventada.

Foi o que sucedeu. O governo e ministros ficaram aparvalhados, enquanto Moro resistia como Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura, contra um sistema que já vinha lhe massacrando com as inócuas revelações do The Intercept, mas que o crime organizado levantava como uma bandeira de abuso de poder.

Em pouco tempo, o governo que fora eleito para combater a corrupção, se aliara a ela, seja por interesse familiar, seja pela cumplicidade escamoteada com um tom de belicosidade fingido, porque em ação oposta e concordante com cláusulas abomináveis fez uso da caneta para sufragar as leis tóxicas do Congresso sob o alvoroço das redes sociais pelo veto que tornaram Bolsonaro um aliado no golpe fatal contra o julgamento na segunda instância. Sou tentado a imaginar se o eleito fosse Alckmin e, ato contínuo, assinasse semelhante afronta, o que diriam as exaltadas falanges bolsonaristas que, no entanto, sequer estremeceram em suas convicções políticas com o golpe verdadeiro e derradeiro contra todos os que iniciaram o périplo de luta em 2012 pelo julgamento do mensalão e acabaram traídos em julho de 2019, como o escrivinhador destas linhas.

Tchutchuca é a mãe

Em meados de julho ocorre a polêmica da nomeação do Zero três para a embaixada em Washington. Ao mesmo tempo, o Congresso aprovava a reforma da previdência com os créditos atribuídos a Maia e não a Bolsonaro/Guedes. O parlamentarismo branco dava as cartas e ganhava os trunfos.

Por essa época ficou conhecido o perfil de Bolsonaro com a imprensa. Evangelista incansável da torpeza da imprensa brasileira, da venalidade da pena dos que se submetem aos caprichos das redações, o maior apoio de Bolsonaro vinha exatamente da contestação dos artigos de jornais exercido pela militância das redes sociais. Tal ojeriza era de uma oposição que o levasse ao subterfúgio de entregar o serviço da pauta governamental para o assessor de imprensa, como Lula que só falava para jornalista militante. Nada disso, o perfil do homem era fustigar jornalistas, agredir repórteres sem se importar com a natureza do texto que surgiria deste comportamento belicoso. Odiando o texto, mas se autocongratulando com a fotografia, Bolsonaro não se omitia de aparecer o máximo possível nos telejornais como réplica do herói cafona do “falem mal, mas falem de mim”.

Sua relação com a imprensa era (é) a de um psicopata. Quando apareceu em reportagem no New York Times como um político que elogiava torturadores e que seria incapaz de amar um filho se soubesse que ele era gay, Bolsonaro comentou entre amigos, agitando o jornal provocativamente: “Alguém de vocês já foi capa do New York Times?

No entanto, o capítulo é dedicado a Guedes e ao famoso conflito na Comissão do Congresso, em que o ministro da economia irritado, respondeu ao filho de Dirceu: “Tchutchuca é a mãe. Tchutchuca é a vó”.

Em julho ocorre o problema do desmatamento da Amazônia. A imagem de Bolsonaro, que já não era boa nos foros internacionais, despenca entre acusações de porta de boteco, como quando comentou sobre a idade da esposa do presidente francês, em meio à justificação das queimadas, uma recorrência amazônica que qualquer pessoa na cadeira presidencial teria anuído para depois nada fazer, como todos os que o precederam, mas que Bolsonaro preferiu hostilizar o resto do mundo. O desfecho foi o Brasil perder cerca de 300 milhões com os fundos da Amazônia por birra ideológica, mostrando não só o despreparo de Bolsonaro para ser presidente, como também para entender a importância da experiência e vivência diplomática para ocupar um cargo numa embaixada como a americana, ao apresentar o Zero três como o indicado pretendente.

Foi um salve-se quem puder no circuito do Itamaraty. Com a intervenção dos bombeiros formada pelo setor militar, Bolsonaro recua, mas o episódio da deposição do diretor do INPE, responsável pela monitoração via satélite, as intervenções do ministro do meio ambiente, e a criação por Mourão de um Conselho da Amazônia, terminou arrefecendo os ânimos. Mas não tanto: como participassem os governadores dos estados da região, a presença de Flavio Dino (PCdoB Maranhão) foi usada mais tarde para atacar Mourão. Novamente, a fotografia sela a certeza da mente conspiratória.

