quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Fragmentos 26

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Steve Pinker — Os Anjos Bons da Nossa Natureza

O autor, catedrático de psicologia da Universidade de Harvard pesquisou sobre um tema que o pessimismo contemporâneo vem envenenando as consciências com seu caudal de negativismo. Teria a humanidade regredido? Seria verdade a acepção de que quanto mais avançado se torna o mundo, maior é seu grau de violência?

Para combater essas ideias geradas nas chamas do alarmismo com o combustível da visão escatológica inata aos seres humanos, Pinker vasculhou informações de eminentes pesquisadores de diversas áreas do saber, apresentando um leque de dados que contradiz inteiramente com a visão pessimista do presente. Não só comprova com dados cruzados de diversas fontes que o mundo de hoje é muito melhor do que o passado, como confirma estatisticamente que a violência vem diminuindo, malgrado altos e baixos que desencadearam os holocaustos humanos no século XX.

A contenção da violência faz parte, para Pinker, do avanço social na adoção de direitos humanos e sua vigilância, especialmente no que tange ao escravismo, aos direitos das mulheres, ao uso da tortura e a pena de morte, a aceitação da violência dentro da família. Ele mostra que uma Revolução Humanitária teve lugar em sucessivas fases e com relativo sucesso a partir da Revolução Industrial e da gênese democrática, independente dos contragolpes desferidos contra os povos por seus regimes autocráticos ainda em vigor.

Pinker segue a ideia comum de que o comércio é um dos principais elementos na pacificação dos grupos humanos, uma vez que seria o interesse mútuo um regulador das tendências agressivas do homem e uma contenção em favor da gentileza. Isto no aspecto antropológico e social.

Porém, nas relações estatais, existe um senão que escapa ao establishment acadêmico: o comércio quando priorizado na definição da política externa dos países, tem sido, ao contrário, um dos elementos mais nocivos à paz mundial. Devido aos interesses econômicos, nações preferem isentar-se dos acontecimentos internos dos países com um alto grau de perseguição aos cidadãos, mantendo relações comerciais que de outra forma não sustentariam regimes genocidas. O boicote comercial – ferramenta política recente – não exime os países como os Estados Unidos de salvarem regimes que não se sustentariam. A história do século XX é abundante em exemplos. Não é verdade que os países do Ocidente não tivessem conhecimento do que se passava na União Soviética. No entanto, nada foi feito, e em muitos casos, as vantagens comerciais ajudaram a sustentar o regime russo.

O interesse comercial tem um caráter perigoso. Se um país precisa de um tipo de produto que não dispõe em outros países, submete-se ao vexame de apoiar ditaduras facínoras em troca do comércio considerado estratégico para segmentos industriais. Não fosse a Arábia Saudita um oásis de petróleo para os EUA, a política americana não teria a condescendência para com um dos regimes mais opressivos do mundo.


Portanto, internamente a um país, se o comércio é um propagador da paz e antídoto para a violência, isso não vale para muitos episódios da geopolítica internacional.

Na análise da violência entre os povos antigos, utilizando dados antropológicos, ele chegou ao seguinte resultado sobre o estudo de certos grupos neolíticos: “A proporção de caçadores coletores que apresentou sinais de trauma violento foi 13,4% ... a proporção de habitantes de cidades com sinais de trauma violento foi de 2,7%, uma taxa próxima das porcentagens para as sociedades com Estado antes deste século. Portanto, mantendo constantes muitos fatores, constatamos que viver na civilização reduz em cinco vezes as chances de uma pessoa ser vítima de violência”. Pinker usa o conceito binário de sociedades sem estado e sociedades com estado, uma divisão que não me parece correta, a não ser para um tipo esquemático de referência:


“A melhora das probabilidades de uma morte natural veio com outro preço, sintetizado pelo historiador romano Tácito: ‘Antes sofríamos com crimes; agora sofremos com leis’. As histórias da Bíblia que examinamos no capítulo 1 sugerem que os primeiros reis mantinham seus súditos num temor respeitoso com ideologias totalitaristas e punições brutais”.

O Processo Civilizador

“É impossível não notar quanto a civilização se constrói sobre a renúncia ao instinto”. Sigmund Freud


Apresentando gráficos, Pinker mostra que, do século XIII ao século XX, em várias partes da Inglaterra os homicídios “despencaram por um fator de dez, cinquenta e, em alguns casos, cem — por exemplo, em Oxford, de 110 homicídios por 100 mil pessoas por ano no século XIV para menos de um homicídio por 100 mil na Londres de meados do século XX... No levantamento que fiz das percepções sobre a violência em um questionário pela internet, os entrevistados supunham que a Inglaterra do século XX era cerca de 14% mais violenta que a Inglaterra do século XIV. Na verdade, era 95% menos violenta”.


“Mas no século XX em todos os países da Europa Ocidental a taxa anual de homicídios havia caído para uma estreita faixa em um por 100 mil”.


“Na Idade Média, os desafios baseados na honra e praticados por cavaleiros que participavam de torneios sangrentos e outras demonstrações de proeza viril, edulcoradas por palavras como “honra”, “cavalheirismo”, “glória” e “galanteria”, essas façanhas fizeram as gerações posteriores esquecer que eles eram saqueadores carniceiros”.


“Em 1530, o grande erudito Desiderius Erasmus, um dos fundadores da modernidade, escreveu um manual de etiqueta intitulado A Civilidade Pueril que foi um best-seller em toda a Europa por dois séculos”.
“Enunciando as regras sobre o que as pessoas não deviam fazer, esses manuais nos dão um vislumbre do que elas deviam andar fazendo. As pessoas na Idade Média eram, em uma palavra, grosseiras. Vários conselhos nos livros de etiqueta tratam de emanações corporais:

  • Não suje as escadas, corredores, armários ou tapeçarias de urina ou outras imundícies.
  • Não se alivie diante de senhoras, ou na frente de portas ou janelas de casas em becos.
  • Não deslize para a frente e para trás na cadeira como se estivesse tentando eliminar gases.
  • Não toque em suas partes pudendas sob as roupas com as mãos nuas.
  • Não cumprimente alguém enquanto a pessoa está urinando ou defecando.
  • Não faça barulho quando eliminar gases.
  • Não abra as roupas diante de outras pessoas em preparação para defecar, e não as feche depois.
  • Quando dividir uma cama com alguém em uma hospedaria, não se deite tão perto que possa tocar a pessoa, nem ponha suas pernas entre as dela.
  • Se deparar com alguma coisa repugnante no lençol, não a mostre para seu companheiro, nem levante a coisa fétida para que o outro cheire dizendo “Gostaria de saber quanto isso fede”.

