sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Fragmentos 27

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Wolfram Eberhard – A History of China

O debate a respeito da China e seu papel no mundo divide a opinião pública em tonalidades próprias da cultura do país em que a discussão é travada. No Brasil, existem duas ou três correntes: a socialista, que não consegue entender a China como uma potência espetacular e não usa o sucesso chinês para fazer proselitismo do socialismo; outra corrente que enxerga no avanço chinês uma estratégia de dominação do Brasil e uma terceira, que tem mais dúvidas que certezas a respeito do papel chinês na ordem mundial.
Os fatos evidentes da realidade chinesa e de sua atuação como potência emergente podem ser resumidos:

1) O crescimento muito acima da expectativa do desenvolvimento capitalista conhecido no Ocidente. Este fato deveria derrubar parcela considerável da literatura Ocidental a respeito do fracasso da economia planejada, do dirigismo estatal tão difundido na nossa cultura. Trata-se de uma complexidade que envolve problemas histórico-culturais pouco conhecidos. No entanto, isto não ocorre, e as explicações são desviadas para a questão ideológica.

2) A presença cada vez maior na economia dos demais países, seja como investidor, seja como fornecedor de infraestrutura. Nenhum país pode se candidatar à liderança mundial sem assumir o protagonismo de criar bases ao redor do mundo para proteção de suprimentos e presença financeira nos mercados emergentes. A pressão da capitalismo chinês em busca de expansão não depende de sua liderança, mas do moto contínuo de seu sucesso. Neste caso, existe a ameaça chinesa? Olhando para a história da China, não encontramos a presença chinesa fora de seu território de unificação (Tibete e Sinkiang) além de uma invasão passageira da Coreia e Turquestão. A própria Taiwan, considerada uma província rebelde, não foi invadida pela China devido a política de contenção asiática do pós-guerra. Fato característico é que a hoje chamada China não existia no passado senão como referência, sendo diversas nações dentro de um território, com cerca de 55 etnias e 15 línguas diferentes.

3) A evidência de que a China será a primeira potência mundial por muito tempo é inegável. A capacidade de competição chinesa tanto em qualidade como em inovação demonstra que a China já consegue ombrear com os EUA em alguns setores, como por exemplo, o automobilístico, bens de consumo, máquinas em geral, nanotecnologia e assim por diante. E se trata de uma conquista asiática, mais do que chinesa. A passagem dos EUA para o segundo lugar pode ser notada no presente momento (2020) pela incapacidade de estabelecer sua supremacia característica: a atuação na liderança mundial comandando a produção industrial.

Ao contrário, a superioridade americana pode permanecer na medida que sua sociedade for capaz de dirigir a inovação tecnológica definindo os padrões e normas em consórcio com as principais indústrias mundias do setor.

Sob esta hegemonia, os EUA pareciam tranquilos em dar o tom nas mudanças paradigmáticas que ocorriam. No entanto, a capacidade de assimilação chinesa e reprodução tecnológica dessas normas desnorteou os EUA, provocando uma reação típica de irritação ao desafio, pela intromissão dos produtos chineses nas áreas privilegiadas dos americanos, como telecom e software.

O domínio americano na indústria de software tem implicações importantes. O combate ao terrorismo mundial não pode ser feito sem o controle dos meios de comunicação. A ameaça externa, onipresente desde a II guerra, cria uma vulnerabilidade inaceitável para os círculos de poder norte-americanos porque, embora seja uma constatação banal, o terrorismo se organiza através de redes.

Por esta razão, a oposição a Huawei e Tik-Tok, exemplos bem sucedidos de penetração chinesa, tem sido combatida como uma alegação de espionagem, quando, na verdade, se trata de proteção e controle geopolítico.

