sábado, 11 de setembro de 2021

Fragmentos 33

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Thomas Sowell — Intellectuals and Society

Índice

Capítulo 1 - Intelecto e intelectuais
INTELIGÊNCIA VERSUS INTELECTO
IDEIAS E RESPONSABILIDADE

Capítulo 2 - Conhecimento e Noções
CONCEITOS CONCORRENTES DE CONHECIMENTO
O PAPEL DA RAZÃO

Capítulo 3 - Intelectuais e Economia
"DISTRIBUIÇÃO DE RENDA"
SISTEMAS ECONÔMICOS
O NEGÓCIO
RECESSÕES E DEPRESSÕES

Capítulo 4 - Intelectuais e Visões Sociais
UM CONFLITO DE VISÕES
ARGUMENTOS SEM ARGUMENTOS
A DICOTOMIA ESQUERDA-DIREITA
“MUDAR” VERSUS O STATUS QUO
PREFERÊNCIAS RETÓRICAS VERSUS REVELADAS
JUVENTUDE E MATURIDADE
NOÇÕES VERSUS PRINCÍPIOS
RESUMO PESSOAS EM UM MUNDO ABSTRATO

Capítulo 5 - Realidade Opcional na Mídia e na Academia
FILTRAGEM DA REALIDADE
VERDADE SUBJETIVA
O INVIDIOSO E O DRAMÁTICO

Capítulo 6 - Intelectuais e o Direito
MUDANDO A LEI
RESULTADOS DAS DOUTRINAS DE “RESULTADOS”
CRIME

Capítulo 7 - Intelectuais e Guerra
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Capítulo 8 - Intelectuais e guerra: história repetida
REPRODUZINDO OS ANOS 1930
PATRIOTISMO E HONRA NACIONAL

Capítulo 9 - Intelectuais e Sociedade
INCENTIVOS E RESTRIÇÕES
A INFLUÊNCIA DOS INTELECTUAIS
O REGISTRO DE TRILHA DE INTELECTUAIS
RESUMO E IMPLICAÇÕES


INTELIGÊNCIA VERSUS INTELECTO

1. A capacidade de apreender e manipular ideias complexas é suficiente para definir o intelecto, mas não é suficiente para abranger a inteligência, o que envolve combinar intelecto com julgamento e cuidado na seleção de fatores explicativos relevantes e no estabelecimento de testes empíricos de qualquer teoria que surja. Inteligência menos julgamento é igual a intelecto. Sabedoria é a qualidade mais rara de todas – a capacidade de combinar intelecto, conhecimento, experiência e julgamento de tal forma a produzir compreensão coerente. A sabedoria é o cumprimento da antiga admoestação: "Com toda a sua capacitação, obtenha entendimento." A sabedoria requer autodisciplina e uma compreensão das realidades do mundo, incluindo as limitações da própria experiência e da própria razão. O oposto do intelecto é embotamento ou lentidão, mas o oposto da sabedoria é a tolice, o que é muito mais perigoso.

2. Definindo Intelectuais

Devemos ter clareza sobre o que entendemos por intelectuais. Aqui, “intelectuais” se refere a uma categoria ocupacional, pessoas cujas ocupações lidam principalmente com ideias – escritores, acadêmicos e semelhantes. A maioria de nós não pensa em neurocirurgiões ou engenheiros como intelectuais, apesar do exigente treinamento mental que cada um passa, e virtualmente ninguém considera nem mesmo o mago financeiro mais brilhante e bem-sucedido como um intelectual. O trabalho de um intelectual começa e termina com ideias ...

3. A Intelligentsia

Em torno de um núcleo mais ou menos sólido de produtores de ideias existe uma zona de penumbra entre aqueles cujo papel é o uso e a disseminação dessas ideias. Estes últimos indivíduos incluiriam professores, jornalistas, ativistas sociais, assessores políticos, escrivães de juízes e outros que baseiam suas crenças ou ações nas ideias de intelectuais. Jornalistas em suas funções de redatores editoriais ou colunistas são consumidores das ideias de intelectuais e produtores de ideias próprias e, portanto, podem ser considerados intelectuais em tais funções, uma vez que a originalidade não é essencial para a definição de um intelectual, desde que o produto final seja ideias.

4. Ideias

Que uma nova ideia pareça plausível depende do que já se acredita previamente. Quando a única validação externa para o indivíduo é o que os outros acreditam, tudo depende de quem são esses outros indivíduos. Se eles são simplesmente pessoas que pensam da mesma forma em geral, então o consenso do grupo sobre uma determinada ideia nova depende daquilo que esse grupo já acredita em geral – e não diz nada sobre a validade empírica dessa ideia no mundo externo.

5. Responsabilidade

Os intelectuais, no sentido restrito que em grande parte está de acordo com o uso geral, são, em última análise, insondáveis perante o mundo externo. [Cita alguns exemplos:]

6. Sartre voltou em 1939 da Alemanha, onde estudou filosofia, e disse ao mundo que havia pouco a escolher entre a Alemanha de Hitler e a França. Mesmo assim, Sartre tornou-se um papa intelectual reverenciado pelos instruídos em todos os países. Sartre não era o único.

7. Ralph Nader se tornou uma importante figura pública com a publicação de seu livro Unsafe at Any Speed, em 1965, que retratava os carros americanos em geral, e o Corvair em particular, como sujeitos a acidentes.

No entanto, apesar do fato de que estudos empíricos mostraram que o Corvair era pelo menos tão seguro quanto os outros carros de sua época, Nader não apenas continuou a ter credibilidade, mas adquiriu uma reputação de idealismo e visão que o tornou uma espécie de santo secular.

8. Em suma, as restrições que se aplicam a pessoas na maioria dos outros campos não se aplicam nem mesmo aproximadamente da mesma forma aos intelectuais.

9 Conhecimento e Noções

Desde cedo, pessoas inteligentes são lembradas de sua inteligência, separadas de seus colegas em classes de superdotados e apresentadas a oportunidades indisponíveis para outras pessoas. Por essas e outras razões, os intelectuais tendem a ter um senso inflado de sua própria sabedoria.