“Outros falam sobre assoar o nariz:

  • Não assoe o nariz na toalha de mesa, nem nos dedos, manga ou chapéu.
  • Não ofereça seu lenço usado a outra pessoa.
  • Não carregue o lenço na boca.
  • Também não fica bem, depois de assoar o nariz, abrir o lenço e contemplá-lo como se pérolas e rubis pudessem ter saído de sua cabeça.”

E há muitos e muitos conselhos sobre os modos à mesa:

  • Não seja o primeiro a tirar a comida do prato.
  • Não se atire à comida como um porco, roncando e estalando os lábios.
  • Não vire a travessa para deixar o maior pedaço de carne perto de você.
  • Não devore a comida como se estivesse prestes a ser levado para a prisão, nem encha tanto a boca a ponto de suas bochechas incharem como foles, nem abra tanto os lábios que eles produzam ruídos porcinos.
  • Não mergulhe os dedos no molho da travessa.
  • Não pegue comida da travessa com a colher que pôs na boca.
  • Não roa um osso e depois o devolva à travessa.
  • Não limpe talheres na toalha de mesa.
  • Não ponha de volta no prato o que esteve em sua boca.
  • Não ofereça a ninguém um alimento que você já mordeu.
  • Não lamba os lábios engordurados, limpe-os no pão ou enxugue-os no casaco.
  • Não se incline para beber na tigela de sopa.
  • Não cuspa ossos, caroços, cascas de ovo ou de fruta nas mãos, nem os jogue no chão.
  • Não meta o dedo no nariz enquanto come.
  • Não beba no prato; use a colher.
  • Não sugue ruidosamente o que está na colher.
  • Não afrouxe o cinto à mesa.
  • Não limpe com os dedos um prato sujo.
  • Não mexa o molho com os dedos.
  • Não leve a carne ao nariz para cheirá-la.
  • Não beba café no pires.

“Na Europa medieval a atividade sexual também era menos discreta. As pessoas ficavam nuas em público com mais frequência, e os casais tomavam apenas medidas superficiais para manter a privacidade do coito. As prostitutas ofereciam abertamente seus serviços; em muitas cidades inglesas, a zona de prostituição era chamada de Gropecunt Lane. Os homens falavam com os filhos sobre seus feitos sexuais, e os filhos legítimos e ilegítimos conviviam. Durante a transição para a modernidade, essa franqueza passou a ser malvista e, por fim, considerada inaceitável”.


“… segundo o historiador especializado em guerras Quincy Wright, a Europa tinha 5 mil unidades políticas independentes (a maioria baronatos e principados) no século XV, quinhentas na época da guerra dos trinta anos no começo do século XVII, duzentas no tempo de napoleão no início do século XIX e menos de trinta em 1953.


Tuchman explica: "A atitude cristã com o comércio [...] dizia que o dinheiro era maligno, que segundo Santo Agostinho “os negócios são um mal em si mesmos”, que o lucro além de um mínimo necessário para sustentar o negociante era avareza, que ganhar dinheiro cobrando juros sobre um empréstimo era cometer o pecado da usura, que comprar mercadorias por atacado e vendê-las sem nenhum beneficiamento a um preço mais alto no varejo era imoral e condenado pela lei canônica, em suma, que a máxima de São Jerônimo era conclusiva: “Um homem que é comerciante raramente ou nunca poderá agradar a Deus”....


Em “The Decline of Elite Homicide”, o criminologista Mark Cooney mostra que muitas pessoas de status mais baixo — os pobres, os sem instrução, os descasados, os membros de grupos minoritários — são efetivamente pessoas sem Estado. Alguns ganham a vida em atividades ilegais como o tráfico de drogas, jogo, venda de bens roubados e prostituição, por isso não podem processar judicialmente ou chamar a polícia fazer valer seus interesses em disputas de negócios. Nesse aspecto, têm a mesma necessidade de recorrer à violência que certas pessoas de status elevado: os mafiosos, os chefões do tráfico de drogas, os contrabandistas de bebidas durante a Lei Seca”.


“Black e Cooney relatam que, ao lidar com afro-americanos de baixa renda, os policiais ‘parecem vacilar entre a indiferença e a hostilidade, [...] relutam em se envolver nos assuntos deles, mas quando o fazem é com dureza excessiva’. Também os juízes e promotores ‘tendem a ser [...] desinteressados das disputas das pessoas de condição inferior, tipicamente despacham-nas depressa e, para as partes envolvidas, com uma ênfase penal insatisfatória’.


Em outras palavras, o Processo Civilizador histórico não eliminou a violência, mas relegou-a às margens socioeconômicas.


“As regiões do mundo atual mais propensas ao crime são Rússia, África subsaariana e partes da América Latina. Muitas delas têm forças policiais corruptas e sistemas judiciais que praticam a extorsão de criminosos e vítimas e fornecem proteção a quem pagar mais”.


[Ele está certo quanto a AL, mas ao longo do livro deixa evidente seu desconhecimento da AL.]


