terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Fragmentos 11

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Antonio Paim — Marxismo e Descendência

No índice Paim não colocou nenhum item sore a questão da religião no marxismo, tal como nos legou a análise de Raymond Aron. Será que sobrevive a este lapso? Porque ele precisa perceber que o cientificismo foi a forma ateísta de colocar a falsificação do cristianismo na frente das proposições messiânicas.

Paim afirma logo no início que o patrimonialismo provém do Oriente. Falso. Ele provém do feudalismo, ou melhor das monarquias e do absolutismo. Foi Max Weber quem colocou a questão do orientalismo no patrimonialismo.

Porém, reconhece que o socialismo é filho do cristianismo, e que evoluiu deste como “fermento moral”.

O leninismo introduziu na prática marxista a chamada "teoria do golpe principal". Segundo esta, o golpe principal é desfechado não contra o inimigo principal mas contra aquelas forças que disputam a liderança no mesmo campo em que se encontram os comunistas. Assim, na Alemanha hitlerista, os comunistas combateram preferencialmente os sociais-democratas, com o que contribuíram para a ascensão de Hitler.

Os comunistas tiveram inegável sucesso em transformar o fascismo, e não o nazismo, em sua antípoda. Ainda que Benito Mussolini (1883/1945) fosse originário das hostes socialistas italianas, onde alcançara grande proeminência — chegou a editor do Avanti, influente jornal dessa corrente — deu ao movimento que o levaria ao poder um nome (Fasci di Combattimento, isto é, movimento fascista) que não lembrava as origens. Ao invés disto, Adolf Hitler (1889/1945) buscou aproveitar a popularidade alcançada pelo socialismo e preservou a denominação (nacional socialismo), para contrastar com o socialismo internacionalista. Deste modo, o mais lógico teria sido ao comunismo se contrapor ao nazismo.

Mas a Internacional Comunista não queria lembrar o fato de que o socialismo, desde o nascedouro, alimentou as mais diversas vertentes. Sucesso idêntico iria alcançar no que se refere à praxe de preservação da dicotomia direita/esquerda, destinada exclusivamente a facilitar a colocação do comunismo e do nazismo em lados opostos, em que pese o comum substrato totalitário. Na verdade, a dicotomia em nada contribui para a mais precisa identificação da matização política nas condições do governo democrático representativo.

As considerações precedentes destinam-se a lembrar que, desde meados da década de vinte, quando Mussolini consolidou a ditadura fascista na Itália, quem quer que criticasse a União Soviética era rotulado de fascista. Com a crise de 29, que foi entendida como confirmação das previsões de Marx, a IC passou a bater na tecla de que os regimes capitalistas iriam tirar a máscara democrática e preferir formas repressivas de exercício do poder. Embora os leninistas nunca tivessem feito qualquer concessão quanto ao reconhecimento dos méritos da democracia, a ascensão de Mussolini e depois de Hitler lhes permitia deslocar o foco para as vítimas da repressão, se se tratava dos explorados (nazi-fascismo, apresentado como a mais recente forma de exercício do poder na última fase do imperialismo, quando ter-se-ia consumado o domínio do capital financeiro) ou dos exploradores (União Soviética).

O VII Congresso da Internacional Comunista (julho, 1934) marca mudança radical no posicionamento dos comunistas em face das questões antes aventadas. De tal mudança de orientação, François Furet (1927/1999) produziu esta magistral caracterização: “A novidade, a partir de 1934, é que os comunistas desistem de estender a inculpação de fascismo a todas as outras correntes – aos socialistas, por exemplo ou aos liberais – com a condição de que esses socialistas e esses liberais se aliem a eles para combater a sua ameaça. Aceitam ceder parte do monopólio do antifascismo em troca do abandono, pelos novos aliados, de qualquer anticomunismo. Negócio vantajoso, pois eles se separam de uma pretensão sem substância para adquirir um privilégio que não tem preço. Doravante, o antifascismo é incompatível com o anticomunismo, e o ódio a Hitler é um disfarce se for acompanhado de uma hostilidade a Stalin”.

Recentemente a revista Commentaire promoveu amplo debate dedicado ao tema em apreço, a partir de texto de Alain Besançon intitulado “Memoire et oubli du communisme” (número 80, Hiver 1997-98).

Pg 294: Na Alemanha do pós-primeira guerra, os comunistas tudo fizeram para inviabilizar a República de Weimar, posto que era dirigida pelos sociais democratas, incompatibilizados com os rumos seguidos pelo bolchevismo. Em 1932, quando a ascensão do nazismo tornara-se patente e formou-se uma grande coalizão para enfrentá-lo, em torno do velho Marechal Hindenburg, os comunistas dividiram essa frente com candidatura própria, carreando dez por cento dos votos, o que impôs a realização de novo escrutínio, já que se exigia maioria absoluta, não alcançada pela coalizão embora tivesse sido vitoriosa. No segundo escrutínio, segundo estudos efetivados na época, eleitores comunistas, já que não haviam conseguido eleger seu candidato na votação anterior, proporcionaram a Hitler setecentos mil votos, contribuindo assim para que chegasse ao poder de forma legal. Em face dessa atuação, na Alemanha Ocidental do pós-guerra, proibiu-se o funcionamento do Partido Comunista.

Nacos:
População russa na 1a guerra mundial: 140 milhões de habitantes.
Ciência e hipótese - Henri Poincaré.
Charles Dickens - Bleak House
[Procurar: O passado de uma ilusão. Ensaios sobre a ideia comunista no século XX (1995). Tradução brasileira, São Paulo, Siciliano, 1995, p. 329]

A seguir Antonio Paim descreve as origens do marxismo contemporâneo:
A melhor caracterização de que se dispõe, desse aspecto da organização social medieval, é devida a Gaetano Mosca (1858/1941), na obra História das Doutrinas Políticas (1898).