10. Bertrand Russell defendeu o “desarmamento unilateral” para a Grã-Bretanha na década de 1930, enquanto Hitler armava novamente a Alemanha. A defesa do desarmamento de Russell estendeu-se até a "dissolução do exército, da marinha e da força aérea" – novamente, com o rearmamento de Hitler não muito longe.

11. Noam Chomsky relevante não é o estudioso da linguística, mas o Noam Chomsky de pronunciamentos políticos igualmente extravagantes.

12. O Edmund Wilson que é relevante não é o crítico literário conceituado, mas o Edmund Wilson que instou os americanos a votarem nos comunistas nas eleições de 1932. Nisto ele foi acompanhado por outros luminares intelectuais da época como John Dos Passos, Sherwood Anderson, Langston Hughes, Lincoln Steffens e muitos outros escritores conhecidos da época.

13. Visitando os Estados Unidos em 1933, George Bernard Shaw disse: “Vocês, americanos, têm tanto medo dos ditadores. A ditadura é a única maneira pela qual o governo pode realizar qualquer coisa. Veja a confusão que a democracia produziu. Por que vocês têm medo da ditadura?”

14. A lista de intelectuais de alto escalão que fizeram declarações totalmente irresponsáveis e que defendiam coisas irremediavelmente irrealistas e perigosas de forma imprudente poderia ser estendida quase indefinidamente.

15. Conceitos concorrentes de conhecimento

Muitos intelectuais e seus seguidores ficaram indevidamente impressionados com o fato de que elites altamente educadas como eles próprios têm muito mais conhecimento per capita – no sentido de conhecimento especial – do que a população em geral. A partir disso, é um passo curto para considerar as elites educadas como guias superiores do que deve e não deve ser feito em uma sociedade.

Eles frequentemente negligenciam o fato crucial de que a população em geral pode ter muito mais conhecimento total – no sentido mundano – do que as elites, mesmo que esse conhecimento esteja espalhado em fragmentos individualmente inexpressivos entre um grande número de pessoas.

16. Se ninguém tem sequer um por cento do conhecimento atualmente disponível, sem contar os vastos conhecimentos ainda a serem descobertos, a imposição de cima para baixo das noções a favor das elites, convencidas de seus próprios conhecimentos e virtudes superiores, é uma fórmula para o desastre.

17. Uma vez que os intelectuais têm todo o incentivo para enfatizar a importância do tipo especial de conhecimento que eles têm, em relação ao conhecimento mundano que outros possuem, eles são frequentemente defensores de cursos de ação que ignoram o valor, o custo e as consequências de conhecimento mundano.

18. Especialistas

Uma ocupação especial que se sobrepõe à dos intelectuais, mas não é totalmente coincidente com ela, é a do especialista. Especialistas de qualquer tipo são exemplos claros de pessoas cujo conhecimento está concentrado em uma faixa estreita do vasto espectro das preocupações humanas.

19. O papel da razão

A suposição implícita de conhecimento superior entre as elites intelectuais está subjacente a uma das demandas dos intelectuais que remonta pelo menos até o século XVIII – a saber, que ações, políticas ou instituições "se justificam perante o tribunal da razão".

20. Intelectuais e Economia

A maioria dos intelectuais fora do campo da economia mostra notavelmente pouco interesse em aprender até mesmo os fundamentos básicos da economia. No entanto, eles não hesitam em fazer pronunciamentos abrangentes sobre a economia em geral, os negócios em particular e as muitas questões que giram em torno do que é chamado de "distribuição de renda".

21. Talvez a maior questão econômica, ou aquela abordada com mais frequência, seja a chamada “distribuição de renda”, embora a frase em si seja enganosa e as conclusões sobre a renda alcançadas pela maioria da intelectualidade sejam ainda mais enganosas.

22. “Distribuição de renda”

O fato mais fundamental da economia, sem o qual não haveria economia, é que todos desejam sempre uma soma maior do que a existente. Se isso não fosse verdade, estaríamos vivendo em um Jardim do Éden, onde tudo está disponível em abundância ilimitada, em vez de em uma economia com recursos limitados e desejos ilimitados.

23. Apesar da dicotomia frequentemente expressa entre caos e planejamento, o que é chamado de "planejamento" é a supressão forçada de milhões de planos de pessoas por um plano imposto pelo governo. O que é considerado caos são interações sistêmicas cuja natureza, lógica e consequências raramente são examinadas por aqueles que simplesmente assumem que o “planejamento” por tomadores de decisão subordinados deve ser melhor.

24. Muitas pessoas acham difícil acreditar que eventos econômicos negativos não são resultado de vilania, embora aceitem eventos econômicos positivos – a queda dos preços de computadores que são muito melhores do que os computadores anteriores, por exemplo – como sendo apenas um resultado de “Progresso” que acontece de alguma forma.

25. Em uma economia de mercado, os preços transmitem uma realidade subjacente sobre oferta e demanda – e sobre os custos de produção por trás da oferta, bem como inúmeras preferências individuais e compensações por trás da demanda. Ao considerar os preços apenas construções sociais arbitrárias, alguns podem imaginar que os preços existentes podem ser substituídos por preços controlados pelo governo, refletindo noções mais sábias e nobres, como “habitação acessível” ou custos de saúde “razoáveis”. Uma história de controles de preços que remonta a séculos, em países ao redor do mundo, mostra consequências negativas e até desastrosas de tratar os preços como meras construções arbitrárias, em vez de sintomas e meios de transmissão de uma realidade subjacente que não é tão suscetível de controle quanto os preços o são.

26. Intervenção governamental

Entre as consequências do analfabetismo econômico da maioria dos intelectuais está a visão de soma zero da economia mencionada anteriormente, em que os ganhos de um indivíduo ou de um grupo representam uma perda correspondente para outro indivíduo ou outro grupo.

27. Prescrições semelhantes de intervenção governamental ativa na economia abundaram entre os intelectuais, no passado e no presente. John Dewey, por exemplo, usou frases atraentes como "inteligência socialmente organizada na condução dos assuntos públicos" e "reconstrução social organizada" como eufemismos para o simples fato de que tomadores de decisão subordinados a terceiros procuram ter suas preferências impostas a milhões de outras pessoas através do poder do governo.