“Uma apreciação do Processo Civilizador no oeste e no sul rural dos Estados Unidos ajuda a entender a paisagem política americana de nossos dias. Muitos intelectuais do norte e das regiões costeiras ficam perplexos com a cultura de seus compatriotas dos “estados vermelhos”, os estados de eleitorado predominantemente republicano, adeptos das armas, da pena de morte, do “pequeno governo”, do cristianismo evangélico, dos “valores familiares” e do decoro sexual. O lado oposto, por sua vez, não entende a tibieza dos “estados azuis” – de eleitorado predominantemente democrata –, para com os criminosos e a política externa, sua confiança no governo, seu secularismo intelectualizado e sua tolerância com a licenciosidade. Desconfio que essa guerra cultural, como a chamam, seja produto de uma história na qual a América branca enveredou por dois caminhos em direção à civilização. O norte é uma extensão da Europa e continuou o Processo Civilizador impelido pelos tribunais e pelo comércio que vinha ganhando ímpeto desde a Idade Média. O sul e o oeste preservaram a cultura da honra que surgiu nas partes anárquicas do país em crescimento, contrabalançada por suas próprias forças civilizadoras: a Igreja, a família e a temperança”.


“Por que o mundo ocidental mergulhou em uma orgia criminosa de três décadas [1960-1980] da qual nunca se recuperou completamente? Essa é uma das várias inversões locais do declínio a longo prazo da violência que examinarei neste livro. Se a análise estiver no caminho certo, as mudanças históricas que venho mencionando para explicar o declínio devem ter se invertido na época dos surtos”.


[Sobre a informalização da vida social surgida nos anos 60]:

“Depois de regularmente desmoralizadas pelo processo de informalização, as elites sofreram um segundo golpe em sua legitimidade. O movimento pelos direitos civis havia exposto uma mancha moral no establishment americano e, conforme os críticos enfocavam outras partes da sociedade, mais máculas ficavam à vista. Entre elas estava a ameaça do holocausto nuclear, a onipresença da pobreza, a iniquidade com os nativos americanos, as muitas intervenções militares iliberais, particularmente a Guerra do Vietnã, e mais tarde a espoliação do meio ambiente e a opressão de mulheres e homossexuais. O inimigo declarado do sistema ocidental, o marxismo, ganhou prestígio quando abriu caminho entre os movimentos de “libertação” do Terceiro Mundo, e foi caindo nas graças dos boêmios e intelectuais da moda. Pesquisas de opinião a partir dos anos 1960 até os anos 1990 mostraram uma drástica queda na confiança em todas as instituições sociais”.


“O marxismo fez os conflitos de classe violentos parecerem uma rota para um mundo melhor. Pensadores influentes como Herbert Marcuse e Paul Goodman tentaram fundir o marxismo ou o anarquismo com uma nova interpretação de Freud que ligava a repressão sexual e emocional à repressão política e defendia a libertação das inibições como parte da luta revolucionária. Encrenqueiros eram cada vez mais vistos como rebeldes e não conformistas, ou como vítimas de racismo, pobreza e maus-tratos paternos. Pichadores viraram “artistas”, ladrões eram “guerreiros de classe” e os vândalos do bairro eram “líderes comunitários”. Muita gente inteligente, inebriada pelo radical chic, fez bobagens inacreditáveis. Pós-graduandos de universidades de elite montaram bombas a ser detonadas em ocasiões sociais do Exército, ou dirigiram carros em disparada enquanto “radicais” baleavam guardas durante assaltos à mão armada. Intelectuais nova-iorquinos foram logrados por psicopatas de palavrório marxista ao usar sua influência para libertá-los da "prisão”.

“… na autobiografia de Eldridge Cleaver, Alma no Exílio, de 1968, o Pantera Negra escreveu:
O estupro era um ato insurrecional. Encantava-me estar desafiando e pisoteando a lei do homem branco, seu sistema de valores, e desonrando suas mulheres — e esta última noção, acredito, era para mim a mais satisfatória, pois eu me ressentia muito do fato histórico de o homem branco ter usado a mulher negra. Eu sentia que estava praticando uma vingança.

Sei lá por quê, os interesses das mulheres violentadas nesse ato insurrecional nunca foram levados em conta nos princípios políticos dele, nem na reação da crítica ao livro (New York Times: “Brilhante e revelador”; The Nation: “Um livro notável [...] muito bem escrito”; Athlantic Monthly: “Um homem inteligente, turbulento, ardoroso e eloquente”)”.


“Ainda mais calamitoso que o retorno de bandidos à rua foi o rompimento entre a aplicação da lei e as comunidades, com a resultante deterioração da vida nos bairros. Violações da ordem civil como vadiagem e mendicância foram descriminalizadas, e crimes menores, como praticar atos de vandalismo, pichar muros, passar em catracas sem pagar e urinar na rua, saíram dos radares da polícia. Graças a drogas antipsicóticas intermitentemente eficazes e a uma mudança nas atitudes em relação ao comportamento desviante, os hospitais psiquiátricos foram esvaziados, o que multiplicou as fileiras dos sem-teto. Lojistas e cidadãos com interesse pelo seu bairro, que em outras condições prestariam atenção a transgressões em sua região, acabaram por capitular diante dos vândalos, mendigos e assaltantes e se refugiaram nos subúrbios”.


De 10,2 assassinatos para 100 mil hab em 1980, em 1992 algo estranho aconteceu. A taxa de homicídios caiu quase 10% em relação ao ano anterior, e continuou a declinar por mais sete anos, chegando aos 5,7 em 1999, o nível mais baixo desde 1966. E ainda mais estarrecedor foi que a taxa manteve-se nesse nível por mais sete anos e depois caiu ainda mais, de 5,7 em 2006 para 4,8 em 2010.

[Pinker não ventila a correlação com o avanço da tecnologia, meu assunto preferido, que justamente inicia com a digitalização das redes de telecom que abriram um nova perspectiva de vida]

[Em a Recivilização dos anos 1990, discute a questão do aborto no entrechoque de ideias entre ter filhos indesejados que serão autores criminosos e a negação desta tese. O problema foi muito bem apresentado].