...comenta as palavras de Mirabeau, destacando o caráter cosmético da Revolução de 1789, no que tange ao despotismo centralizador. O processo revolucionário fez ruir um governo e um reino, mas sobre as suas cinzas ergueu um Estado muito mais poderoso que o anterior. "Como o objetivo da Revolução Francesa – escreve o nosso autor – não era tão-somente mudar o governo mas também abolir a antiga forma de sociedade, teve de atacar-se, ao mesmo tempo, a todos os poderes estabelecidos, arruinar todas as influências reconhecidas, apagar as tradições, renovar os costumes e os hábitos e esvaziar, de certa maneira, o espírito humano de todas as ideias sobre as quais se assentavam até então o respeito e a obediência. De lá, seu caráter tão singularmente anárquico.

Entre os documentos que costumam ser arrolados como parte integrante dos textos básicos que instruem o processo de consolidação do governo representativo, na Inglaterra, costuma-se incluir a denominada Petition of Right , de 1628. Esta Petição destinou-se a obter de Carlos I a não imposição de tributos à população sem a audiência do Parlamento e a por cobro ao clima de violência instaurado no país, quando os desafetos do monarca eram presos e até executados sem o devido respeito às práxis legais. O Parlamento enfatiza que não aspira a quaisquer privilégios mas apenas o respeito àqueles direitos consagrados pelos ancestrais, o que de fato correspondia à verdade, levando em conta que a observância das prerrogativas fixadas pela Magna Carta transformou-se em rotina.

Finalmente, Carlos I aquiesceu em firmar a Petição de Direito. A esse propósito, Hume escreve o seguinte: "Pode-se afirmar, sem exagero, que a concordância do rei com a Petição de Direito representa mudança de governo de tal ordem que equivale a uma Revolução".

Com maior ou menor intensidade, a guerra civil prossegue. No início de 1646 Carlos I considera-se derrotado, rende-se e é encarcerado. Ainda assim, suas tropas oferecem resistência para serem finalmente derrotadas em fins de 1648. Carlos I é decapitado a 30 de janeiro de 1649. A monarquia é abolida na Inglaterra

Fato histórico que não é citado com ênfase quando comparado com a revolução francesa.

A 19 de maio o Parlamento aprova a seguinte disposição: "é declarado e estabelecido pelo presente Parlamento, em decorrência de sua própria autoridade, que o povo da Inglaterra, para todos os domínios e territórios onde quer que se encontre, são e serão com isto constituído, estabelecido e confirmado tornar-se uma Comunidade e Estado Livre e doravante será governado como Comunidade e Estado Livre pela suprema autoridade da nação, os representantes do povo no Parlamento ... sem qualquer Rei ou casa dos Lordes".

Essa decisão de destruir a mais notória experiência dissonante do processo constitutivo do Estado Moderno na Europa – proveniente do contrato de vassalagem o que o impediu de tornar-se forte o bastante para subjugar a sociedade –, como não poderia deixar de ser, trouxe a debate a tese de que o Estado Patrimonial não se desfaria por si mesmo. Tal desfecho requereria o concurso de uma força externa [O que nunca aconteceu no Brasil].

1. Essa não é uma questão meramente teórica, em países onde o Estado assumiu tal característica. Os opositores à tese recorrem ao exemplo da Espanha, que sendo inquestionavelmente dotada de Estado Patrimonial, conseguiu modernizar-se pelo concurso das próprias forças políticas internas. [Mas até onde?]

O patrimonialismo, em contrapartida, persegue a apropriação sucessiva de novas funções, desde que equivale à elevação de seu próprio poderio e de sua importância ideal, criando ao mesmo tempo a possibilidade de benefícios adicionais para seus funcionários. Por isto mesmo, assinala, o ideal dos Estados patrimoniais é o título de “pai do povo”, o que leva ao exercício do que se poderia denominar de “política social”, voltada para o bem-estar das massas.

Considera-se que seu livro mais importante seja O Despotismo oriental, Estudo comparativo do poder total , cuja primeira versão apareceu em 1957.

Formulou com precisão o sentido de sua pesquisa através da seguinte pergunta: como se formaram Estados mais fortes que a sociedade?

A pergunta é de todo pertinente porquanto fora da tradição constitucionalista do Ocidente, o que se vê na imensa maioria dos países são organismos estatais que, ao invés de se colocarem a serviço da sociedade, a submetem e dominam .

"Contra as aspirações dos estamentos privilegiados, eventualmente perigosos para ele – prossegue –, o patrimonialismo serve-se das massas... Não o herói mas o príncipe "bondoso" é por toda parte o ideal glorificado na lenda das massas ... tem que se legitimar diante de si mesmo e dos súditos como protetor do "bem estar" destes últimos. O Estado providente é a lenda do patrimonialismo que não brota da livre camaradagem, mas sim de uma relação autoritária entre pai e filho: o "pai do povo" é o ideal dos Estados Patrimoniais".

Visto de fora, sobretudo da ótica ocidental, o czarismo era uma instituição odiosa e opressora. Na Rússia, entretanto, a massa do povo, os camponeses sobretudo, chamavam o Czar de "Paizinho".

O marxismo consiste precisamente na exacerbação da tese de que a posse do poder pelos comunistas não tem em vista a constituição de uma nova nomenklatura que lhe seja subserviente, destinada a tornar-se a principal beneficiária, como de fato se deu, mas a integral colocação do poder ao serviço (exclusivo) da classe despossuída. Tornou-se um verdadeiro achado para Lenine a derrubada do czarismo e a formação do que poderia denominar de "Estado burguês", livrando-se da necessidade da dialética marxista contorcer-se e "saltar como cabrito montanhês", para explicar que uma revolução burguesa, desde que dirigida pelo P.C. Bolchevista podia queimar etapas e constituir-se logo em "ditadura do proletariado". Investindo contra Kerenski, derrubando-o, automaticamente estava implantando a transição para o comunismo.

O que distingue a burocracia patrimonial é o seu desinteresse pela legitimação através da eficiência, optando pela retórica de encontrar-se ao serviço do povo, das massas, dos pobres. A característica distintiva do marxismo reside precisamente em facultar a extrema sofisticação dessa retórica.