28. Embora o governo seja frequentemente chamado de "sociedade" por aqueles que defendem esta abordagem, não existe uma instituição concreta chamada "sociedade", e o que é chamado de planejamento "social" são, na verdade, ordens do governo que anulam os planos e acomodações mútuas de milhões de outras pessoas.

29. Dizer, como fez John Dewey, que deve haver “controle social das forças econômicas” soa bem de uma forma vaga, até que isso seja traduzido em detalhes, já que os detentores do poder político proíbem transações voluntárias entre os cidadãos.

30. Um dos muitos sinais de virtuosismo verbal entre os intelectuais é a maquiagem de palavras para significar coisas que não são apenas diferentes, mas às vezes o oposto direto de seus significados originais. “Liberdade” e “poder” estão entre as palavras mais comuns dessas maquiagens. O conceito básico de liberdade, como não estar sujeito às restrições de outras pessoas, e de poder, como a capacidade de restringir as opções de outras pessoas, foram ambos colocados de cabeça para baixo em algumas das reformulações dessas palavras por intelectuais que discutem questões econômicas.

31. Se, em um determinado momento, três quartos dos consumidores preferirem comprar a marca de widgets da Acme a qualquer outra marca, então será dito que a Acme Inc. "controla" três quartos do mercado, mesmo que os consumidores controlem 100 por cento do mercado, já que eles podem mudar para outra marca de widgets amanhã se alguém vier com um widget melhor, ou parar de comprar widgets se um novo produto aparecer que os torne obsoletos.

[Faço uma ressalva: a cartelização existe, e nós brasileiros sabemos muito bem que o mercado em uma sociedade estatista é constantemente deformado pelo compadrismo entre industriais e governo.]

32. A embalagem verbal da escolha do consumidor como "controlador" de negócios tornou-se tão difundida que poucas pessoas parecem sentir a necessidade de fazer algo tão básico como pensar sobre o significado das palavras que estão usando, que transformam uma estatística ex post em uma condição ex ante.

33. Ao dizer que as empresas têm "poder" porque têm "controle" de seus mercados, esse virtuosismo verbal abre caminho para dizer que o governo precisa exercer seu "poder de compensação" (frase de John Kenneth Galbraith) para proteger o público.

34. Apesar dos paralelos verbais, o poder do governo é de fato poder, uma vez que os indivíduos não têm a liberdade de escolha quanto a obedecer ou não às leis e regulamentos governamentais, enquanto os consumidores são livres para ignorar os produtos comercializados mesmo pelos maiores e supostamente mais “poderosas” corporações do mundo.

35. Henry Ford foi pioneiro em métodos de produção em massa e teve alguns dos trabalhadores mais bem pagos de sua época – décadas antes da indústria ser sindicalizada – e os carros de menor preço, notadamente o lendário Modelo T, que fez com que o automóvel não fosse mais um luxo confinado aos ricos.

36. Mas nenhum desses fatos simples prevaleceu contra a visão da intelectualidade da era progressista, que neste caso incluía o presidente Theodore Roosevelt. Seu governo lançou processos antitruste contra alguns dos maiores redutores de preços, incluindo a Standard Oil e a Great Northern Railroad. Theodore Roosevelt buscava o poder, em suas palavras, de “controlar e regular todas as grandes combinações”. Ele declarou que “de todas as formas de tirania a menos atraente e a mais vulgar é a tirania da riqueza em si, a tirania de uma plutocracia.”

[Theodore Roosevelt foi além no desmonte dos cartéis. Ele inseriu os alicerces da democracia através do controle eleitoral dos cidadãos sobre políticos eleitos e magistrados. Neste ponto Sowell não aceita o argumento de que o livre mercado possa produzir a eliminação da concorrência por ação dos mais fortes e não pela escolha dos consumidores. Uma posição típica da Escola de Chicago.]

37. Sem dúvida era verdade, como disse TR, que a Standard Oil criou "enormes fortunas" para seus proprietários "às custas dos rivais de negócios", mas é questionável se os consumidores que pagaram preços mais baixos pelo petróleo se sentiram vítimas de uma tirania.

[Mas o preço mais baixo foi praticado como dumping até que a Standard Oil arruinasse os concorrentes, elevando os preços quando saiu vitoriosa . É o caso de se perguntar sobre os produtos chineses e a ruína de milhares de empregos nos EUA a partir dos anos 90. Sowell insiste na questão de que os preços variam em função da oferta de óleo e não da competição. Não transcrevo os parágrafos porque não se coadunam com a tradição econômica brasileira da economia formada por concessões governamentais.]

38. Intelectuais e Visões Sociais

Os intelectuais não têm simplesmente uma série de opiniões isoladas sobre uma variedade de assuntos. Por trás dessas opiniões está geralmente alguma concepção abrangente e coerente do mundo, uma visão social. Os intelectuais são como outras pessoas em ter visões – algum senso intuitivo de como o mundo funciona, o que causa o quê.

39. A visão em torno da qual a maioria dos intelectuais contemporâneos tende a se aglutinar tem características que a distinguem de outras visões prevalecentes em outros segmentos da sociedade contemporânea ou entre as elites ou massas em épocas anteriores.

40. Um conflito de visões

No cerne da visão social prevalente entre os intelectuais contemporâneos está a crença de que existem “problemas” criados pelas instituições existentes e que as “soluções” para esses problemas podem ser excogitadas pelos intelectuais.

41. Em suma, os intelectuais se viam não simplesmente como uma elite – no sentido passivo em que grandes proprietários de terras, rentistas ou detentores de várias sinecuras podem se qualificar como elites – mas como uma elite ungida, pessoas com a missão de liderar outros de uma forma ou de outra para uma vida melhor.

42. A famosa declaração de Rousseau - “O homem nasceu livre e está em toda parte acorrentado” resume o cerne da visão dos ungidos, de que os artifícios sociais são a causa raiz da infelicidade humana e explicam o fato de que o mundo que vemos ao nosso redor difere muito do mundo que gostaríamos de ver. Nessa visão, opressão, pobreza, injustiça e guerra são todos produtos de instituições existentes – problemas cujas soluções exigem a mudança dessas instituições, o que, por sua vez, exige a mudança das ideias por trás dessas instituições.