No entanto, a função prática das punições cruéis era apenas parte do atrativo. Os espectadores divertiam-se com a crueldade, mesmo quando ela não tinha nenhum propósito judicial. Torturar animais, por exemplo, era puro deleite. Em Paris no século XVI, uma forma popular de entretenimento era queimar gatos: um gato era içado em uma tipoia sobre um palco, e então lentamente baixado em cima de uma fogueira. Segundo o historiador Norman Davies, “os espectadores, inclusive reis e rainhas, gargalhavam desbragadamente enquanto os animais, urrando de dor, eram chamuscados, assados e por fim carbonizados”. Também eram populares as brigas de cães, corridas de touro, brigas de galo, execuções públicas de animais “criminosos” e o acossamento de urso, no qual um urso era acorrentado a um poste para que cães o fizessem em pedaços ou morressem tentando.


Rummel estima que entre a época de Jesus e o século XX, o número de pessoas executadas por delitos triviais tenha chegado a 19 milhões.

A ascensão da empatia e o apreço pela vida humana

A capacidade humana para a compaixão não é um reflexo desencadeado automaticamente pela presença de outro ser vivo. ...Embora em todas as culturas as pessoas possam ter reações compassivas em relação a parentes, amigos e bebês, tendem a conter-se quando se trata de círculos mais amplos como vizinhos, estranhos, estrangeiros e outros seres sencientes. Em seu livro The Expanding Circle [O Círculo Expandido], o filósofo Peter Singer mostra que, ao longo da história, as pessoas ampliaram os círculos de seres vivos cujos interesses elas valorizam tanto quanto os seus próprios. Uma questão interessante é: o que expandiu o círculo de empatia? E um bom candidato é o crescimento da alfabetização.

[Pinker discute a ascensão da empatia pela nascimento do romance, citando diversos autores e as reações às suas obras].


Em Small World [Mundo Pequeno], romance de David Lodge lançado em 1988, um professor explica por que acredita que a universidade de elite está obsoleta:

As informações no mundo moderno são muito mais portáteis do que antes. As pessoas também [...]. Três coisas revolucionaram a vida acadêmica nos últimos vinte anos [...] o avião a jato, os telefones de discagem direta e a fotocopiadora. [...] Se você tem acesso a um telefone, a uma máquina Xerox e a um financiamento para suas conferências, você está feito, está ligado à única universidade que realmente importa: o campus global.

Morris Zap tinha certa razão, porém exagerou na ênfase sobre as tecnologias dos anos 1980. Duas décadas depois de escritas, essas palavras foram suplantadas pelo e-mail, os documentos digitais, sites, blogs, teleconferências, Skype e telefones inteligentes. E dois séculos antes, as tecnologias da época — o navio a vela, o livro impresso e o serviço postal — já tinham tornado portáteis as informações e as pessoas. O resultado foi o mesmo: um campus global, uma esfera pública ou, como se dizia no século XVII e XVIII, a República das Letras.

A civilização e o iluminismo

“Nos calcanhares do Iluminismo veio a Revolução Francesa: uma breve promessa de democracia seguida por uma série de regicídios, golpes, fanáticos, vândalos, terrores e guerras preventivas, culminando em um imperador megalomaníaco e uma insana guerra de conquista. Mais de um quarto de milhão de pessoas foram mortas na Revolução, e, em seguida, outros 2 milhões a 4 milhões pereceram nas guerras revolucionárias e napoleônicas. Quando refletiam sobre tal catástrofe, era natural que as pessoas pensassem “depois disso, portanto por causa disso”, e que os intelectuais de direita e esquerda pusessem a culpa no Iluminismo. É isso o que vocês ganham, diziam, quando comem o fruto da árvore do conhecimento, roubam o fogo dos deuses e abrem a caixa de Pandora”.

“A teoria de que o Iluminismo foi responsável pelo Terror e por Napoleão é dúbia, para dizer o mínimo. Assassinatos políticos, massacres e guerras de expansão imperial são tão antigos quanto a civilização, e há muito tempo vinham sendo expedientes comuns das monarquias europeias, inclusive a França”.

[A seguir discute as ideias de Burke, erros e exageros e a visão de direita e esquerda fundamentadas em uma compreensão das limitações humanas e a outra em uma utopia de que o homem é capaz de socialmente evoluir para um estado de justiça e equidade]

Sangue e solo

Um segundo movimento contrailuminista criou raízes em fins do século XVIII e começo do século XIX, centralizado não na Inglaterra, mas na Alemanha. [discute o contrailuminismo, incluindo a doutrina marxista nele, o nazismo, e o nacionalismo exaltado].

[Depois de apresentar argumentos confusos sobre a probabilidade de eventos para especular sobre as vítimas de guerra, retoma sua linha de raciocínio:]
“White, escrevendo em 1999, repetiu uma das perguntas mais frequentes daquele ano: “quem foi a pessoa mais importante do século XX?”. Sua escolha: Gavrilo Princip. Mas quem foi esse Gavrilo Princip? Foi o nacionalista sérvio de dezenove anos que assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria-Hungria durante uma visita de Estado à Bósnia, após uma série de erros e acidentes ter deixado o arquiduque ao alcance do tiro.

“O nacionalismo militarizado romântico inspirou os programas expansionistas da Itália fascista e do Japão imperial e, com uma dose adicional de pseudociência racista, da Alemanha nazista”.

[É difícil senão impossível atribuir valores de uma época a uma cultura do oriente com o ocidente quando possuíam interações mínimas. Como explicar o comunismo chinês então? Demonstrando que a China é uma autocracia asiática com costume milenar.]

“Em seu monólogo “Alice’s Restaurant”, de 1967, Arlo Guthrie fala sobre ser recrutado e encaminhado para um psiquiatra do Exército no centro de alistamento em Nova York: Entrei lá e disse: “Doutor, eu quero matar. Mas eu quero muito, muito, matar. Eu quero, quero, eu quero ver sangue e tripas e veias nos meus dentes. Comer corpos mortos queimados. Quero é matar, Matar, matar, matar”. E comecei a pular e a gritar “matar, matar”, e ele começou a pular junto comigo, e ficamos os dois pulando e berrando “matar, matar”. E o sargento veio, me botou uma medalha no peito, me mandou seguir pelo corredor e disse: “Rapaz, você é dos nossos”.