2. Como no patrimonialismo, o marxismo preconiza Estado mais forte que a sociedade.

É da natureza do Estado Patrimonial não tolerar nenhuma força social capaz de enfrentar a burocracia estatal.

“O Manifesto Comunista passou desapercebido e O Capital somente fora registrado por revistas especializadas. A primeira edição (1872-75) redundaria num fracasso e somente se esgota em 1900.”

No decênio anterior, o golpe principal – princípio fixado por Stalin – voltava-se contra os sociais democratas. No afã de combatê-los, os comunistas alemães chegaram a votar em Hitler, no segundo turno das eleições de 1933.

A melhor definição de niilismo seria proveniente de um dos seus arautos: Freidrich Nietzsche (1844/1900). Encontra-se nos fragmentos reunidos sob a denominação de Der Wille zur Macht (“Vontade de potência”, na tradução entre nós adotada) e consiste no seguinte: “O niilismo não é somente um conjunto de considerações sobre o tema Tudo é vão ; não é somente a crença de que tudo merece morrer, mas consiste em colocar a mão na massa, em destruir. ....É a atitude dos espíritos fortes e das vontades fortes, que não podem satisfazer- se apenas com o juízo negativo: a negação ativa corresponde melhor à sua natureza profunda.” A crença em que tudo é vão foi persistentemente inculcada na juventude francesa no imediato pós-guerra e nas décadas seguintes pelos existencialistas e simpatizantes do Niilismo.

O culto da violência presente ao marxismo. Antes de falecer, Albert Camus (1913/1960), ativo participante dessa cruzada, instou a Sartre e Malraux a reconhecer o equívoco em que incidiam – sem encontrar eco, diga-se de passagem —, nestes precisos termos: “E que tal se nós, que vimos todos do nietzcheanismo, do niilismo e do realismo histórico, que tal se anunciássemos publicamente que estávamos enganados; que existem valores morais e que daqui para a frente faremos o que for necessário para os estabelecer e ilustrar?” O niilismo conduziu a juventude francesa à aventura de maio de 1968. A revolta assumiu nitidamente caráter estudantil. Num primeiro momento parecia manifestação sincronizada que começa na Universidade de Nanterre, a 2 de maio e chega à Sorbonne no dia seguinte, estendendo-se a outros centros do país. Achar-se-ia destinada a impor a mudança no sistema de ensino superior. A 13 de maio as organizações sindicais organizam manifestações de apoio aos estudantes e têm início greves reclamando redução da jornada e outros benefícios sociais.

Mas logo a liderança dos estudantes é assumida por elementos radicais que se propõem destruir as estruturas carcomidas e a tudo renovar. Generalizam-se manifestações gratuitas de violência. Paralelamente, verifica-se a inexistência de qualquer proposta consistente de reforma educacional.

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Ao mesmo tempo, deve-se ainda a Galileu o encaminhamento básico da teoria da gravitação universal, cujo acabamento final seria da lavra de Isaac Newton (1632/1727), conforme L.W Hull: “A lei da inércia, base da nova física, foi parcialmente estabelecida por Galileu, mas é justo continuar chamando-a primeira lei newtoniana do movimento.” Como se sabe, a Igreja Católica promoveu a condenação de Galileu. A ciência moderna esteve, portanto, ameaçada de desaparecimento. Salvou-a uma circunstância deveras fortuita: os protestantes já dispunham de suficiente base de apoio para aproveitar o fato a fim de prosseguir em seu empenho de denegrir a Roma. A fina flor do professorado das Universidades daqueles países, onde já dominava o protestantismo – notadamente Holanda e principados alemães –, ou onde haviam conquistado espaço para sobreviver, como era o caso da França, mobilizaram-se em defesa de Galileu. O governo holandês tornou-o seu Conselheiro, cumulando-o de honrarias. Eruditos protestantes em Paris, Estrasburgo, Heidelberg e Tubing decidiram traduzir sua obra ao latim Essa campanha criaria clima favorável a que a ciência se radicasse na Inglaterra, onde, a exemplo da Holanda, havia liberdade para a livre manifestação de opiniões científicas. Como assinala Hull, durante a época isabelina e no século XVII não houve na Inglaterra perseguição aos cientistas. O sistema coperniciano era professado por várias figuras célebres da época. As ideias de Copérnico, Kepler e Galileu ganhavam adeptos sem cessar. Na última metade do século XVII acabaram por achar-se solidamente estabelecidas o que permitiu a organização da Royal Society, onde a teoria da gravitação universal iria adquirir feição definitiva e, a partir dali, difundir-se para o resto da Europa.

Contudo, o movimento que contribuiu para a institucionalização da ciência floresceu na base da suposição de que a ciência tinha amplas consequências sociais e tecnológicas, como de fato viria a suceder. Entretanto, na medida em que a ciência organiza-se em instituições, formaliza-se, os méritos dessa ou daquela proposição independiam de seus supostos efeitos sociais. Tornam-se autônomos e dissociam-se os dois movimentos: a propaganda da ciência e a prática científica.

O modelo da época ou sociedade orgânica que Saint Simon iria estudar corresponde àquela inaugurada pelo que posteriormente se denominou de Revolução Industrial. Segundo o seu entendimento, aqui as classes sociais adquirem uma feição nítida tornando possível a sua hierarquização, base da pretendida reforma. O critério de hierarquização da sociedade de que se trata, com vistas à reforma, que é o objetivo colimado, deve apoiar-se em dois princípios: 1º) valorização do trabalho; e, 2º) eliminação do direito de propriedade. Finalmente, o elemento desencadeador do processo reformador corresponderá a uma nova estrutura espiritual, concebida a partir da ciência. Este seria o ponto essencial: como lidar com a religião.