43. Em suma, os males da sociedade são vistos, em última instância, como um problema intelectual e moral, para o qual os intelectuais estão especialmente equipados para fornecer respostas, em virtude de seu maior conhecimento e visão, bem como de não terem interesses econômicos investidos para enviesá-los em favor da ordem existente e ainda a voz dos contrastes entre a pobreza opressora de alguns e a extravagância luxuosa de outros, agravada por contrastes semelhantes imerecidos de status social, estão entre os problemas que há muito dominam a agenda daqueles com a visão do ungido.

44. Um estudioso clássico contrastou as visões modernas dos ungidos com "o quadro mais sombrio" pintado por Tucídides de "uma raça humana que escapou do caos e da barbárie preservando com dificuldade uma fina camada de civilização", com base no crescimento de "moderação e prudência" sem experiência.

45. Esta é uma visão trágica da condição humana que é muito diferente da visão dos ungidos.

46. "Soluções" não são esperadas por aqueles que veem muitas das frustrações, males e anomalias da vida – a tragédia da condição humana – como sendo devidas a restrições inerentes aos seres humanos, individual e coletivamente, e no mundo físico em que vivem. Em contraste com a visão dos ungidos de hoje, onde a sociedade existente é amplamente discutida em termos de suas inadequações e as melhorias que os ungidos têm a oferecer, a visão trágica considera as próprias civilizações como algo que requer grandes e constantes esforços apenas para serem preservadas – e que esses esforços devem ser baseados na experiência real, não em “estimular” novas teorias.

47. Na visão trágica, a barbárie está sempre esperando nas asas e a civilização é simplesmente “uma fina crosta sobre um vulcão”. Essa visão tem poucas soluções a oferecer e muitas compensações dolorosas a serem ponderadas.

48. Na visão trágica, os artifícios sociais procuram restringir o comportamento que leva à infelicidade, embora essas próprias restrições causem uma certa quantidade de infelicidade. É uma visão de compensações, ao invés de soluções, e uma visão de sabedoria destilada das experiências de muitos, ao invés do brilho de alguns.

49. O conflito entre essas duas visões remonta a séculos. Aqueles com a visão trágica e aqueles com a visão dos ungidos não divergem simplesmente em uma série de questões políticas. Eles necessariamente diferem, porque estão falando sobre mundos muito diferentes que existem dentro de suas mentes.

50. Essas visões opostas diferem não apenas no que acreditam existir e no que pensam ser possível, mas também no que acham que precisa ser explicado. Para aqueles que têm a visão dos ungidos, são males como pobreza, crime, guerra e injustiça que requerem explicação. Para aqueles com a visão trágica, é a prosperidade, a lei, a paz e a justiça que alcançamos, que exigem não apenas explicação, mas esforços constantes, trocas e sacrifícios, apenas para mantê-los em seus níveis existentes, muito menos promover seu aprimoramento ao longo do tempo.

51. Se acontecer de você acreditar em mercados livres, restrições judiciais, valores tradicionais e outras características da visão trágica, então você é apenas alguém que acredita em mercados livres, restrições judiciais e valores tradicionais. Não há exaltação pessoal resultante dessas crenças. Mas defender a “justiça social” e “salvar o meio ambiente” ou ser “anti-guerra” é mais do que apenas um conjunto de crenças sobre fatos empíricos. Esta visão o coloca em um plano moral superior como alguém preocupado e compassivo, alguém que defende a paz no mundo, um defensor dos oprimidos e alguém que deseja preservar a beleza da natureza e salvar o planeta de ser poluído por outros menos cuidadosos.

52. Argumentos sem argumentos – a dicotomia esquerda-direita

Um resumo aproximado da visão da esquerda política hoje é o da tomada de decisão coletiva por meio do governo, voltada para – ou pelo menos racionalizada – o objetivo de reduzir as desigualdades econômicas e sociais.

53. Entre aqueles designados como "a direita", a diferença entre os libertários de livre mercado e as juntas militares não é simplesmente de grau na busca de uma visão comum, porque não há uma visão comum entre esses e outros grupos díspares opostos à esquerda – ou seja, não existe algo definível como “a direita”, embora haja vários segmentos dessa categoria abrangente, como os defensores do livre mercado, que podem ser definidos.

54. “Alterar” versus o status quo

Tanto Burke quanto Smith defenderam mudanças drásticas como libertar as colônias americanas em vez de lutar para mantê-las, como fez o governo britânico, e ambos também se opuseram à escravidão em um momento em que poucos o faziam no mundo ocidental e praticamente ninguém fora do Ocidente . Burke elaborou um plano para preparar escravos para a liberdade e fornecer-lhes propriedades para começarem suas vidas como pessoas livres.

55. Adam Smith não apenas se opôs à escravidão, mas também rejeitou com desprezo a teoria de que os escravos negros na América eram inferiores aos brancos que os escravizaram.

56. Pessoas que se autodenominam “progressistas” afirmam não apenas que são a favor de mudanças, mas que essas mudanças são benéficas – isto é, progresso. Mas outras pessoas que defendem outras mudanças muito diferentes também proclamam que essas são mudanças para melhor. Em outras palavras, todo mundo é um “progressista” por sua própria conta.

57. Preferências retóricas versus reveladas

Que preferências são reveladas pelo comportamento real dos intelectuais – e como essas preferências reveladas se comparam à sua retórica?

58. Em suma, uma das maneiras de testar se as preocupações expressas com o bem-estar dos menos afortunados representam principalmente uma preocupação com esse bem-estar ou um uso dos menos afortunados como um meio de condenar a sociedade, ou buscar tanto autoridade política ou moral sobre a sociedade, seria ver as preferências reveladas dos intelectuais em termos de quanto tempo e energia eles investem na promoção de sua visão, em comparação com quanto tempo e energia eles investem no escrutínio (1) das reais consequências de coisas feitas em nome dessa visão e (2) dos benefícios para os menos afortunados criados fora dessa visão e até mesmo contra essa visão.