4) A supremacia chinesa não significa o declínio americano, como vulgarmente se costuma falar. Quem é grande nunca perde totalmente sua grandeza. A sociedade chinesa, quando alcançar o maior PIB do planeta, vai continuar dependendo da inovação americana, e se posicionando como prescrutadora do avanço comandado pelos EUA porque possui instituições que a China não pode imitar em conteúdo, limitando-se à subalternidade de repetir seu sucesso sem a possibilidade de impor padrões ao Ocidente. Mais adiantado que a China, o Japão se associou à ideia de ator coadjuvante, e nada indica que a China sairá deste papel. Vamos supor que a China faça uma descoberta científica singular, revolucionária. O Ocidente não teria direito à imitação repetindo o que a China fez na violação de patentes de produtos industriais durante décadas? Isto pode acontecer, e nada indica que não ocorrerá.

5) O determinismo capitalista de que somente a economia liberal seria capaz de produzir riqueza foi usada como aposta de que a China, pelo crescimento de sua classe empresarial iria se tornar uma democracia, frustração que se mantém até hoje. O problema do Ocidente foi a incapacidade de entender o resto do mundo. A chamada modernidade imposta pela revolução industrial, a construção da democracia e superação dos limites nacionais nos moldes conhecidos atualmente, mostra claramente que o Ocidente nunca conseguiu entender os outros por um contraste de valores que está além da razão formal. E incluo entre estes outros a América Latina, a quem Samuel Huntington dizia não pertencer ao mundo Ocidental. Tinha razão Huntington e todos quantos constataram que o mundo ibérico não tinha passado pelo Iluminismo, embora aquilo que a elite intelectual universitária americana escreve sobre a identidade latino-americana continua no vácuo da incompreensão. Valores calcados em um atavismo antimoderno dificilmente são compreensíveis.

A história da China mostra uma singular regularidade na questão do Poder, tal como a do Brasil, e este fato não pode ser desprezado na constituição da mentalidade do povo que a sustenta.

Por esta razão, o centralismo, a natural subordinação ensinada pelo confucionismo, a aceitação milenar de que o bom dirigente, imperador ou príncipe agindo corretamente representa o destino certo da nação pela sedimentação de sua cultura milenar através das dinastias sucessivas, ao serem transplantadas para o regime comunista tem a mesma natureza que nosso mundo colonial transplantado para a República, cujas modificações de forma não eliminaram certas essências culturais que são resíduos permanentes em nossas instituições. Teria a China um passado cultural tal que lhe impediria de sair de sua própria armadura milenar de mando, tal como o Brasil de sua impotência?

O Ocidente nunca foi exclusivista de seu progresso. No Império Romano, depois nas repúblicas mediterrâneas, as relações com o Levante foram semelhantes ao do mundo atual com o Pacífico oriental. O colonialismo, uma atitude do Ocidente em movimento para fora de sua esfera, criou relações que anteciparam a consolidação do comércio mundial e nada indica que o isolamento preconizado pelos setores nacionalistas possam representar um ganho de causa para o desenvolvimento brasileiro, exceto situar o Brasil no marasmo que lhe caracteriza como nação imobilizada em seus próprios preconceitos.

Sem querer me apresentar como um entendedor da China, li o livro de Wolfram Eberhard buscando estas particularidades e selecionei alguns trechos característicos, antecipando que não acredito em uma ameaça militar chinesa de dominação sobre o Brasil, como apregoam os círculos bolsonaristas:


A History of China – Wolfram Eberhard

Quando, após o holocausto dos livros*, se desejou reunir novamente os clássicos antigos, foram encontrados textos em circunstâncias estranhas nas paredes da casa de Confúcio; eles foram escritos em uma escrita arcaica. As pessoas que se ocupavam com esses livros eram chamadas de velha escola de caracteres. Os textos ficaram sob suspeita; a maioria dos estudiosos acreditava pouco em sua autenticidade. Wang Mang, no entanto, e seus seguidores apoiaram energicamente o culto desses escritos antigos. Os textos foram editados e publicados, e no processo, como agora pode ser visto, certas coisas foram contrabandeadas para eles que se encaixavam bem com as intenções de Wang Mang. Ele (Wang Mang) até mandou reeditar outros textos com falsificações.