No século XVIII, a busca direcionou-se no sentido do que foi denominado de religião natural, isto é, uma elaboração racional que se encontraria subjacente às religiões que se institucionalizaram. Para Saint Simon, examinando as crenças e opiniões das classes, segundo sua posição hierárquica, seria possível entender que a ideia de Deus, aventada pela elite intelectual, poderia corresponder a uma tradução popular da gravitação universal, destinada ao consumo das classes baixas. Restaurar a unidade perdida entre aquelas classes poderia ser proporcionada pelo que se denominou de “novo cristianismo”. Resta indicar como se deu a sua preservação e desenvolvimento, graças sobretudo a Augusto Comte que, entre outras coisas, encontrou-lhe um nome de grande fortuna: positivismo. E, ainda, como se dá a colocação desse legado a serviço do socialismo, na obra de Proudhon. Seria nesta última forma que o cientificismo francês exerceria impacto sobre Carlos Marx e, por essa via, influindo no destino do marxismo.

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3. O positivismo de Comte

[Capítulo importante]

Condenava o capitalismo por entender que a concorrência trazia grandes malefícios para a sociedade.

A miséria da filosofia. Contudo, no ano anterior tornaram-se claras as divergências entre as duas personalidades num aspecto que iria distinguir o marxismo: o seu caráter messiânico e dogmático.

Recusa prontamente que a liderança em formação do movimento operário, siga caminho que os façam “chefes de uma nova intolerância; não nos ponhamos como apóstolos de uma nova religião, mesmo que esta seja a religião da razão.”

Entreviu claramente o cerne da proposta de Marx e exclama: “Depois de termos demolido todos os dogmatismos a priori , não aspiremos de modo algum, por nossa parte, a doutrinar novamente o povo; não recaiamos na contradição de vosso compatriota Martinho Lutero que, depois de ter derrubado a teologia católica, pôs-se logo a fundamentar, com o grande reforço das excomunhões e dos anátemas, uma teologia protestante”.

As preocupações de Adam Smith diziam respeito à moral. Participou ativamente do movimento intelectual ocorrido na Inglaterra para esclarecer o sentido e as condições do estabelecimento da moral social.

Expressa tais preocupações o livro clássico, de sua autoria, Theory of Moral Sentiments (1759), na qual desenvolve, na matéria, ideias de David Hume (1711/1776).

Pg 86: O problema tornou-se agudo naquele país devido à multiplicidade de confissões religiosas. Ao assegurar a tranquila implantação do governo representativo, a Revolução Gloriosa (1688) facilitou a explicitação da esfera própria da problemática moral. No ambiente cultural vigente, os indivíduos pautavam seu comportamento em sociedade na confissão religiosa a que se achassem vinculados. Considerando que nenhuma das novas Igrejas tinha autoridade para fixar as regras do comportamento social a serem seguidas — a exemplo do que ocorria na Idade Média, quando Roma tinha essa atribuição —, como enfrentar o problema? Tal era a questão que envolveu mais de uma geração...

...que Durkheim, considerado o verdadeiro fundador da sociologia, haja seguido à risca as diretrizes de Littré, o positivismo passou a constituir-se num dos traços marcantes da cultura francesa, impregnando em definitivo não só o estudo da sociedade como as diversas outras esferas das ciências humanas...

Ao conceber o procedimento descrito, Durkheim pretende dar o que seria, a seu ver, consistência científica à hipótese de que o curso social obedeceria à lei do progresso, hipótese sustentada tanto por Comte como por Marx. A mudança social assim entendida tangencia a evidência de que se sustenta em parâmetros valorativos, exigentes de abordagem filosófica.

A primeira delas seria o denominado animismo , que encara o fenômeno do ângulo da concepção de entidades espirituais, dando origem ao culto da natureza. Detendo-se na análise dos seus principais autores, conclui que, na verdade, o animismo reduz a religião a um sistema de alucinações.

“Em definitivo, o comunismo não é outra coisa que a caridade erigida em princípio fundamental de toda legislação social: é a fraternidade obrigatória, pois implica que cada um tem que dividir com todos. Ora, sabemos já que multiplicar as obras de assistência e previdência não faz parte do socialismo.”

Afirma taxativamente que “a corrente de piedade e simpatia”, encontrada no socialismo de seu tempo, corresponde “a elemento secundário; completa-o mas não o constitui.”

Em síntese, pode-se afirmar que a antropologia social norte-americana interessa-se vivamente pela identificação dos valores sociais e do sistema de preferências que governam a ação em qualquer sociedade

“O conjunto de costumes de um povo é sempre marcado por um estilo; eles formam sistemas. Estou convencido de que esses sistemas não existem em número ilimitado, e que as sociedades humanas, assim como os indivíduos – em seus jogos, seus sonhos e seus delírios - não existem em número ilimitado. Este retoricismo calcado em obviedade é típico do pensamento francês.

Considerados do ângulo biológico, homens oriundos de uma mesma raça (supondo-se que esse termo tenha um sentido exato) são comparáveis às flores individuais que brotam, desenvolvem-se e fenecem na mesma árvore: são outros tantos espécimes de uma variedade ou de uma subvariedade; da mesma forma...

Importante. Paim acerta as contas com as bobagens de Levi Strauss.

Levando em conta a nova circunstância, Levi-Strauss trata de contestar a pertinência da tese de Dilthey segundo a qual as ciências naturais estabelecem explicação causal, enquanto as sociais buscam compreender os fenômenos. Essa diferenciação entre explicação e compreensão teve um grande fortuna, ao indicar que repousa na presença dos valores, justamente o que iria distinguir a sociologia alemã da francesa, a partir mesmo da época em que Durkheim lança as bases desta última.

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4. O estruturalismo

A adequada conceituação de idealismo, seguindo a Kant, consiste em tomá-lo como o tipo de epistemologia que distingue o processo de constituição da objetividade daquilo que seria a realidade tomada em si mesmo.

Como indicamos, a terceira tradição a ser arquivada reside no humanismo. O estruturalismo postula a prioridade do sistema em relação ao homem. A pessoa, a individualidade, não conta. As estruturas sociais é que definem as escolhas individuais. Não se chega a declarar que “o homem é determinado e determinável”, como se dá no comtismo.