59. Juventude e Maturidade

A noção dos anos 1960 de que “devemos aprender com nossos jovens” teve antecedentes que remontam ao século XVIII. Fenômenos sociais subsidiários, como a redução da idade de voto e a redução da deferência para com a geração mais velha em geral e os pais em particular, são também muito consistentes, senão inevitáveis corolários, com a concepção geral de conhecimento e inteligência prevalente entre aqueles com a visão do ungido.

[Quero adicionar uma observação de minha própria lavra: a redução da deferência com os mais velhos está relacionada com a herança que detemos de nossos ancestrais. Em uma sociedade em constante mudança, onde a cada geração corresponde uma nova tecnologia e um novo modo de saber e raciocinar, o conhecimentos dos pais são de pouca monta para os filhos, que sabem que o conhecimento está alhures e distante da família. Este fenômeno está exclusivamente restrito à nossa Era.]

60. Noções versus princípios

Idealmente, o trabalho dos intelectuais é baseado em certos princípios - de lógica, de evidências e talvez de valores morais ou preocupações sociais. No entanto, dados os incentivos e restrições da profissão, o trabalho dos intelectuais não precisa ser assim. Há amplo espaço para atitudes, em vez de princípios, para guiar o trabalho dos intelectuais, especialmente quando essas são atitudes prevalentes entre seus pares e isoladas do feedback consequente do mundo exterior. Embora a lógica e a evidência sejam critérios ideais para o trabalho dos intelectuais, há muitas maneiras pelas quais muito do que é dito e feito por intelectuais tem menos a ver com princípios do que com atitudes.

61. Alguns intelectuais que se opuseram ao princípio do racismo permaneceram em silêncio ou se desculpando quando líderes comunitários negros fizeram ataques racistas contra lojistas asiáticos em guetos negros, ou contra brancos em geral ou judeus em particular.

62. Muitos entre os intelectuais costumam denunciar a “ganância” entre executivos corporativos cujas receitas são, no entanto, uma fração da renda de atletas profissionais ou artistas que raramente, ou nunca, são acusados de ganância.

63. Pessoas abstratas em um mundo abstrato

Crenças equivocadas sobre a sociedade por parte dos intelectuais não são erros aleatórios. Na prática, seus mal-entendidos ou descaracterizações promovem a visão geral de uma sociedade profundamente imperfeita, com necessidade urgente de intervenção política para concretizar a visão predominante entre a intelectualidade. Uma das bases para os pronunciamentos radicais dos intelectuais sobre sociedades inteiras é conceber as pessoas em abstrato, sem as características específicas e concretas encontradas em seres humanos de carne e osso como eles existem no mundo real.

64. Desigualdades de renda, poder, prestígio, saúde e outras coisas há muito preocupam os intelectuais, tanto como coisas a serem explicadas quanto a serem corrigidas. O tempo e o esforço dedicados a essas desigualdades podem sugerir que a igualdade é tão comum ou tão automática que sua ausência exige uma explicação.

65. Qualquer um que sugira que indivíduos – ou, pior ainda, grupos – são desiguais é desprezado intelectualmente e denunciado moralmente como tendencioso e preconceituoso em relação aos considerados menos que iguais. No entanto, o estudo empírico da igualdade varia de fraco a inexistente.

66. Uma vez que o foco muda do potencial abstrato para as capacidades empíricas, a noção de igualdade não é apenas não comprovada, mas improvável a ponto de ser absurda. Como as pessoas que vivem no Himalaia poderiam desenvolver as habilidades marítimas das pessoas que vivem nos portos do Mediterrâneo ou do Atlântico?

66. Realidade opcional na mídia e na academia – filtrando a realidade

Muitos entre os intelectuais criam sua própria realidade – deliberadamente ou não – filtrando informações contrárias à sua concepção de como o mundo é ou deveria ser.

67. Se os sem-teto tendem a ser higienizados nos noticiários da televisão, os empresários tendem a ser demonizados em filmes e dramas de televisão, como outro estudo descobriu:

68. ■ Durante o período estudado, 6% das pessoas com AIDS mostradas no noticiário noturno eram gays. Mas na vida real 58% eram gays. ■ Na TV, 16% eram negros e hispânicos. Mas na vida real 46% eram negros ou hispânicos. ■ Na TV, 2% dos pacientes com AIDS eram usuários de drogas intravenosas. Na vida real, 23% eram.

69. Esta criação de uma imagem refletindo a visão dos ungidos, em vez das realidades do mundo, se estende aos livros didáticos usados nas escolas.

70. Suprimindo Fatos

Um dos exemplos históricos de suprimir fatos foi o relato e o não relato da fome criada pelo governo da União Soviética na Ucrânia e no Norte do Cáucaso, que matou milhões de pessoas na década de 1930. O correspondente do New York Times em Moscou, Walter Duranty, escreveu: “Não há fome ou inanição real, nem é provável que haja”.

71. Ele recebeu um Prêmio Pulitzer e o painel do Pulitzer o elogiou por seus relatórios, “marcados por erudição, profundidade, imparcialidade, bom senso e clareza excepcional”.

72. Enquanto isso, o escritor britânico Malcolm Muggeridge relatou da Ucrânia que os camponeses estavam de fato passando fome: “Quero dizer, morrendo de fome em seu sentido absoluto; não subnutridos como, por exemplo, a maioria dos camponeses orientais e alguns trabalhadores desempregados na Europa, mas tendo quase nada para comer durante semanas ”.

Muggeridge escreveu que a fome provocada pelo homem foi “um dos crimes mais monstruosos da história, tão terrível que as pessoas no futuro dificilmente serão capazes de acreditar que aconteceu.”

O que Muggeridge disse foi considerado “um discurso histérico” por Beatrice Webb, co-autora com seu marido Sidney Webb de um estudo internacionalmente conhecido sobre a União Soviética. Muggeridge foi vilipendiado e não conseguiu trabalho como escritor, depois de seus despachos da União Soviética, e estava tão mal financeiramente que ele, sua esposa e dois filhos pequenos tiveram que ir morar com amigos. Não há necessidade de acreditar que houve qualquer conspiração entre editores ou jornalistas para silenciar e condenar Malcolm Muggeridge ao ostracismo. Tampouco é necessária uma conspiração para filtrar com sucesso coisas que não se enquadram na visão predominante – tanto naquela época quanto agora.

