quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Fragmentos 4


Rollo May – Love and Will

Pg. 84: … Harry Stack Sullivan deu abundantes evidências que nós amamos os outros na extensão que somos capazes de amar a nós mesmos, e se não temos estima por nós, não podemos estimar ou amar os outros.

Misterium tremendum

Rollo May – Pg. 131: falando sobre a ascensão de Hitler na Alemanha e a indiferença das nações do Oeste frente as condições para o aparecimento do nazismo disse: “nosso erro foi deixar nossas convicções limitar nossas percepções”.

Crisipa

Pg. 133: “A ideia de Jung de que o lado sombrio do self que é negado representa o sexo oposto, a anima no caso dos homens, e no caso das mulheres, a animus. O que é especialmente interessante é que o termo animus significa ambos um sentimento de hostilidade, uma violenta intenção malévola (animosidade), e também animar, dar espírito a, vivificar. Todos os termos tem suas raízes no latim anima, alma ou espírito. Assim, a sabedoria das palavras, destilada através da história humana, é que a parte negada de nós é a fonte de hostilidade e agressão, mas quando se pode através da consciência integrá-la na nossa auto-estima, se torna a fonte de energia e espírito que vivifica-nos”.

Pg. 138: Satã, o demônio, vem da palavra grega diabolos: interessantemente diabolos significa literalmente “arrasar” (dia-bollein). É fascinante notar que este diabólico é o antônimo de “simbólico”. Este último vem de sym-bollein e significa juntar, unir. Nestas palavras estabelecem-se implicações tremendas com respeito a ontologia do bem e do mal. O simbólico é aquilo que aproxima, liga, integra o indivíduo em si mesmo e com seu grupo; o diabólico em contraste, é aquilo que desintegra e separa. Ambos estão presentes no daimônico.

Pg. 141: o velho Goethe estava continuamente cativado pelo daimônico e discutia-o exaustivamente. Não é meramente natureza, ele acreditava, mas também destino; ele se guia para significantes encontros – como sua amizade com Schiller – e produz grandes homens. Para ver a justificação experimental para esse ponto, temos somente que lembrar que grandeza consiste em estar no “lugar certo na época certa”; e um encontro entre um homem de qualidades particulares e as necessidades particulares de uma época. Homens de talento são forjados pela situação histórica (vide a tese de Tolstói em Guerra e Paz) e lançados à grandeza. Eles são usados pela história com a mesma função que a natureza neste ponto.

Pg. 186: Nosso curioso dilema é que o mesmo processo que faz o homem moderno tão poderoso – o magnífico desenvolvimento da energia atômica e outras energias técnicas – é o mesmo processo que nos deixa impotente. Que nossos desejos sejam frustrados é inescapável. E que seja dito por muita gente “a vontade é de qualquer forma uma ilusão” parece somente uma repetição do óbvio. Nós ficamos presos, como Laing disse, num “inferno de passividade frenética”.


Carlos U Pozzobon — Anotações Esparsas

Nacos:
Pinguço – indivíduo dado a pinga, cachaceiro.
Fodelança.
Pezunhos – pés grandes e malfeitos.
Rutilar – tornar rútilo – fazer brilhar muito.
Arrebóis do crepúsculo – vermelhidão do sol.
Mexinflório – trapalhada, confusão, desordem.
Túrgido – dilatado pelos humores, túmido, inchado.

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7/1/85: Lentitude amazônica – marasmus
A diferença entre farsa e fraude é que a primeira é mais abrangente. É um estado psíquico do homem interagindo na sociedade em função de interesses ou crenças. A fraude é a violação de uma lei ou conduta moral estabelecidas, um subconjunto da farsa.

Quando 90% do que acontece ao nosso redor é falsificado, acabamos falsificando a nós mesmos. A maior parte da ansiedade no mundo contemporâneo deve ter origem na incerteza que nossa consciência não suporta por excesso de auto-engano. E quanto mais somos logrados pelo sistema político-burocrático, mais internalizamos dúvidas que vão nos roendo até o absurdo. A farsa é também uma festa, a licenciosidade do espírito humano em contravenção de uma ordem rejeitada nas entranhas psíquicas dos seres humanos que violam procedimentos e ordens com um prazer catártico, com a coceira do riso.