[* O holocausto dos livros é uma referência à queima de milhares de livros durante a dinastia Qin entre 213 a.C a 206 a.C. motivada por razões que explico em meu A Insondável Matéria do Esquecimento, onde trato do descontentamento como uma questão ontológica que gerou na intelectualidade chinesa a busca de uma utopia social capaz de provocar a intervenção do poder imperial no mundo acadêmico, como reação à inquietação social dos intelectuais com a realidade do tempo presente].


…. ou Wang Mang interpretou trechos completamente errados em um texto antigo para se adequar ao seu propósito, ou ele havia contrabandeado para o texto o que lhe convinha. [Wang Mang foi um oficial da Dinastia Han que usurpou o trono chinês à família Liu e fundou a Dinastia Xin, governando entre os anos 9 A.C e 23 D.C.]

Não há dúvida de que Wang Mang e seus cúmplices começaram falsificando e enganando deliberadamente. A grande série de leis de Wang Mang trouxe-lhe o nome de "o primeiro socialista no trono da China".


A proibição da posse privada de escravos tinha um propósito semelhante, o estado reservando para si o direito de manter escravos.
[Uma curiosidade que achei digna de nota, como contraste com nosso passado.]


[Política atual da China repetindo o período Han (206 a.C. até 220 d.C.):]
Além disso, a drenagem da renda nacional não era mais grave porque, no período intermediário, assentamentos regulares chineses foram plantados no Turquestão, incluindo mercadores chineses, de modo que o comércio não ficou mais inteiramente nas mãos de estrangeiros.


Os mercadores usavam os mosteiros budistas como bancos e depósitos de materiais.


Acima dessas estavam as famílias prestadoras de serviços (tsa-hu), que eram cadastradas nos locais de residência, mas tinham de realizar determinados serviços; aqui encontramos "famílias de sepulturas" que cuidavam dos túmulos imperiais, famílias de pastores, famílias de correios, famílias de fornos, famílias de adivinhos, famílias médicas e famílias de músicos. Cada uma dessas categorias de plebeus tinha suas próprias leis; cada um tinha que se casar dentro da categoria. Nenhum casamento misto ou adoção foi permitido. É interessante observar que uma fixação semelhante do status social dos cidadãos ocorreu no Império Romano a partir de 300 DC em diante.

[O antigo modelo tecnológico de repasse do conhecimento dentro do meio familiar impediu a revolução industrial até o século em que a ciência teórica se alicerçou em criações as vezes institucionais, as vezes espontâneas, no final do período absolutista. Até então, a tecnologia confinada à famílias ou guildas, nunca saíra fora de seus limites empíricos. A Revolução Industrial é a convergência do espírito científico aberto, isto é, de ideias circulantes na Europa, com a experimentação prática].


É importante notar que neste período, pela primeira vez, foi criado um ministério para assuntos religiosos que lidava principalmente com mosteiros budistas. Embora, após o período Toba, esse cargo para assuntos religiosos tenha desaparecido novamente, essa ideia foi retomada mais tarde pelo Japão, quando o Japão aceitou uma administração do tipo chinês.


Mas a velha música chinesa desapareceu tanto no sul como no norte, onde trupes dançantes e mulheres músicas das colônias comerciais ... estabeleceram a música do Turquestão ocidental.

[Impressiona a influência do Turquestão na China em todos os assuntos, especialmente na burocracia governamental.]


Nesta época, o budismo ajudou a criar os primeiros primórdios do capitalismo em grande escala. Em conexão com o crescente comércio exterior, os mosteiros cresceram em importância como repositórios de capital; os templos compraram cada vez mais terras, tornaram-se cada vez mais ricos e, assim, ganharam crescente influência nos assuntos econômicos. Eles acumularam grandes quantidades de metal, que armazenaram na forma de figuras de bronze de Buda, e com esses estoques exerceram influência controladora sobre o mercado monetário. Há uma sucessão constante de registros do peso total das figuras de bronze, como indicação do valor monetário que representavam.

É interessante observar que templos e mosteiros também adquiriram lojas e tiveram renda com o aluguel delas. Além disso, operaram muitos moinhos, assim como os proprietários de propriedades privadas e, assim, controlaram o preço da farinha e do arroz polido.