73. O que Duranty disse em particular a alguns outros jornalistas e diplomatas na época foi radicalmente diferente do que ele disse em seus despachos para o New York Times. Por exemplo, em 1933, um diplomata britânico relatou a Londres: “Sr. Duranty acha bem possível que cerca de 10 milhões de pessoas possam ter morrido direta ou indiretamente por falta de comida na União Soviética durante o ano passado.”

74. Vasculhar os números pode revelar dados estatísticos consistentes com uma determinada visão e vasculhar outros números – ou talvez até os mesmos números vistos ou selecionados de maneira diferente – pode produzir dados consistentes com a visão oposta.

75. Nenhuma informação factual que possa refletir negativamente sobre os homossexuais provavelmente será encontrada na mídia ou nos filtros acadêmicos, mas qualquer coisa que mostre os gays como vítimas pode obter cobertura massiva.

76. A pesquisa do jornalista William McGowan encontrou mais de 3.000 histórias da mídia sobre um homem gay em Wyoming que foi espancado até ficar inconsciente por bandidos e abandonado para morrer, mas menos de 50 histórias da mídia sobre um adolescente que foi capturado e repetidamente estuprado por duas horas por dois homens homossexuais, que também o deixaram morrer.

77. Mas, como em outros contextos, quando uma história se encaixa na visão, as pessoas na mídia nem sempre acham necessário verificar se ela também se encaixa nos fatos.

78. Pessoas Fictícias

[Depois de discorrer sobre diversas personalidades com um histórico de abnegação e competência e a ficção em torno delas elevada pela imprensa, observa:]

Não apenas indivíduos, mas nações inteiras podem receber características fictícias em prol de uma visão prevalecente. Com as nações, como com os indivíduos, o que é exaltado e o que é denegrido depende muito mais do que se ajusta à visão do que do que se ajusta aos fatos. A admiração dos intelectuais pelas supostas virtudes de nações estrangeiras muitas vezes serviu como um meio de repreensão ao seu próprio país.

[No Brasil figuras como Getúlio e Juscelino, Ulisses Guimarães e Brizola desfrutam da mesma dicotomia de ficção.]

79. A admiração dos intelectuais pelas supostas virtudes de nações estrangeiras muitas vezes serviu como meio de repreensão ao seu próprio país.

80. Limpeza verbal

Os numerosos filtros em ação tanto na mídia quanto na academia não são aleatórios. Eles refletem uma visão comum e filtram inúmeras coisas que podem ameaçar essa visão. O virtuosismo verbal dos intelectuais filtra tanto palavras quanto fatos, por meio do que pode ser chamado de limpeza verbal, bem como a limpeza étnica.

81. O conhecido livro de Richard Hofstadter, AntiIntellectualism in American Life, equiparou as duas coisas, tanto em seu título quanto em seu texto, onde ele se referiu a "o desrespeito nacional pela mente" e "as qualidades em nossa sociedade que tornam o intelecto impopular". O colunista do New York Times, Nicholas D. Kristof, foi um dos muitos que escreveram sobre "o antiintelectualismo que há muito tem sido uma tensão na vida americana". Mesmo o distinto estudioso Jacques Barzun disse: “O intelecto é desprezado”, embora ele próprio tenha sido crítico dos intelectuais, sem ser alguém que desprezava o intelecto.

82. Objetividade versus Imparcialidade

O virtuosismo verbal permitiu que muitos intelectuais escapassem da responsabilidade de filtrar a realidade para criar uma realidade virtual que se parecesse mais com sua visão. Alguns entre os intelectuais aumentam a níveis insolúveis o problema de escolher entre filtrar e não filtrar, e então descartam os críticos como se esperassem o impossível – ou seja, objetividade perfeita ou imparcialidade completa.

83. Claro que ninguém é objetivo ou imparcial. Os métodos científicos podem ser objetivos, mas os cientistas individuais não são – e não precisam ser.

84. Verdade subjetiva

A aparente sofisticação da noção de que toda realidade é “socialmente construída” tem uma plausibilidade superficial, mas ignora os vários processos de validação que testam essas construções. Muito do que é dito ser socialmente “construído” foi de fato socialmente evoluído ao longo das gerações e socialmente validado pela experiência.

85. O invejoso e o dramático

O invejoso e o dramático desempenham um papel especialmente importante na carreira dos intelectuais – e quase inevitavelmente. Embora pensar seja a atividade central dos intelectuais, pensar é algo que todos fazem.

E quanto ao dramático? A visão dos ungidos se presta a decisões dramáticas e categóricas – uma proliferação de “direitos”, por exemplo – ao invés de compensações incrementais.

86. As instituições por meio das quais as decisões são tomadas podem ser cruciais, quando algumas instituições tendem a ser categóricas e outras incrementais.

87. Não é necessário reivindicar originalidade ou superioridade em relação a outros médicos para receber as recompensas materiais e morais da profissão. No entanto, na maioria dos campos em que a intelectualidade trabalha, essa importância automática não é atribuída. Somente o novo, o excepcional ou o dramático colocam o praticante ou o campo no mapa, no que diz respeito ao reconhecimento público.

88. Muitas questões são mal interpretadas, não porque sejam muito complexas para a maioria das pessoas entender, mas porque uma explicação mundana é muito menos emocionalmente satisfatória do que uma explicação que produz vilões para odiar e heróis para exaltar.

89. Na verdade, a explicação emocionalmente satisfatória pode muitas vezes ser mais complexa do que uma explicação mundana que está mais consoante com os fatos verificáveis. Isso é especialmente verdadeiro para as teorias da conspiração.

90. Os horríveis crimes cometidos no Camboja a partir de abril de 1975, que envolveram a morte de um quinto a um terço da população, foram organizados por um grupo de intelectuais francófonos de classe média conhecido como Angka Leu ('a Organização Superior' ) De seus oito dirigentes, cinco eram professores, um professor universitário, um funcionário público e um economista.