“Um modo melhor de entender os dois séculos passados, argumentou Michael Howard, é vê-los como uma batalha por influência entre quatro forças — humanismo esclarecido, conservadorismo, nacionalismo e ideologias utópicas — que ocasionalmente se juntaram em coalizões temporárias. A França napoleônica, como emergiu da Revolução Francesa, tornou-se associada, na Europa, ao Iluminismo francês. Na verdade, é melhor classificá-la como a primeira implementação do fascismo. Embora Napoleão realmente realizasse algumas reformas racionais, como o sistema métrico e códigos de direito civil (que sobrevivem até hoje em muitas regiões de influência francesa), na maioria dos aspectos ele voltou o relógio em relação aos avanços humanistas do Iluminismo. Assumiu o poder recorrendo a um golpe de Estado, eliminou o governo constitucional, reinstituiu a escravidão, enalteceu a guerra, obrigou o papa a coroá-lo imperador, restaurou o catolicismo como religião do Estado, instalou três irmãos e um cunhado em tronos estrangeiros e empreendeu implacáveis campanhas de aumento territorial com uma criminosa desconsideração pela vida humana.”

“A França revolucionária e napoleônica, mostrou Bell, foi consumida pela combinação do nacionalismo francês com uma ideologia utópica. Essa ideologia, como as versões do cristianismo que a precederam e o fascismo e o comunismo que a sucederam, era messiânica, apocalíptica, expansionista e certa de sua retidão. Via seus oponentes como irremediavelmente perversos, como ameaças existenciais que tinham de ser eliminadas em nome de uma causa santa. Bell observa que o utopismo militante foi um desfiguramento do ideal iluminista do progresso humanitário.

Sobre se a longa paz é uma paz liberal:

Fala na anedota de um escritor que disse: “Uma das muitas razões por que penso que não devemos bombardear os japoneses é que eles fizeram minha minivan”. Isto deveria servir para os chineses na atualidade.

“A relação entre pobreza e guerra no mundo de hoje é suave porém acentuadamente não linear. Entre os países ricos do mundo desenvolvido, o risco de guerra civil é essencialmente zero. Para os países com produto interno bruto per capita em torno de 1500 dólares anuais (em dólares de 2003), a probabilidade de um novo conflito deflagrado dentro de cinco anos sobe para cerca de 3%. Porém, a partir daqui o risco dispara: para países com um PIB per capita de 750 dólares, ele é de 6%; para os com renda de quinhentos dólares, é de 8%; e para aqueles que sobrevivem com 250 dólares, é de 15%”.

“Anteriormente neste capítulo (e no capítulo 3, quando examinamos os homicídios através do mundo), deparamo-nos com o conceito de anocracia, uma forma de governo que não é nem plenamente democrática, nem plenamente autocrática. Anocracias também são conhecidas entre os cientistas políticos como semidemocracias, regimes pretorianos e (meu favorito, ouvido em uma conferência) governos merdosos. São aquelas administrações que não fazem nada bem. Diferentemente dos Estados policiais autocráticos, eles não intimidam suas populações forçando a aquiescência, mas tampouco têm os sistemas mais ou menos justos do estado de direito, próprios de uma democracia decente. Em vez disso, frequentemente respondem a crimes locais com retaliações indiscriminadas contra comunidades inteiras. Conservam os hábitos cleptocráticos das autocracias das quais evoluíram, distribuindo receitas tributárias e sinecuras a seus capangas, em que estes extorquem propinas a troco de proteção policial, sentenças judiciais convenientes ou acesso às infindáveis autorizações necessárias para se fazer qualquer coisa. Um cargo no governo é o único bilhete para longe da miséria, e ter um cupincha no poder representa o único bilhete para um cargo no governo. Quando o controle do governo é periodicamente posto em jogo por uma “eleição democrática”, as apostas são tão elevadas como em qualquer disputa de preciosos e indivisíveis despojos. Clãs, tribos e grupos étnicos tentam intimidar uns aos outros para fora das urnas ou então lutam para reverter um resultado que não tenha sido de seu agrado. Conforme o Global Report on Conflict, Governance, and State Fragility [Relatório global sobre conflito, governança e fragilidade do Estado], as anocracias são “cerca de seis vezes mais propensas que as democracias e duas vezes e meia mais propensas que as autocracias a experimentar novas irrupções de guerras societárias”, tais como guerras civis étnicas, guerras revolucionárias e golpes de Estado.

“Mostra [através de gráficos] por que a vulnerabilidade das anocracias à violência tornou-se um problema. Conforme começou a declinar o número de autocracias no mundo, no fim dos anos 1980, começou a crescer o número de anocracias. Atualmente elas se distribuem por um crescente que vai da África Central, através do Oriente Médio, da Ásia Ocidental e Meridional, que coincidem largamente com as zonas de guerra...[no mundo]”

A vulnerabilidade à guerra civil por parte de países onde o controle do governo é uma caixa de surpresas multiplica-se quando o governo controla trunfos caídos do céu como petróleo, ouro, diamantes e minerais estratégicos. Longe de serem uma bênção, esses tesouros criam a chamada maldição da riqueza, também conhecida como paradoxo da abundância e ouro de tolo. Países férteis em recursos não renováveis e facilmente monopolizáveis apresentam crescimento econômico mais lento, governos mais merdosos e mais violência. Como disse o político venezuelano Juan Pérez Alfonzo, “o petróleo é o excremento do diabo”. Um país pode ser amaldiçoado por tais recursos, porque eles concentram poder e riqueza em mãos de quem os monopoliza, em geral uma elite governante, mas algumas vezes um senhor da guerra regional. Este fica obcecado em afastar os rivais de sua vaca leiteira e não tem estímulo em estabelecer as redes de comércio que enriquecem uma sociedade e criam a tessitura das obrigações recíprocas. Collier, junto com a economista Dambisa Moyo e outros analistas políticos, chamou a atenção para um paradoxo relacionado. A ajuda externa, tão amada pelas cruzadas de celebridades, pode ser outro cálice envenenado, pois pode enriquecer e reforçar os líderes através dos quais é canalizada, em vez de construir uma infraestrutura econômica sustentável. Um valioso contrabando, como o de coca, ópio e diamantes, é uma terceira maldição, pois cria um nicho de políticos cruéis ou senhores da guerra assegurando-lhes enclaves ilegais e canais de distribuição.