[No livro Sor Juana Inês de la Cruz ou as Armadilhas da Fé, Octavio Paz fornece um quadro das atividades econômicas dos conventos e mosteiros no século XVII mexicano. Surpreende saber que eram unidades econômicas ativas, autônomas e prósperas.]


Outro evento desta época deve ser mencionado: a grande perseguição ao budismo em 955, não apenas porque 30.336 templos e mosteiros foram secularizados e apenas 2.700 com 61.200 monges restaram. Embora a razão imediata para esta ação pareça ter sido o fato de muitos homens entrarem para os monastérios para evitar serem recrutados como soldados, o efeito da lei de 955 foi que a partir de então os budistas foram submetidos a regulamentos que esclareceram de uma vez por todas sua posição no quadro de uma sociedade que tinha por objetivo definir claramente o status de cada indivíduo dentro de cada classe social.


Tudo isso significou uma enorme diminuição do número de camponeses livres e, portanto, de contribuintes. Como o estado estava envolvido em mais despesas do que no passado devido ao grande número de mongóis que eram virtualmente seus pensionistas beneficiários, os impostos tinham de ser aumentados continuamente.


Os muitos mercadores do exterior, especialmente os pertencentes aos povos aliados dos mongóis, também tinham em todos os aspectos uma posição privilegiada na China. Eles eram isentos de impostos, livres para viajar em todo o país e recebiam tratamento privilegiado no uso de meios de transporte.

Embora os mongóis tenham desenvolvido o teatro, o romance pode ser considerado típica criação Ming. Seus precursores foram as narrativas de contadores de estórias séculos atrás. Eles desenvolveram muitos estilos, um dos quais, por exemplo, consistia em prosa com partes poéticas intercaladas (pienwen). Monges budistas haviam usado essas formas de literatura popular e espalhado seus ensinamentos de formas semelhantes; devido a eles, muitas histórias e contos indianos encontraram seu caminho para o folclore chinês. Logo, essas narrativas de contadores de estórias ou de monges foram escritas e a partir delas se desenvolveu o romance clássico chinês. Que preservou muitos traços das estórias: foi dividido em capítulos correspondentes às interrupções que o narrador fazia para arrecadar dinheiro, intercalado com poemas. Mas, acima de tudo, foi escrito na linguagem cotidiana, não na linguagem da pequena nobreza.

Todo chinês também conhece o grande romance satírico Hsi-yu-chi ("The Westward Journey"), de Feng Menglung (1574-1645), em que o tratamento irônico é dispensado a todas as religiões e seitas com um fundo mitológico, com uma liberdade que não teria sido possível antes. Os personagens não são apresentados como indivíduos, mas como representantes dos tipos humanos: o intelectual, o hedonista, o homem piedoso e o simplório, são desenhados com habilidade incomparável, com seus méritos e defeitos. Um terceiro romance famoso é San-kuo yen-i ("O Conto dos Três Reinos"), de Lo Kuan-chung. Assim como a classe média europeia lia com avidez os romances de cavalaria, a classe abastada na China se entusiasmava com as imagens romantizadas da luta da pequena nobreza no século III. "O Conto dos Três Reinos" tornou-se o modelo para incontáveis ​​romances históricos de seu próprio período e dos períodos subsequentes. Mais tarde, principalmente no século XVI, o romance sensacional e erótico se desenvolveu, principalmente em Nanquim.


O mais conhecido dos romances eróticos é o Chinp'ing-mei que, por razões de nossos próprios censores, só pôde ser publicado em traduções expurgadas. Foi escrito provavelmente no final do século XVI. Este romance, como todos os outros, foi escrito e reescrito por muitos autores, de modo que existem muitas versões diferentes.


(1460). Os quarenta anos seguintes foram cheios de lutas entre panelinhas, que cresceram constantemente em ferocidade, especialmente desde que um escritório especial, uma espécie de quartel-general da polícia secreta, foi instalado no palácio, com funções que se estendiam para além do palácio, resultando em que muitas pessoas foram presas e desapareceram.