O inimigo das árvores

Quando Angela Merkel suspendeu os 80 milhões de dólares da cota da Alemanha para a Amazônia, Bolsonaro sugere que ela empregasse no reflorestamento da Alemanha, como se o país já não estivesse reflorestado. No dia seguinte, a Noruega também suspende sua cota destinada ao Fundo da Amazônia. Esse boicote ao Brasil não foi de caráter político, posto que Alemanha e Noruega não podiam investir no Brasil por exigências de compliance com normas ambientais. O fato é que Bolsonaro foi criado na escola da cobiça internacional pelas riquezas amazônicas. No período que antecedeu o impeachment de Dilma Rousseff, os grupos favoráveis a uma intervenção militar propalavam acintosamente o roubo ou contrabando de nióbio, ouro e diamantes pelas porosas fronteiras do país. Nunca apresentaram um clipe sequer, mas confirmaram o perigo da penetração do sentimento paranoico da perda de riqueza devido ao roubo alheio, como se conhece da questão da borracha.

O fetiche de bilhões de dólares disponíveis no cofre amazônico capaz de transformar um contingente fanatizado em um emirado faz parte da psicologia nacional desde o descobrimento. No entanto, o mito da cobiça amazônica tem sua razão de ser (ver a crítica do livro O Sul Mais Distante de Gerard Horne em Fragmentos 22 deste blog), mas está sepultado no século XIX e coberto por 200 anos de vegetação tropical.

No caso de Bolsonaro, a evidência da cobiça amazônica podia ser demonstrada pela enorme quantidade de ONGs criadas com a finalidade de operar na região, e a quase inexistência para operar no semiárido nordestino.

Evidentemente que em plena era de globalismo, onde quer que os lobbies do politicamente correto encontrem uma forma de sugar dinheiro de instituições internacionais, imediatamente uma enorme quantidade de picaretas e corruptos se instalam como porta-vozes da salvação da humanidade. Tem sido assim com o aquecimento global, rico em fontes de financiamento e uma quase unanimidade nos meios acadêmicos brasileiros pelos empregos, viagens, conferências e um turismo de boa cama e mesa para seus participantes.

Se o mundo passa por um período de escassez de chuvas, os ambientalistas da falta d'água já se organizam em simpósios turísticos para tratar do assunto, sem que nenhuma gota de chuva se origine de tais eventos.

É só esta a razão para a exuberância onguista amazônica. No entanto, a crise com Macron serviu para Bolsonaro contestar a remarcação de terras indígenas, especialmente as contíguas e a nunca aceita Raposa Serra do Sol, sacramentadas pelo STF anos atrás sob pressão do governo Dilma.

Bem posicionado, poderíamos esperar que a poeira baixasse para o governo apresentar um esboço de uma nova legislação ambiental de acesso às riquezas das terras indígenas, além de uma revisão das injustiças cometidas pelas desapropriações efetuadas por negocistas corruptos na ideofrenia que se sucedeu as demarcações de quilombolas e áreas pretensamente indígenas em locais habitadas há quase cem anos por colonos.

O modo como foram enxotados sob a supervisão do MST já era motivo para um inquérito que revelasse a farsa e colocasse o governo nos trilhos de uma efetiva oposição ao PT. Mas, misteriosamente, por omissão ou incompetência intelectual para lidar com a destruição de terras produtivas, nada foi proposto pelo governo em meio ao pandemônio ultradispendioso das compensações ambientais decididas arbitrariamente por picaretas travestidos de consultores. O MST, que havia sido a organização agrária mais amedrontadora, recolheu-se em silêncio para não alardear as conquistas ilícitas, as grilagens arbitrárias, fazendo com que seu “desaparecimento” de cena servisse de negociação entre Bolsonaro e o apoio do agronegócio.