[Como eu já tinha observado sobre a origem do socialismo ser uma fusão do cristianismo com o romantismo, o autor faz uma citação importante:]

David Chirot, ao escrever com o psicólogo Clark McCauley, comenta: A escatologia marxista sempre imitou a doutrina cristã. No início, havia um mundo perfeito sem propriedade privada, sem classes, sem exploração e sem alienação — o Jardim do Éden. Então veio o pecado, a descoberta da propriedade privada e a criação dos exploradores. A humanidade foi expulsa do Éden para sofrer a desigualdade e a privação. Os seres humanos então experimentaram uma série de modos de produção, do modo escravista ao feudal e ao capitalista, sempre buscando uma solução sem encontrá-la. Por fim, eis que adveio um verdadeiro profeta com a mensagem da salvação, Karl Marx, que pregou a verdade da ciência. Ele prometeu a salvação mas não foi ouvido, exceto por seus íntimos discípulos, que difundiram a verdade. No futuro, contudo, o proletariado, os portadores da verdadeira fé, será convertido pelos eleitos da religião, os líderes do partido, e se unirá para criar um mundo mais perfeito. Uma revolução final e terrível liquidará com o capitalismo, a alienação, a exploração e a desigualdade. Depois disso, a história terá fim, pois haverá perfeição na Terra e os verdadeiros crentes terão sido salvos”.

“Baseando-se no trabalho dos historiadores Joachim Fest e George Mosse, eles também comentam a escatologia nazista: Não foi por acidente que Hitler prometeu um Reich de mil anos, um milênio de perfeição, semelhante aos mil anos do reino da bondade prometido no Apocalipse, antes do retorno do mal, da grande batalha entre o bem e o mal e do triunfo final do bem sobre Satã. Toda a iconologia de seu partido e do regime nazista era profundamente mística, impregnada de religiosidade, frequentemente cristã, de simbolismo litúrgico e de apelos a uma lei mais elevada, a uma missão designada pelo destino e confiada ao profeta Hitler”.


[Para os que falam do fechamento da China:]

O historiador Bernard Lewis não foi o único a indagar: “O que deu errado?”. Em 2002, uma comissão de intelectuais árabes publicou sob os auspícios das Nações Unidas o cândido Relatório do desenvolvimento humano árabe, apresentado como “escrito por árabes e para árabes”. Os autores documentavam que as nações árabes eram assoladas pela repressão política, pelo atraso econômico, pela opressão das mulheres, pela proliferação do analfabetismo e por um isolamento autoimposto em relação ao mundo das ideias. Na época do relatório, todo o mundo árabe exportava menos bens manufaturados que as Filipinas, tinha uma conexão com a internet mais pobre que a da África subsaariana, registrava 2% menos patentes por ano que a Coreia do Sul e traduzia para o árabe um quinto dos livros que a Grécia traduzia para o grego”.


“Em nossos dias outro cenário lúgubre está na mente das pessoas. A temperatura global está subindo, o que nas próximas décadas pode levar a uma elevação do nível dos mares, à desertificação, secas em algumas regiões e inundações e furacões em outras”.


“Caso eu fosse apostar em uma única causa exógena das Revoluções por Direitos como sendo a mais importante, esta residiria nas tecnologias que dotaram as ideias e as pessoas de uma crescente mobilidade. As décadas das Revoluções por Direitos foram o período das revoluções eletrônicas: a televisão, o rádio transistor, o cabo, o satélite, os telefonemas de longa distância, as fotocopiadoras, o fax, a internet, os celulares, os torpedos, os webvídeos. Essas foram as décadas das vias expressas interestaduais, dos trens de alta velocidade, dos aviões a jato. Foram as décadas de um crescimento sem precedentes na educação superior e nas infindáveis fronteiras da pesquisa científica. Menos conhecido é que elas foram igualmente as décadas de um boom na publicação de livros. Entre 1960 e 2000, o número anual de livros publicados nos Estados Unidos cresceu quase cinco vezes... Revolução Humanitária partiu da República das Letras, enquanto tanto a Longa Paz como a Nova Paz foram filhas da Aldeia Global”.


Acadêmicos que se intrigaram a respeito do progresso material em diferentes partes do mundo, como o economista Thomas Sowell em sua trilogia Culture e o fisiologista Jared Diamond em Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas, concluíram que a chave do sucesso material tem se localizado em um vasto reservatório de inovações. Ninguém é inteligente o bastante para inventar isoladamente algo que outro alguém quereria usar. Inovadores bem-sucedidos não apenas sobem sobre os ombros de gigantes; eles se engajam em uma maciça pirataria de propriedade intelectual, tomando de empréstimo ideias de uma vasta gama de vertentes tributárias que correm em sua direção”. 

“A inteligência propriamente está altamente correlacionada com o crime — gente mais obtusa comete mais crimes violentos e tem mais probabilidade de ser vítima de um — e, embora possamos aventar a possibilidade de que os efeitos do autocontrole sejam na verdade efeitos da inteligência ou vice-versa, é verossímil que ambas as características contribuam independentemente para a não violência. Outra pista de que o autocontrole é hereditário é que a síndrome caracterizada por uma falta de autocontrole, o transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (que também está ligado à delinquência e ao crime), está entre os traços de personalidade mais herdáveis”.