(1517) Este foi o ano em que o português Fernão Pires de Andrade desembarcou em Cantão – o primeiro europeu moderno a entrar na China.


Em 1601, o jesuíta Matteo Ricci, conseguiu obter acesso à corte chinesa, por intermédio de um eunuco. Ele deu alguns presentes, e os chineses consideraram sua visita uma missão da Europa para homenagear a corte. Ricci teve, portanto, permissão para permanecer em Pequim. Ele era um astrônomo e foi capaz de demonstrar aos seus colegas chineses as últimas conquistas da astronomia europeia.


Por seus trabalhos astronômicos, Ricci ganhou um lugar de honra na literatura chinesa; ele é o europeu mais mencionado.


Os empresários certamente tinham capital suficiente, mas investiam em terras ao invés de investirem em indústrias que poderiam a qualquer momento ser expropriadas pelo governo, controladas pelos funcionários ou obrigados a vender a preços fixos, e sempre sujeitos a exploração por funcionários desonestos.


Na pintura, a influência europeia logo se mostra. O exemplo mais conhecido disso é Lang Shih-ning, um missionário italiano cujo nome original era Giuseppe Castiglione (1688-1766); começou a trabalhar na China em 1715. Aprendeu o método chinês de pintura, mas introduziu uma série de truques técnicos de pintores europeus, que foram adotados em geral na China, especialmente pelos pintores oficiais da corte:


Os primeiros imperadores manchus foram tão generosos nesse assunto quanto os mongóis, e permitiram que os estrangeiros trabalhassem em paz. Eles mostraram interesse especial pela ciência europeia introduzida pelos missionários; e tinham menos simpatia por sua mensagem religiosa.


Os chineses, um povo fundamentalmente racionalista, considerava a religião uma questão puramente política e, portanto, exigiam que todos os cidadãos participassem da forma oficial de culto. Sujeito a isso, podia pertencer em particular a qualquer outra religião. Para um muçulmano, isso era impossível e intolerável. Os maometanos só estavam dispostos a praticar sua própria religião e se recusavam terminantemente a participar de qualquer outra. Os chineses também tentaram aplicar ao Turquestão outros assuntos a mesma legislação que se aplicava a toda a China, mas isso se mostrou irreconciliável com as exigências feitas pelo Islã a seus seguidores. Tudo isso produziu contínua inquietação.
[Este conflito está presente no Ocidente nos dias atuais com a migração muçulmana, portanto uma mera repetição do passado dentro do pensamento chinês].


Em 1895 e em 1896, um erudito, K'ang Yo-wei, que foi admitido na presença do imperador, apresentou-lhe memorandos nos quais clamava por uma reforma radical.


Mas eles despertaram o maior ódio na pequena nobreza conservadora e também nos reformadores moderados.


Já mencionamos que, devido ao aumento da penetração dos produtos e ideias europeus, o Sul da China tornou-se mais progressista do que o Norte; isso aumentou a tensão já existente por outras razões entre o norte e o sul.


O confucionismo rejeitou o princípio, exigido pelo menos em teoria pela classe média, da igualdade de todas as pessoas; em segundo lugar, o sistema confucionista de grande família era irreconciliável com o individualismo da classe média, independentemente do fato de que a forma confucionista de estado só poderia ser uma monarquia.


Com o confucionismo formaram-se os padrões morais, especialmente das classes superiores da sociedade. O taoísmo estava fora de questão como substituto, por causa de seu caráter anarquista e egocêntrico. Consequentemente, nesses anos, parte da pequena nobreza se voltou para o budismo e parte para o cristianismo.