Bolsonaro contra a Lava Toga

Uma das anedotas clássicas que cercaram a candidatura de Bolsonaro foi sua entrevista concedida ao programa Roda Viva da TV Cultura na véspera das eleições de 2018. Como de praxe, a entrevista foi programada cuidadosamente para que o candidato respondesse às perguntas segundo um determinado critério, como chamar o entrevistador pelo nome e citar seu livro de cabeceira. Foi Bebbiano quem se encarregou de treiná-lo.

Diante do comentário de Bebbiano de que Bolsonaro não tinha o hábito de ler, o jornalista sugeriu que o candidato citasse uma biografia. Na reunião em que colaboradores prepararam o candidato para a entrevista, Bebbiano disse: também vão perguntar ao senhor qual é o seu livro de cabeceira. Diz que é uma biografia do Churchill.
– Quem?
– Wiston Churchill, o primeiro-ministro britânico.
– Esse nome eu não vou lembrar.
– Então diz que é a Bíblia.
– Beleza.
Quando, no último bloco do programa, veio a pergunta sobre o livro preferido, Bolsonaro hesitou apenas um segundo antes de responder que era A Verdade Sufocada, de autoria do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Na plateia, assessores do candidato entreolharam-se num silêncio resignado.

Dezembro chegou com o caso Queiroz.
A operação Furna da Onça, investigada pela PF, a partir de denúncias envolvendo Sérgio Cabral com membros da assembleia do Rio chegou ao COAF e dali ao gabinete de Flávio Bolsonaro. A revelação de transferências simultâneas de dinheiro da conta de nove membros do gabinete de Flávio para Fabrício Queiroz levantou as cinzas que se escondiam sob as brasas da corrupção parlamentar no RJ. Imediatamente, os apoiadores do pai vieram a público justificar que o montante desviado, de 1,2 milhão, era ninharia perto dos demais denunciados na operação Furna da Onça que chegavam a 20 milhões de desvios. Era como se a corrupção fosse medida pela hierarquia do montante desviado, de tal forma que um pequeno ladrão não seria um ladrão posto que existiam ladrões maiores que ele. Uma peça cômica que mostrava o grau de fanatismo que havia contaminado os bolsopatas.

De fato, o nome de Queiroz era um entre os 75 funcionários da Alerj denunciados, significando, pelo número, um procedimento de fazer política no Rio que pode se chamar de padronizado.

Bolsonaro foi informado por um “whistblower” da PF, que “cantou” a gravidade da denúncia e informou que os relatórios do COAF eram investigados pelo MPE do Rio. E que da conta de Queiroz tinham migrado 24 mil reais para a conta da primeira dama Michelle. Amigo desde a Brigada de Infantaria Paraquedista, Queiroz não só era velho companheiro de quartel como de churrascos e auxiliar de campanha em todas as eleições de Bolsonaro pai e filhos, que competiam nas 3 instâncias legislativas.

Se o Brasil fosse uma Suécia ou Dinamarca, o caminho de Bolsonaro seria a renúncia ou impeachment. Mas o crime organizado, enraizado no judiciário e no Congresso, sempre aguarda tais denúncias para servir de troca-troca nos chamados rabos presos, em que os delitos de uns são engavetados por outros, e cada qual segue sua agenda de arbítrios, privilégios e patifarias.

Orientado por advogados, Flávio Bolsonaro se recusou a falar do assunto enquanto não tivesse conhecimento oficial das denúncias. Ao mesmo tempo, foi montado um esquema para atribuir a responsabilidade exclusivamente a Queiroz. Antes que esse álibi fosse descartado, os advogados descobriram que tendo Flávio foro privilegiado, o MPE do Rio não poderia estar investigando sem autorização judicial, e levaram o caso para o STF.

Era o ingrediente necessário para acabar com a panaceia de incorruptível de Bolsonaro e fazer com que seguisse o caminho institucional do crime organizado no Brasil.

Toffoli já havia se reunido 7 vezes com Bolsonaro durante o ano, e ao conceder liminar paralisando as investigações, não estava salvando apenas o filho do presidente, porém centenas de investigações em andamento na Lava Jato. A gravidade da decisão levou Sérgio Moro a se reunir com Toffoli para reconsiderar sua decisão liminar.