“As culturas apolíneas são tidas como ponderadas, dotadas de autocontrole, racionais, lógicas e ordenadas; as culturas dionisíacas são tidas como sensíveis, passionais, instintivas, irracionais e caóticas. Poucos antropólogos invocam essa dicotomia atualmente, mas uma análise quantitativa das culturas do mundo, feita pelo sociólogo Geert Hofstede, redescobriu a distinção sob a forma de respostas a uma pesquisa entre cidadãos de classe média de mais de uma centena de países”.


“Sociedades com orientação a longo prazo promovem virtudes pragmáticas direcionadas para compensações futuras, em especial a poupança, a persistência e a adaptação a circunstâncias mutantes. As sociedades com orientação a curto prazo promovem virtudes relacionadas com o passado e o presente, tais como o orgulho nacional, o respeito à tradição, a preservação da “dignidade” e o cumprimento das obrigações sociais”.


[A discussão sobre variações genéticas que levaram a queda da violência pode ser estimulante, mas não é convencível. Sem o fator tecnológico, câmeras de vigilância, etc, não se entende o que vem acontecendo ultimamente].


“O fenômeno do nacionalismo pode ser compreendido como uma interação entre psicologia e história. Ele consiste na fusão de três coisas: o impulso emocional por trás do tribalismo; uma concepção cognitiva do “grupo” enquanto um povo que partilha uma linguagem, um território e uma ancestralidade; e o aparato político do governo”.

“O nacionalismo, dizia Einstein, é “o sarampo da raça humana”. Isso nem sempre é verdade — às vezes ele é apenas um resfriado —, mas o nacionalismo pode se tornar virulento quando apresenta enfermidades associadas do equivalente grupal do narcisismo no sentido psiquiátrico, nomeadamente um ego grande mas frágil com uma reivindicação imerecida de proeminência. Lembremos que o narcisismo pode desencadear a violência quando o narcisista se enraivece com um sinal insolente da realidade. Combine narcisismo com nacionalismo e você obterá um fenômeno mortal que os cientistas políticos chamam “ressentiment” (“ressentimento” em francês): a convicção de que uma nação ou civilização tem um direito histórico de grandeza, apesar de seu status modesto, o que só pode ser explicado pela perversidade de um inimigo interno ou externo”.


“O ressentimento estimula as emoções de uma dominação frustrada — a humilhação, a inveja e a raiva —, às quais os narcisistas são propensos. Historiadores como Liah Greenfield e Daniel Chirot atribuíram as maiores guerras e genocídios das primeiras guerras do século XX ao ressentimento na Alemanha e na Rússia. Ambas as nações sentiam que estavam realizando seus justos reclamos de proeminência, que inimigos pérfidos haviam negado”.


Na parte chamada Ideologia discute o instinto de rebanho, uma das mais curiosas motivações psíquicas do homem social. … [não lembrava desta:] Soljenítsin relata uma conferência partidária em Moscou que terminou com uma homenagem a Stálin. Todos se puseram de pé e aplaudiram por três minutos, e quatro, e cinco... e então ninguém ousava ser o primeiro a parar. Depois de onze minutos de palmas crescentes, um diretor de fábrica na mesa do evento finalmente se sentou, acompanhado pelo resto da agradecida assembleia. Ele foi preso naquela noite e enviado ao Gulag, onde ficou por dez anos.


[Transgredindo as fronteiras: Rumo a uma hermenêutica transformadora da gravitação quântica], de Alan Sokal. O texto era na verdade a peça central do famoso embuste de Sokal, em que o físico escrevera um amontoado de absurdos pomposos e, confirmando suas piores suspeitas sobre os padrões acadêmicos das humanidades pós-modernas, este fora publicado na prestigiosa revista Social Text. [Veja neste blog Imposturas Intelectuais de Alan Sokal.]

“Os participantes — diga-se em seu favor — não se deixaram impressionar pelo ensaio quando o avaliaram em privado. Mas quando o apreciaram em público, depois de ouvir as inflamadas valorizações de quatro coadjuvantes, fizeram também avaliações elogiosas. E na hora de classificar seus colegas, inclusive o sexto, honesto — que conferira ao ensaio a nota mais baixa entre as disponíveis —, deram a este notas altas em privado, mas notas baixas em público. Mais uma vez os sociólogos haviam demonstrado que as pessoas não só subscrevem posições que na verdade não sustentam, mas que pensam equivocadamente que todos os demais o fazem, como chegam a condenar falsamente um terceiro que se nega a ratificar a opinião em pauta”.


“A ideia de que o Holocausto foi um produto do Iluminismo é ridícula, se não obscena. Como vimos no capítulo 6, o que mudou no século XX não foi tanto a ocorrência de genocídios, mas o reconhecimento de que o genocídio é algo ruim. As armadilhas tecnológicas e burocráticas do Holocausto são um espetáculo à parte na contagem dos custos humanos e desnecessárias para a perpetração do assassinato em massa, como nos lembram os machetes ensanguentados do genocídio ruandês. A ideologia nazista, tal como os movimentos nacionalistas, romântico-militaristas e comunistas da mesma era, foi fruto do contrailuminismo do século XIX, fora da linha de pensamento que conecta Erasmo, Bacon, Hobbes, Espinosa, Locke, Hume, Kant, Bentham, Jefferson, Madison e Mill. As pretensões científicas do nazismo eram pseudociência risível, como a ciência real provou com facilidade. Em um brilhante ensaio recente, o filósofo Yaki Menschenfreund analisa a teoria de que a racionalidade iluminista é responsável pelo Holocausto”:

  “É impossível compreender uma política tão destrutiva sem reconhecer que a ideologia nazista era, em sua maior parte, não apenas irracional — mas antirracional. Ela valorizava o passado pagão, pré-cristão, da nação alemã, adotava ideias românticas de retorno à natureza e a uma existência mais “orgânica” e alimentava uma expectativa apocalíptica sobre um fim dos dias em que a eterna luta entre as raças se resolveria [...]. O desprezo pelo racionalismo e sua associação com o desdenhado Iluminismo estava no âmago do pensamento nazista; os ideólogos do movimento enfatizavam a contradição entre a Weltanschauung (“visão de mundo”), a experiência natural e direta das coisas, e o Welt-an-denken (“pensamento sobre o mundo”), a atividade intelectual “destrutiva” que rebaixa a realidade através da conceituação, do cálculo e da teorização. Contra a “degenerada” adoração liberal-burguesa da razão, os nazistas advogavam a ideia de uma existência vital, espontânea, não ofuscada nem estorvada por compromissos ou dilemas.”