Em que pese a inconsistência das teses de Levi-Strauss, precedentemente caracterizadas, o estruturalismo tornou-se expressão dominante da sociologia francesa. Domínio esse que se alastrou a outras áreas, adiante apontadas. Resumidamente, Roland Barthes representa o estruturalismo literário. Sua obra influiu decisivamente na crítica literária, não só na França como em outros países. Surgiu a psicanálise estruturalista (Jacques Lacan). O filósofo do estruturalismo seria Michel Foucault, havendo também marxismo estruturalista. O movimento tornou-se o ponto de referência fundamental da cultura francesa. Assim, mesmo os que supostamente estariam cuidando de superá-lo, a exemplo de Jacques Derrida, não chegam a negar os seus objetivos, que seriam fazer das ciências sociais um tipo de saber exato, como a física ou as outras ciências naturais. É possível apreender o seu sentido mais geral caracterizando a proposta dos autores considerados mais importantes.

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5. A desorientação nas hostes marxistas e o papel de Louis Althusser

...comuns do marxismo (crise geral do capitalismo e fantasias desse tipo) ao que, se não chegou a ser assim denominado, de fato se constituíra como tal: a religião de Estado incumbe pois a uma disciplina filosófica denominada filosofia da ciência e, mais restritamente, gnoseologia (teoria do conhecimento) ou epistemologia (teoria do conhecimento científico)

Assim, a esfera dos valores constitui um segmento importante da filosofia. Seu estudo deu origem a uma disciplina denominada axiologia (do grego axiologos , digno de ser dito), que discute a sua objetividade (validade para todos), graus de autonomia, as possibilidades de hierarquizá-los, etc.

Nesse preciso momento – isto é, nas últimas décadas do século —, não sendo mais possível identificar a ciência com a filosofia, achavam-se em choque duas postulações. A primeira formulada pelos positivistas: a filosofia corresponde apenas a uma síntese da ciência, síntese essa que, como queria Comte, deveria ser aplicada ao desenvolvimento da sociedade. A segunda, de origem neokantiana, definindo a filosofia como um tipo de saber que não aumenta o conhecimento científico. Vale dizer: admite-se que a ciência possa ser objeto de inquirição filosófica, limitando-se porem à elaboração conceitual No primeiro caso, elimina-se a distinção entre filosofia e ciência – porém em termos completamente diversos daqueles afirmados pelo idealismo alemão – justamente o que deu lugar ao cientificismo do século XX, isto é, a admissão de que poderia ser colocada ao serviço da transformação da sociedade, mais precisamente, com vistas à eliminação do capitalismo, hipótese que prosperou abundantemente no século passado e continua presente.

Assim, embora Engels não se haja proposto transformar o marxismo num sistema, legou aos soviéticos os pilares básicos que permitiriam constituí-lo. O primeiro reside justamente na dialética materialista, à qual incumbe esta enormidade: fornecer o fio condutor para a fixação das leis gerais do desenvolvimento da natureza, da história e do pensamento. A ciência passa a ser entendida da forma como a definiram os idealistas alemães: um sistema estribado num princípio único.

[Sobre a Escola de Frankfurt]. Firmou-se uma ideologia pragmática e utilitária que tudo reduziu à quantidade, terminando por transformar os indivíduos em simples abstrações, dando assim surgimento ao solo em que iria florescer o totalitarismo. Nessa convicção dispõe-se a submeter o Iluminismo ao que denomina de “autodestruição”. Tal é o propósito do livro de 1947, a que intitulou de Dialética do Iluminismo, cuja autoria dividiu com Theodor Adorno. Nessa crítica, Horkheimer avança um conceito que teve grande fortuna, o de razão instrumental. Sua função consistiria em exercer o controle técnico sobre a natureza e que teve um grande impulso a partir do Iluminismo do século XVIII. Suas manifestações ulteriores levaram-na a exigir, crescentemente, que aquele controle se estendesse à sociedade, terminando por degenerar no totalitarismo. A caracterização da razão instrumental é um tanto caricatural, exagerada, mas serviu para satanizar de vez o capitalismo. Na superação dessa “anomalia”, a luta de classes seria substituída por uma ação mais ampla, exercitada por um outro tipo de razão. Portanto, não se tratava de obstar a militância anti-capitalista, mas de proporcionar-lhe novo alento. Diante da crise provocada pela denúncia do stalinismo, o esquema “frankfurtiano” funcionou às mil maravilhas.

A degenerescência do Iluminismo acha-se apontada logo no início do livro em que a apresenta: “Para o iluminismo, aquilo que não se adapta à medida e à utilidade torna-se suspeito. Desde que seu desenvolvimento não seja perturbado por nenhuma resistência, nada o deterá. Neste processo, gera suas próprias ideias dos direitos humanos, exatamente como procedeu em relação às outras esferas. Qualquer resistência espiritual com que se depare, serve apenas para incrementar o seu vigor. O que significa que o Iluminismo pode ser reconhecido mesmo nos mitos. Qualquer mito a que a resistência possa recorrer, pelo fato de que se tenha tornado argumento no processo de oposição, acabará por enfrentar a racionalidade dissolvente que reprova no Iluminismo. O Iluminismo é totalitário.” [estranha conclusão, pois estou convencido que o foco do iluminismo era a luta contra o totalitarismo.]

O marxismo agora denomina-se teoria crítica. Para justificar o novo conceito de “teoria crítica”, Horkheimer cuidará de demonstrar que seriam equivalentes os modelos tradicionais de construção teórica, quer se apoiem em axiomas matemáticos ou postulados considerados evidentes, quer as proposições básicas sejam admitidas como provindo da experiência. De uma penada, racionalismo e empirismo são equiparados no que se refere à elaboração teórica.

Em que consiste precisamente o niilismo? Raymond Aron entende que a aproximação entre o marxismo e o niilismo dar-se-ia apenas no que respeita ao diagnóstico da sociedade. É certo que Marx limitava a componente destrutiva, inerente à sua doutrina, ao Estado. Contudo, Lenine estendeu-a à sociedade. E, neste afã destruidor, reside o âmago do niilismo, questão para a qual nem sempre se atenta quando é referido. Para caracterizá-lo vou valer-me das indicações de Leonardo Prota.