Ao mesmo tempo, um verdadeiro trabalho científico foi feito; muitos jovens acadêmicos de notável habilidade foram treinados nas universidades chinesas, muitas vezes melhor do que os estudantes que foram para o exterior. Há um desentendimento permanente entre esses dois grupos de jovens com educação moderna: os alunos que voltam do exterior afirmam serem melhores educados, mas na realidade muitas vezes eles têm apenas um conhecimento muito superficial das coisas modernas e nenhum conhecimento da China, sua história e suas circunstâncias especiais. Os alunos das universidades chinesas foram muito melhor instruídos em todas as coisas que dizem respeito à China, e a maioria deles não está de forma alguma atrás dos alunos de ciência moderna que retornaram.


Como o chinês, devido ao caráter de sua escrita, é incapaz de escrever palavras estrangeiras com precisão e não pode fazer mais do que fornecer uma paráfrase um tanto grosseira, começou a prática de expressar novas ideias por palavras nativas recém-formadas. Assim, o chinês moderno tem muito poucas palavras estrangeiras e, ainda assim, contém todas as novas ideias. Por exemplo, um telegrama é uma "carta-relâmpago"; um telegrama sem fio é uma "comunicação relâmpago sem fio"; uma caneta-tinteiro é um "pincel de jato de tinta com fluxo próprio"; uma máquina de escrever é uma "máquina de bater". A maioria desses neologismos é semelhante nas línguas modernas da China e do Japão.


[A tradição dinástica recusa os ideais republicanos:]
Os primeiros levantes de unidades militares começaram no início de 1912. Os governadores e generais que queriam tornar-se independentes sabotaram todos os decretos do governo central; especialmente eles não enviaram dinheiro das províncias e também se recusaram a dar seu consentimento a empréstimos estrangeiros.


A província de Cantão, verdadeiro berço do movimento republicano e centro do radicalismo, declarou-se em 1912 uma república independente.


[Aqui enfim se revela o caráter milenar dinástico, reproduzido por Xi Jin Ping:]
Enquanto isso, Yüan Shihk'ai havia feito todos os preparativos para transformar a República mais uma vez em um império, do qual seria o imperador; o império seria baseado mais uma vez no grupo da pequena nobreza. Em 1914, ele conseguiu uma emenda à Constituição segundo a qual o poder governante deveria estar inteiramente nas mãos do presidente; no final de 1914, ele garantiu sua nomeação como presidente vitalício, e no final de 1915 induziu o parlamento a decidir que ele deveria se tornar imperador.


[O livro destaca o retorno à tradição:]
As dificuldades cresceram tanto em 1917 que se instalou uma ditadura e logo em seguida ocorreu um interlúdio, a reconvocação dos Manchus e a reintegração do imperador deposto (1 a 8 de julho de 1917).


Havia ainda outro homem, o Diretor da Biblioteca da Universidade, Li Ta-chao, que se voltou para o comunismo. Com ele encontramos um de seus funcionários na Biblioteca, Mao Tse-tung. Na verdade, o núcleo do Partido Comunista, que foi oficialmente criado em 1921, era uma organização estudantil, incluindo alguns professores em Pequim.


Tanto Taiwan quanto a China continental desenvolveram-se com extrema rapidez. As razões não parecem residir apenas na forma de governo, pois as pré-condições para uma "decolagem" existiam na China já na década de 1920, se não antes.


Uma vez que um governo estável surgisse, o desenvolvimento nacional, fosse privado ou socialista, poderia progredir em um ritmo rápido.


Assim, o desenvolvimento da China comunista não é um milagre, possível apenas por causa de sua forma de governo. O que é incomum na China comunista é o fato de ser a única nação que possui uma cultura própria altamente desenvolvida que a descartou em favor de uma estrangeira.


Uma escola de analistas acredita que o atrito entre a Rússia soviética e a China comunista indica que o comunismo chinês se tornou chinês. Esses homens apontam que as práticas comunistas chinesas são frequentemente continuações diretas das práticas, costumes e atitudes chinesas anteriores. E eles preveem que essa tendência continuará, resultando em uma forma de socialismo ou comunismo distintamente diferente do encontrado em qualquer outro país. Outra escola, no entanto, acredita que o comunismo precede o "sinismo" e que o regime irá lentamente eliminar características que antes eram típicas da China e substituí-las por instituições desenvolvidas a partir do pensamento marxista.


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