91. Intelectuais e o Direito

Se a lei depende do conhecimento, sabedoria e virtude de tomadores de decisão subordinados, então é fácil imaginar que cabe a esses tomadores de decisão moldar leis que sejam "justas", "compassivas" ou guiadas por um senso de “justiça social”.

92. Não pode haver uma estrutura jurídica confiável em que os juízes sejam livres para impor como lei suas próprias noções individuais do que é justo, compassivo ou de acordo com a justiça social. Quaisquer que sejam os méritos ou deméritos, a Constituição dos Estados Unidos proíbe explicitamente as leis ex post facto, de modo que os cidadãos não podem ser punidos ou responsabilizados por ações que não eram ilegais quando essas ações ocorreram. Mas os juízes que tomam decisões com base em suas próprias concepções de equidade, compaixão ou justiça social estão, com efeito, criando leis após o fato, que aqueles sujeitos a tais leis não poderiam ter conhecido antecipadamente.

93. O fato de juízes federais não eleitos com nomeações vitalícias serem descritos como "o fórum do povo" foi mais um exemplo de virtuosismo verbal na transformação de uma instituição especificamente isolada das opiniões populares em uma suposta expressão dessas opiniões.

94. Assim, em 1907 e 1908, Roscoe Pound estabeleceu princípios de ativismo judicial – indo além da interpretação da lei para fazer políticas sociais - que seriam dominantes cem anos depois.

95. Como Pound, Brandeis argumentou que os tribunais "continuaram a ignorar as necessidades sociais recém-surgidas" e "complacentemente" aplicaram noções antiquadas como "a santidade da propriedade privada". Como muitos outros naquela época e posteriormente, Brandeis tratou os direitos de propriedade como apenas privilégios especiais para uns poucos afortunados, em vez de limitar o poder dos políticos.

96. Mais uma vez, como Pound, Brandeis observou algumas tendências recentes em direção a "uma melhor avaliação pelos tribunais das necessidades sociais existentes." Por que os juízes foram qualificados para serem árbitros do que constituíam "necessidades sociais" não foi explicado – ou seja, a questão mais geral de que as elites vão além dos limites de sua competência profissional não foi abordada.

97. Embora haja muitas controvérsias sobre aspectos específicos da lei, a controvérsia mais fundamental há muito é sobre quem deve controlar a lei e quem deve mudá-la. Os intelectuais americanos, desde pelo menos meados do século XX, têm favorecido esmagadoramente a expansão do papel dos juízes além de aplicar as leis criadas por outros a si mesmos, refazendo a lei para "se adequar aos tempos" – ou seja, fazendo a lei se encaixar na visão predominante da época, a visão dos intelectuais ungidos.

98. Ativismo Judicial

Os juízes, como os intelectuais, geralmente tornam-se famosos entre o público em geral apenas quando ultrapassam os limites de sua competência profissional para se tornarem reis-filósofos que decidem questões sociais, econômicas ou políticas.

99. Com os pronunciamentos que vão além do alcance de sua perícia ou competência sendo virtualmente um pré-requisito para a proeminência popular, não é de surpreender que tantos juízes, como tantos intelectuais, tenham dito tantas coisas que não fazem sentido.

100. Direitos de propriedade

Em nenhum lugar os resultados reais das decisões judiciais orientadas por “resultados” foram mais radicalmente diferentes do que foi contemplado do que no caso dos direitos de propriedade, que há muito têm sido um campo de batalha entre aqueles com visões sociais opostas.

101. Os direitos de propriedade são vistos em termos radicalmente diferentes por aqueles que têm a visão trágica e aqueles que têm a visão dos ungidos. Aqueles com a visão trágica das falhas e carências humanas veem os direitos de propriedade como limitações necessárias ao poder dos funcionários do governo de confiscar os pertences da população, seja para seu próprio uso ou para distribuição como dádiva a vários constituintes cujo apoio político ou financeiro os políticos procuram.

102. Os economistas viram os direitos de propriedade como essenciais para (1) manter a tomada de decisões econômicas nas mãos de indivíduos privados, isto é, fora das mãos de políticos, e (2) manter incentivos para que os indivíduos privados invistam tempo, talentos e recursos, na expectativa de poder colher e reter os frutos de seus esforços.

103. Laurence Tribe da Escola de Direito de Harvard, por exemplo, disse que os direitos de propriedade representam simplesmente um benefício individual para uma "riqueza consolidada". Em outras palavras, os direitos de propriedade são vistos em termos de seus resultados individuais, e não em termos dos processos sociais facilitados por um sistema de direitos de propriedade de tomada de decisão econômica.

104. A suposição implícita de que o enfraquecimento dos direitos de propriedade beneficiaria os menos afortunados às custas dos mais afortunados, revelou-se, em inúmeros casos, o exato oposto do que de fato aconteceu.

105. Crime

Os distúrbios urbanos foram mais numerosos durante a administração do presidente Lyndon Johnson, que foi marcada por uma legislação de direitos civis histórica e uma expansão massiva de programas sociais chamada de "guerra contra a pobreza". Por outro lado, esses distúrbios tornaram-se virtualmente inexistentes durante os oito anos do governo Reagan, o que tirou a ênfase dessas coisas.

[Mas aí tem a guerra do Vietnã durante Johnson como causa maior dos distúrbios, coisa que não havia sob Reagan]

106. Mesmo os fatos mais flagrantes podem ser contornados dizendo que as causas do crime são muito “complexas” para serem cobertas por uma explicação “simplista”. Essa tática verbal simplesmente expande a questão para dimensões irrespondíveis, como um prelúdio para descartar qualquer explicação que não esteja em consonância com a visão predominante como “simplista” porque não pode responder totalmente à questão expandida.

107. Como outro exemplo, exigir um retorno à “lei e ordem” foi por muito tempo estigmatizado como um sinal de racismo encoberto, uma vez que a taxa de criminalidade entre os negros era maior do que entre os brancos.