O niilismo não é somente um conjunto de considerações sobre o tema tudo é vão; não é somente a crença de que tudo merece morrer, mas consiste em colocar a mão na massa, em destruir … É a atitude dos espíritos fortes e das vontades fortes, que não podem satisfazer-se apenas com o juízo negativo: a negação ativa corresponde à sua natureza profunda”. [Antonio Paim está repetindo o argumento já esboçado nesta crítica, mas o leitor deve atentar que ele está retomando o argumento para adicionar novas matizes.]

Prota sugere que, ao esmagamento de Hitler, na Segunda Guerra, deveria ter correspondido o abandono do niilismo no plano cultural. Pergunta: “Como se explica que tal não se desse e começasse a renascer na França no próprio ano da vitória aliada, ainda em 1945?” Enumera os elementos que teriam proporcionado esse desenlace: o país estava intoxicado pela difusão do marxismo, desde os tempos da Frente Popular. Seguiu-se a circunstância da vitória da União Soviética na guerra e da transformação do PCF na principal agremiação política do país. Acresce o empenho na difusão de uma atitude de desapreço em face da religião, fazendo pouco caso de que se constitui numa dimensão insubstituível da pessoa humana. Tudo isto teria favorecido a pregação de Sartre e seus seguidores, cujo feito principal terá consistido na reabilitação do niilismo, fazendo esquecer o desastre a que conduziu a Alemanha.

Basicamente, Marcuse é o autor do que se poderia denominar de Credo, destinado a aglutinar, sobretudo integrantes da juventude estudantil, que, desejosos de mudar o mundo, não sabiam direito onde ancorar, devido à dispersão verificada nas hostes comunistas em seguida à denúncia do stalinismo. Filiou esse Credo diretamente ao marxismo, numa interpretação especial que renega a experiência soviética e a vulgata marxista a que deu origem. Como Marcuse pretendeu apoiar-se simultaneamente em Freud, Erich Fromm (1900/1980) – integrante da Escola de Frankfurt, que se tornou psicanalista e elaborou obra de grande repercussão, dedicada a reunir Marx e Freud em prol da compreensão do homem contemporâneo – indicou de modo expresso que sua pregação consistia numa nova versão do niilismo, recorrente na Europa do pós-guerra como referimos.

QUESTÕES CONCLUSIVAS PENDENTES 1ª) Reduz-se o marxismo a mais uma variante do messianismo?

Na Rússia Soviética, o marxismo acabou por se transformar numa religião de Estado. Numa palavra, Marx e o marxismo tornaram-se objeto de culto. A meu ver, a hipótese subsiste devido ao fenômeno da Teologia da Libertação. Isto é, a transformação do marxismo em objeto de culto não proveio apenas de exigências políticas.

Assim, a hipótese de que uma parte do sucesso do marxismo adviria de suas componentes messiânicas, na medida em que o comunismo pode facilmente ser assimilado ao paraíso na Terra, não me parece desprovida de sentido.

Pode o marxismo coexistir com outras correntes? Respondo negativamente porquanto teria que abdicar de uma de suas componentes essenciais: orientar-se basicamente na direção da transformação política da sociedade.


Alan Sokal, Jean Bricmont — Imposturas Intelectuais

Analisando os abusos e as confusões científicas dos autores ditos “pós-modernos”, nos perguntamos sobre as origens históricas desta maneira leviana de falar das ciências. Estas origens são múltiplas, e retornaremos à questão no epílogo. No entanto, parece-nos que existe uma filiação histórica com uma tradição filosófica que privilegia a intuição, ou a experiência subjetiva, sobre a razão.

Mais recentemente ainda, numa biografia de Bergson lançada em 1997, fala-se, a propósito de Duração e Simultaneidade, de uma “confrontação científica que está, em parte, por ser feita”.{266} Decididamente há erros que se recusam a desaparecer.

Nosso foco está concentrado sobre certos aspectos intelectuais do pós-modernismo que tiveram impacto nas humanidades e nas ciências sociais: um fascínio pelos discursos obscuros; um relativismo epistêmico ligado a um ceticismo generalizado em face da ciência moderna; um excessivo interesse em crenças subjetivas independentemente de sua verdade ou falsidade; e uma ênfase em discursos e linguagem em oposição aos fatos aos quais aqueles discursos se referem (ou, pior, a rejeição da própria ideia de que fatos existem ou de que podemos fazer referência a eles).

Comecemos por reconhecer que muitas ideias “pós-modernas”, expressas de forma moderada, propiciam uma necessária correção ao modernismo ingênuo (crença em indefinido e contínuo progresso, cientificismo, eurocentrismo cultural, etc.). O que criticamos é aversão radical do pós-modernismo, bem como certo número de confusões mentais encontradas nas versões mais moderadas do pós-modernismo e que são, em certo sentido, herança da versão radical.{269}

Embora algumas pessoas se preocupem com o fato de a diluição da especialização poder levar a um declínio dos padrões de rigor intelectual... É uma boa ideia saber do que se está falando.

Nem tudo o que é obscuro é necessariamente profundo.

Existe uma enorme diferença entre discursos que são difíceis em virtude da natureza inerente ao seu objeto e aqueles cuja vacuidade ou banalidade é cuidadosamente escondida atrás de uma prosa deliberadamente obscura.

3. A ciência não é um “texto”. As ciências naturais não são um mero reservatório de metáforas prontas para ser empregadas nas ciências humanas.

4. Não macaquear as ciências naturais.

5. Seja precavido com o argumento da autoridade. Se as ciências humanas quiserem se beneficiar dos inegáveis êxitos das ciências naturais, elas não necessitam fazê-lo extrapolando mecanicamente conceitos técnicos e científicos.