O que se seguiu foi mais um episódio de atritos com Moro, contrariado por Bolsonaro desde agosto com o famoso episódio da escolha do delegado da PF em que Bolsonaro queria nomear a seu critério, contrariando as regras institucionais.

Tudo não seria trágico se não entrasse em ação o guru do presidente e Rasputin de Virgínia avisando em tom professoral: “vamos combater a corrupção? Não. Vamos primeiro combater os comunistas, seus idiotas”. Era a consagração da dupla moral que fundamenta sua cabala, como se uma coisa fosse possível sem a outra.

A declaração do Rasputin da Virgínia tinha outro endereço. Tramitava no Senado o pedido de abertura de inquérito para investigar membros do judiciário, chamado de Lava Toga. Havia uma mobilização de peso dos senadores para que fosse aprovado e abrisse uma nova frente de combate à corrupção. Era a terceira tentativa no ano.

As denúncias envolviam Dias Toffoli e Gilmar Mendes, através da atuação das respectivas esposas advogadas.
Então Toffoli reagiu a altura de seu cargo empavesado e decidiu comandar o abafamento das investigações de crimes de caixa 2, tirando a atribuição da justiça comum para o TSE, onde o “eleitoral” da sigla passou para “engavetamento.”

Para defender a “honra” dos ministros, Toffoli decide abrir o inquérito das fake news. Era mais uma pílula anticonstitucional de salvação na prescrição dos males da República. Imediatamente, advogados alardearam à opinião pública que o órgão investigado não poderia atuar em defesa de si próprio, posto que julga. Quando o senador Vieira conseguiu as 27 assinaturas para convocar a CPI, o nome de Flávio Bolsonaro não apareceu na lista, e os outros 3 senadores do PSL denunciaram a pressão do partido e iniciaram um rompimento com o presidente.

A partir de então, sem uma estrutura partidária aglutinada, Bolsonaro usou a tábua de salvação de acusar o Congresso de não o deixar governar, expediente que vinha usando desde o primeiro mês de governo, quando se sabe que o Congresso, por força da dissolução política que imprimiu ao seu próprio partido, passou a comandar o país em decisões que Bolsonaro tratou de isentar-se e manter o velho costume de não se comprometer, como vinha fazendo em toda a carreira política. Crime de responsabilidade? Difícil, pois sua política consiste em envolver todos os assuntos de sua pauta em uma nuvem de discórdia.

No julgamento definitivo da liminar de Toffolli que suspendeu as investigações em dezembro, o plenário do STF decidiu por 9x2 pela legalidade da investigação com base em dados repassados pelo COAF, derrotando Toffoli. A partira daí, conta Thaís, “o caso Queiroz não estava sepultado, como desejava Bolsonaro. Mas uma parte de seu governo havia morrido com ele”.

Traições

Nesta última parte, Thaís Oyama descreve cronologicamente todas as mancadas, desditos, rebates, apoios nas mídias sociais, grosserias com repórteres, bombardeios de fake news, ameaças contra jornais e rede Globo. Depois narra os eventos em que o clã assume o poder no PSL, avança no terreno dos expurgos e dissidências, rompe com ele para criar a Aliança Pelo Brasil.

Ao recusar Deltan Dallagnol na PGR e afirmar que a vaga de Moro para o STF não está garantida, Bolsonaro delineou a espinha dorsal de sua conduta em favor da mesquinharia que sempre lhe caracterizou. E quando convenceu Guedes a desistir de lutar no Congresso pelas reformas administrativas e tributárias, enveredou para o círculo da proteção à privilegiatura, tornando-se assim mais um “conservador” dos costumes estatais do que um reformador de nossos defeitos.

A deflagração da epidemia do coronavírus em março/2020 alterou dramaticamente o desenrolar da tumultuada rotina das pressões em seu governo. Doravante, todos os seus defeitos, traições, desarranjos, idas e vindas em opiniões que o definem como o maior político ioiô de todos os tempos, vai ser creditada à pandemia. Como uma fênix, vai tentar ressuscitar das cinzas de um governo sem rumo e atabalhoado.


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