108. Incentivos e restrições

Não há um papel grande nem proeminente para eles [os intelectuais] desempenharem na sociedade, a menos que criem tal papel para si próprios. Dificilmente poderia haver um conjunto de incentivos e restrições mais conducentes a fazer pessoas de grande intelecto dizerem coisas radicais, imprudentes ou mesmo tolas. Algumas dessas coisas tolas e perigosas já foram notadas aqui, mas, mesmo assim, essas amostras apenas arranham a superfície de uma vasta veia de pronunciamentos imprudentes da intelectualidade, que remonta ao longo das gerações e, sem dúvida, estendendo-se até o futuro.

109. Ao contrário dos engenheiros, médicos ou cientistas, a intelectualidade não enfrenta nenhuma restrição ou sanção séria com base na verificação empírica. Ninguém poderia ser processado por negligência, por exemplo, por ter contribuído para a histeria em relação ao inseticida DDT, que levou ao seu banimento em muitos países ao redor do mundo, custando a vida de literalmente milhões de pessoas com o ressurgimento da malária.

109. Em contraste, os médicos cujas ações tiveram uma conexão muito mais tênue com as complicações médicas sofridas por seus pacientes tiveram que pagar milhões de dólares em danos – ilustrando mais uma vez uma diferença fundamental entre as circunstâncias da intelectualidade e as circunstâncias das pessoas em outras profissões mentalmente exigentes.

110. Vastas somas de dinheiro distribuídas pelas burocracias também lhes dão grande vantagem junto aos especialistas em suas áreas específicas de operação. As escolhas arbitrárias pelas burocracias de quais acadêmicos ou outros pesquisadores financiar não apenas lhes permitem influenciar a opinião pública na direção das políticas favorecidas pelos burocratas, mas podem ter um efeito assustador sobre os especialistas que sabem que expressam pontos de vista opostos aos dos financiadores do dinheiro, seja sobre autismo, aquecimento global ou vários outros problemas, que colocam em risco seu próprio acesso às grandes somas de dinheiro necessárias para financiar pesquisas importantes.

111. A localização do mal

Muitos entre os intelectuais se veem como agentes de “mudança”, um termo frequentemente usado de maneira vaga, quase genérica, como se as coisas estivessem tão ruins que “mudança” pudesse ser pressuposta como uma mudança para melhor.

112. A história de mudanças que acabaram sendo para pior, mesmo em países que eram muito ruins para começar – a Rússia czarista ou Cuba de Batista, por exemplo – recebe notavelmente pouca atenção. Mas para uma agenda de mudança social abrangente e benéfica até mesmo parecer plausível, ela deve implicitamente assumir uma localização do mal em alguma classe, instituição ou funcionários, uma vez que pecados e deficiências universalmente presentes nos seres humanos deixariam poucos motivos para esperar algo dramaticamente melhor em uma sociedade reorganizada, de modo que mesmo uma revolução poderia ser muito parecida com a reorganização das espreguiçadeiras do Titanic.

113. Reformas incrementais, evoluindo a partir da experiência de tentativa e erro, podem ao longo do tempo representar uma mudança profunda na sociedade, mas isso é totalmente diferente do tipo de mudanças pré-embaladas amplamente impostas para golpear os ímpios e exaltar os ungidos, ao manter a visão odiosa e dramática dos intelectuais.

114. Essa visão requer vilões, sejam indivíduos ou grupos ou toda uma sociedade permeada por ideias erradas que podem ser corrigidas por quem tem ideias certas.

115. Assim, a escravidão foi retratada como se fosse uma peculiaridade dos brancos contra os negros nos Estados Unidos ou nas sociedades ocidentais. Ninguém sonha em exigir reparações dos norte-africanos por todos os europeus trazidos para lá como escravos pelos piratas da costa da Bárbara, embora esses escravos europeus superassem em muito os escravos africanos trazidos para os Estados Unidos e para as treze colônias das quais foram formados.

116. No caso da escravidão, o que havia de peculiar no Ocidente é que foi a primeira civilização a se voltar contra a escravidão, a partir do século XVIII, e que destruiu a escravidão em todo o mundo, a partir do século XIX, não apenas dentro suas próprias sociedades, mas também em sociedades não ocidentais que controlava, influenciava ou ameaçava.

117. No entanto, não há praticamente nenhum interesse entre a intelectualidade de hoje em como um fenômeno mundial como a escravidão foi encerrado depois de milhares de anos, pois não simplesmente morreu por conta própria, mas foi reprimido à força pelo Ocidente em campanhas ao redor do mundo que durou mais de um século, muitas vezes sobre a amarga oposição de africanos, asiáticos e outros que queriam a preservação da escravidão. Mas essa história raramente passa pelos filtros.

118. O que também é destacado é que os negros foram escravizados pelos brancos no Ocidente. Mas, mesmo no Ocidente, os brancos foram escravizados por outros brancos durante séculos antes que o primeiro africano fosse trazido para o hemisfério ocidental acorrentado.

119. O próprio fato de esses africanos serem chamados de “escravos” refletia o fato de que um grupo branco que havia sido escravizado por séculos antes eram eslavos – uma vez que a palavra para escravo derivava do nome para eslavos, não apenas em inglês, mas em outros Línguas europeias e em árabe.

120. Resumo e implicações

Nenhuma dessas restrições inevitáveis confronta as pessoas cujos produtos finais são ideias e cujas ideias enfrentam apenas a validação de colegas com ideias semelhantes. Esse é especialmente o caso de intelectuais acadêmicos, que controlam suas próprias instituições e selecionam seus próprios colegas e sucessores.

121. Nenhum professor titular pode ser demitido porque votou nas políticas do campus que se revelaram econômica ou educacionalmente desastrosas para sua faculdade ou universidade, ou defendeu políticas que se revelaram catastróficas para a sociedade como um todo.

123. Essa irresponsabilidade para com o mundo externo não é uma casualidade, mas um princípio profundamente enraizado, consagrado sob o título de "liberdade acadêmica". Do inescrutável à irresponsabilidade pode ser um passo muito curto.

124. O dinheiro necessário para sustentar as fundações depende principalmente de palavras persuasivas – um dos talentos fundamentais da intelectualidade – que manterá as doações entrando, seja por alarmes de desastres iminentes ou por promessas de "soluções" sociais.


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