Em vez disso, elas poderiam buscar alguma inspiração no melhor dos princípios metodológicos das ciências naturais, começando por este: avaliar a validade de uma proposição com base nos fatos e no raciocínio que a sustentam, sem olhar para as qualidades pessoais ou o status social dos seus defensores ou detratores. É claro que isto é somente um princípio; está longe de ser universalmente respeitado na prática, mesmo nas ciências naturais. Os cientistas são, afinal de contas, seres humanos e não estão imunes à moda ou à adulação dos gênios. A despeito disso, nós herdamos da “epistemologia do Iluminismo” uma desconfiança totalmente justificada em relação à exegese dos textos sagrados (e textos que não são religiosos no sentido tradicional podem desempenhar perfeitamente esse papel), bem como em relação ao argumento da autoridade.

6. Ceticismo específico não deve ser confundido com ceticismo radical.

7. Ambiguidade como subterfúgio.

Como chegamos a esse ponto?

1. Descaso com o empírico.

2. Cientificismo nas ciências sociais.

Definimos cientificismo, para os fins desta discussão, como a ilusão de que métodos simplistas mas supostamente “objetivos” ou “científicos” nos permitirão resolver problemas muito complexos (outras definições são certamente possíveis).

Infelizmente, o cientificismo tem sido muitas vezes confundido — tanto por seus defensores como por seus detratores — com a própria atitude científica.

Um recente avatar da atitude cientificista nas ciências sociais é, paradoxalmente, o “programa forte” na sociologia da ciência.

3. O prestígio das ciências naturais.

4. O relativismo “natural” das ciências sociais.

A formação filosófica e literária tradicional.

A existência de tal vínculo entre o pós-modernismo e a esquerda constitui, prima facie, um grave paradoxo. Na maior parte dos últimos dois séculos, a esquerda se identificou com a ciência e contra o obscurantismo, acreditando que o pensamento racional e a análise destemida da realidade objetiva (tanto a natural quanto a social) eram instrumentos incisivos no combate às mistificações promovidas pelos poderosos — sendo ademais fins intrinsecamente desejáveis. E, no entanto, ao longo das duas últimas décadas, grande número de humanistas e cientistas sociais “progressistas” ou “de esquerda” (embora virtualmente nenhum cientista natural, de nenhuma orientação política) afastou-se desta herança do Iluminismo e — estimulado por importações francesas como o desconstrutivismo assim como por doutrinas autóctones como a epistemologia de orientação feminista — abraçou uma ou outra versão do relativismo epistemológico. Nosso objetivo aqui é entender as causas dessa histórica reviravolta.

1. Os novos movimentos sociais. Os anos 60 e 70 assistiram à ascensão de novos movimentos sociais

Queremos contudo expor nossa conjetura de que a inclinação dos novos movimentos sociais pelo pós-modernismo existe majoritariamente nos meios acadêmicos e é muito mais débil do que tanto a esquerda pós-modernista como a direita tradicional.

Queremos contudo expor nossa conjetura de que a inclinação dos novos movimentos sociais pelo pós-modernismo existe majoritariamente nos meios acadêmicos e é muito mais débil do que tanto a esquerda pós-modernista como a direita tradicionalista em geral querem fazer crer.{296}

2. O desânimo político.

3. A ciência como um alvo fácil.

Muita gente está simplesmente irritada com a arrogância e o palavreado vazio do discurso pós-modernista e com o espetáculo de uma comunidade intelectual em que todos repetem frases que ninguém entende.

Que importância tem?

O pós-modernismo tem três principais efeitos negativos: desperdício de tempo nas ciências humanas, confusão cultural que favorece o obscurantismo e enfraquecimento da esquerda.

O que é pior, na nossa opinião, é o efeito nefasto que o abandono do pensamento claro e da escrita clara tem sobre o ensino e a cultura. Os estudantes aprendem a repetir e a enfeitar discursos que mal entendem. Eles podem até, se tiverem sorte, fazer carreira acadêmica sem nada entender tornando-se especialistas na manipulação de um jargão erudito.{305}

Os deliberadamente obscuros discursos do pós-modernismo e a desonestidade intelectual que eles engendram envenenam uma parcela da vida intelectual e reforçam o anti-intelectualismo superficial que já está amplamente difundido entre o público em geral.


Jacques Le Goff — História e Memória

Irei pois abordar a história pedindo a um filósofo a ideia de base: "A história só é história na medida em que não consente nem no discurso absoluto, nem na singularidade absoluta, na medida em que o seu sentido se mantém confuso, misturado... A história é essencialmente equívoca, no sentido de que é virtualmente événementielle e virtualmente estrutural. A história é na verdade o reino do inexato. Esta descoberta não é inútil; justifica o historiador. Justifica todas as suas incertezas. O método histórico só pode ser um método inexato... A história quer ser objetiva e não pode sê-lo. Quer fazer reviver e só pode reconstruir.

[Interessante na medida em que afasta a certeza sectária.]

PROGRESSO/REAÇÃO

No entanto, a hostilidade nos confrontos da Revolução Francesa deu origem ao pensamento que iria ser denominado de "reacionário" e a movimentos de grupos ideológicos ou políticos que os seus adversários iriam englobar sob o rótulo pejorativo e desprezível de "reação" O adjetivo 'reacionário' aparece a partir de 1790 e o substantivo 'reação' no seu sentido político a partir de 1796. Littré no Dictionnaire, em 1869, define assim a origem do nome reacionário.

Burke, nas suas Reflections on the Revolution in France (1790), reprova os revolucionários franceses de 1789, por exemplo um Sieyès, de seguir uma natureza abstrata e não a verdadeira natureza que é a história. Foi por querer fazer tábua rasa e desprezar os preconceitos, ou seja, as tradições, que, segundo ele, a Revolução Francesa era uma aberração antinatural. Burke acreditava no progresso, mas unicamente num progresso moral dirigido por Deus e pela Providência, um Deus muito ligado aos privilégios do passado. Burke foi o mestre imediato de todos os "reacionários" e o seu pensamento, numa versão simplificada, inspirou as ideologias reacionárias de finais do século XIX e início do século XX, um Taine ou um Barrès.