“Acredite ou não, estamos ficando mais inteligentes. No início dos anos 1980 o filósofo James Flynn teve um momento heureca quando notou que as empresas que vendiam testes de QI periodicamente redefiniam seus escores. … Flynn vasculhou o mundo em busca de dados brutos em que os mesmos testes de QI eram aplicados durante muitos anos, ou onde as normas de pontuação permitiam que os números fossem comparados. O resultado foi o mesmo em todas as amostragens: os níveis de QI cresciam ao longo do tempo.


[Finalmente Pinker chega ao ponto de meus estudos:]

“Porém realmente houve um renascimento intelectual nas décadas recentes, talvez não na cultura, mas com certeza na ciência e na tecnologia. A cosmologia, a física de partículas, a geologia, a genética, a biologia molecular, a biologia evolutiva e a neurociência deram saltos vertiginosos em entendimento, enquanto a tecnologia proporcionou-nos milagres seculares como partes do corpo substituíveis, genotipagem de rotina, assombrosas fotografias de planetas externos e galáxias distantes, e minúsculas engenhocas que permitem conversar com bilhões de pessoas, tirar fotos, localizar-se no planeta, ouvir vastas coleções de músicas, ler obras de livrarias imensas e ter acesso às maravilhas da internet global. Esses milagres surgiram em ritmo tão rápido que nos deixaram blasés sobre as ideias que os tornaram possíveis. Mas nenhum historiador que vasculhe a trajetória humana em uma escala de séculos pode omitir o fato de que estamos vivendo hoje um período de extraordinária potencialidade cerebral.”

[É preciso destacar a revolução das máquinas que criaram um velocidade na produtividade nunca antes imaginada, e um grau de conforto dos operadores que, ao contrário de seus antecessores, sujeitos a más posturas, trabalho estafante, tornaram-se menos propenso ao ressentimento e a crueldade. Também é válido citar a transformação biológica anunciada nos jovens japoneses pelo hábito de digitar com os polegares.]


“Por “esclarecidos” eles entendem a mentalidade do Iluminismo, que definem, acompanhando o Concise Oxford Dictionary, como “uma filosofia que enfatiza a razão e o individualismo mais que a tradição”.”


“Até recentemente, a maior parte das pessoas nunca viajava para além de alguns quilômetros de seu lugar de nascimento. Todos ignoravam a vastidão do cosmo, a pré-história da civilização, a genealogia dos seres vivos, o mundo microscópico e os componentes da matéria e da vida. Gravações musicais, livros a preço acessível, notícias do mundo, reproduções de obras de arte e dramas cinematográficos eram coisas que não se concebia, quanto mais dispor delas em um utensílio que cabe no bolso da camisa”.


[Enfim, exausto chego ao fim do livro. Destaco que a visão positiva do presente (a qual compartilho com ênfase na retribuição tecnológica), torna-se negativa quando observada do ponto de vista da realidade brasileira (e de todos os países que ficaram na metade do caminho do Iluminismo). O principal argumento subjacente de Pinker é de que quanto mais a humanidade progride materialmente, o sentimento social é de que todos se beneficiam e mais baixa são as taxas de violência.

No entanto, visto do panorama nacional, uma sociedade que mantém o salário mínimo abaixo dos 300 dólares, não parece interessada no benefício social da abundância. Olhando detidamente, a sociedade procura escapar de um deus-nos-acuda de aflições criadas pela estrutura social planejada para produzir o maior mal possível a tantos quantos estão longes de seus mecanismos de recompensa limitados, isto é, quantitativamente reduzidos.

Negando os mecanismos que produzem a oportunidade, estruturando sua supremacia na exploração impiedosa dos salários, esta sociedade só consegue se manter se viver do fluxo externo de comércio, capaz de fornecer aqueles produtos e serviços que ela nega em oportunizar internamente.

Esta constatação serve para tombar por terra o argumento basilar de Pinker a respeito da violência. Cidades como RJ e algumas capitais do nordeste apresentam taxas de 60 homicídios por 100 mil hab, não por um desastre natural, porém por terem uma estrutura estatal corrompida em todos os quadrantes, e em consequência, apresentarem um desperdício que não se compararia se não fosse o estado.

Faltou a Pinker entender que o Estado não pode significar o fim da violência grupal senão depois de ter sido domesticado pelo Iluminismo como um cavalo selvagem. Selvageria que do México a Patagônia se mantém incólume apesar do desenvolvimento econômico. O Brasil apresenta um grau satisfatório de inserção tecnológica, exceto para a grande massa da classe média baixa e da inefável pobreza.

No Brasil, o livro tem o notável destino de servir para uma reflexão importante para os leitores brasileiros, ainda que ao fim somos obrigados a concluir que, por aqui, as coisas não são tão suscetíveis quanto no Primeiro Mundo.]

Nacos:
Atracitologista -
Democídio - "É um neologismo não dicionarizado, o qual foi recuperado e redefinido pelo politólogo Rudolph Joseph Rummel definido como "assassínio de qualquer pessoa ou grupo de pessoas por parte do seu governo, incluindo genocídio, politicídio, e assassínio em massa".
Anocracia - "É um regime de governo com características inerentes de instabilidade política e ineficácia governamental, também sendo definida como uma junção de democracia com ditadura ou como uma "mistura de democracia com traços autocráticos".


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