Em 1864, o papa Pio IX publicou a encíclica Quanta Cura, seguida de uma lista de oitenta proposições condenadas, o Syllabus. Este documento singular é uma excelente lista de todas as ideias "progressistas" relativas aos "reacionários" e condena explicitamente o progresso, o que é um fato insólito, pois que raramente os reacionários se reconhecem como antiprogressistas. Na encíclica Quanta Cura, o papa condenava os principais erros modernos: o racionalismo, que chega a negar a divindade do Cristo; o galicanismo, que exige uma sanção do poder civil para o exercício da autoridade eclesiástica; o estatismo, que visa o monopólio do ensino e suprime as ordens religiosas; o socialismo, que pretende submeter totalmente a família ao Estado; a doutrina dos economistas que consideram a organização da sociedade como não tendo outro objetivo senão a aquisição de riquezas; finalmente e sobretudo o naturalismo, que considera como um progresso que a sociedade humana seja constituída e governada sem ter em conta a religião e que logo de início reivindica como ideal a laicização das instituições, a separação da Igreja e do Estado, a liberdade de imprensa, a igualdade dos cultos perante a lei total, a liberdade de consciência, vendo como o melhor regime aquele em que não se reconhece ao poder o dever de reprimir pela sanção das penas os violadores da religião católica".

Quanto às oitenta proposições do Syllabus entendidas como inaceitáveis, "elas dizem respeito ao panteísmo e ao naturalismo; o racionalismo que reivindica, principalmente para a filosofia e para a teologia, uma independência absoluta em relação ao magistério eclesiástico; o indiferentismo, que considera que todas as religiões valem o mesmo; o socialismo, o comunismo e a franco-maçonaria; o galicanismo; as falsas doutrinas sobre as relações entre a Igreja e o Estado; as concepções morais errôneas sobre o casamento cristão; a negação do poder temporal dos papas; enfim, o liberalismo moderno" [Aubert, 1952, pp. 254-55].

[O Syllabus e seu significado antiliberal. Ainda hoje presente em parte no olavismo.]

A crítica da ideia de progresso, como bem o mostrou Sternhell [1978], aproxima, depois de 1890, a extrema-direita "revolucionária" e a extrema-esquerda "antidemocrática". Este elemento é importante na preparação ideológica do fascismo.

No entanto, os defensores do progresso procuravam justificar a sua fé pelo recurso a novos métodos científicos e a moderá-la tendo em conta as críticas e as dúvidas que se manifestaram a seu respeito.

Um caso típico é fornecido pela obra de um italiano, Alfredo Niceforo, que reuniu a competência de jurista, de estatístico e de antropólogo. Nos Indices numériques de la civilisation et du progrès, de novo reunidos numa aproximação significativa, dá uma acepção muito ampla à palavra 'civilização': "O conjunto dos fatos da vida material, intelectual e moral de um grupo de população e a sua organização política e social". Substitui assim "a ideia unilateral de otimismo de civilização... pela ideia de relatividade da civilização: cada grupo de população, ou cada época, tem a sua civilização" [1921, p. 31]. Niceforo tenta então medir a superioridade e o progresso de uma civilização apoiado em diversos sintomas: a criminalidade, a mortalidade, a difusão da cultura, o nível de vida intelectual, o grau de altruísmo. Supondo que se possa chegar a resultados satisfatórios, o que não é o caso, faltava um último critério muito importante, o sentimento de felicidade da sociedade. Ora, "quaisquer que sejam os inegáveis melhoramentos de que goza uma sociedade, os indivíduos não veem nem se apercebem de forma alguma que tais melhoramentos sejam um motivo para se sentirem mais felizes" [ibid., p. 205].

A conclusão de Niceforo não é "muito otimista': resigna-se "a declarar insolúvel uma grande parte dos problemas que examinamos, ou a tentar simplificá-los... é necessário contentar-se em "medir" o progresso material e o progresso intelectual nas suas formas mais simples, lembrando ao mesmo tempo que há muitas vezes oposição entre a melhoria e a superioridade das atuais condições de vida dos indivíduos e o destino da sociedade futura" [ibid., pp. 204-5].

Assim, o problema de uma medição quantitativa parcial do progresso é pelo menos colocado em relação a segmentos de progresso, à falta de um movimento geral e contínuo de progresso.

É necessário colocar aqui – sumariamente – o problema das relações entre fascismo e nazismo, de um lado, progresso e reação, do outro. Defendeu-se, por um lado, que estes regimes eram as formas mais acabadas da reação e, por outro, que eles constituíram o preço pago pela modernização da Itália e da Alemanha. Encontra-se certamente aqui em escala nacional as ambiguidades da crítica do progresso à qual se entregaram na França, por exemplo depois de 1890, a extrema-direita reacionária e a extrema-esquerda antidemocrática.

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Efetivamente, desembaraçado do fino verniz modernista e do verbalismo pseudo-revolucionário, o fascismo aparece claramente como um "pensamento eminentemente reacionário" [Milza e Bernstein, 1980, p. 290]. Ninguém o exprimiu melhor que Malaparte na Técnica do golpe de Estado (1931): "A revolução fascista é um processo de revisão total dos valores civis, culturais, políticos e espirituais, uma crítica objetiva e radical da forma atual de vida civil, e tudo o que é moderno. O objetivo final da revolução fascista é a restauração da nossa civilização natural e histórica, degradada pela subida triunfante da barbárie da vida moderna". E como o observam bem Milza e Bernstein, o título da revista fascista de Nino Maccari, publicada a partir de 1924, "Il Selvaggio", exprime perfeitamente "a sua recusa da sociedade industrial e de todos os modernismos ideológicos e culturais" [ibid., p. 241].

[Resumi alguns pontos do capítulo Progresso/Regresso. Por sua densidade de pontos interessantes abordados, torna-se difícil fazer um resumo. Livro para ser lido diversas vezes].


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