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Não sabemos de onde viemos nem para onde vamos. Na vida mais interior do homem está o obscuro. É esse muro inexpugnável que é arrancado para fora pela obra de arte. E somente a arte pode ser para o homem a expressão de uma clareza, de uma forma de reconstituição da originalidade desconhecida.

A literatura é uma forma de vida introspectiva. Não se confunde com a vida falante, embora o diálogo possa ser um instrumento aliado. Mas ainda é a capacidade de pensar e converter fragmentos da vida imaginária em um texto coeso que dá força e vida a narrativa. Ela é o estudo dos meios de expressão, não utilitarismo técnico.

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A diferença entre latino-americanos e norte-americanos é que na América Latina começa-se a ser da oposição no curso secundário e isso continua por toda a vida. Em consequência a vida é recheada de idealizações e a atividade imaginária ganha supremacia sobre as condições de vida real. Daí porque a nossa literatura tem sua excelência no fantástico.

A morte da admiração

Vivemos um mundo atravessado por crises onde dia a dia parece desaparecer as grandes personalidades. Já não admiramos mais a ninguém porque escasseiam as grandes lideranças, homens de capacidade intelectual e moral que possam sensibilizar as grandes massas. É como se estivéssemos atolados no terreno da mediocridade, das mesquinharias redundantes, das contemporizações néscias.

FARSA: ditaduras não existiriam se não fossem coroadas com uma pomposa retórica! É essa farsa linguística que permite aos tiranos enganar-se a si mesmos e obscurecer a razão humana e o bom-senso. Está na hora de sermos sérios e mostrar com toda ênfase que demagogia não dá arte.

27/12/84
Que é a fé?
É um tipo de racionalidade enferma que impede os homens de rirem de si mesmos. Não é portanto matéria de religião, como comumente se pensa, mas a busca e expressão de fundamentos racionais para um argumento assumido como verdade. Se por trás de nossos conceitos não houvesse a persistência dos dogmas, os homens ririam com muito mais espontaneidade.

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13/2/85:
Do livro sobre Modigliani:
“André Salomon reiterava sua teoria que o talento de Modigliani era devido diretamente ao seu deboche: enquanto era sóbrio e moralmente reto, não mostrou nada que produzisse uma carreira brilhante! No dia em que se abandonou a certas formas de deboche, uma inesperada luz lhe iluminou, transformando sua arte. Daí por diante, tornou-se alguém que pode ser considerado um mestre das artes visuais”.

Modigliani teria se tornado um artista ainda maior se tivesse controlado sua auto-indulgência. Álcool e drogas aliviam a tensão e aumentam a auto-confiança em pessoas tímidas.

Do mesmo livro: Naturalia non sunt turpia – as coisas naturais não são más em si.
Sam Sanders – visions [grande jazzista de Detroit]
Um mínimo de voz e um máximo de palavras [julgo que o contrário seria melhor]
Nietzsche – On genealogy of morals, pg. 272: O decadente necessita da mentira – é uma condição de sua preservação.

Carrancudo escrutínio – basbaquices encardidas – conversa pra boi dormir.
sotreta / bem que eu reparei / tem parecença / macanudo / nas andanças / pois daquela feita a indiada / trotezito / Ué! / Isso é jeito? / guacho / não le dá / o brabo é botar ferradura nesses estudantes xucros / quero que a isso se atente / desgraça pouca é bobagem / de jeito maneiras / vou lhes dar uma lembrancinha / este povo precisa se conhecer / me pialei / isto aqui não é fandango / ainda vá / lobisomem estudante mau / olhando feio / quanto mais petiço miúdo mais caborteiro / de já hoje / escarapela / incumbença / fazendo maroteza isquizita / sumanta de pau / Vadesmério
literatura para ser lida no púlpito, frugalidade verbal protestante – escambau – minudência – pormenor – observação escrupulosa – exame atento -
Meteu a cabeça fora da barraca como uma tartaruga saindo de sua casamata.
Entre os homens e os animais e a constituição possível de semelhanças metafóricas, o riso nasce da ideia de forma.
Na tonga da mironga do caburetê
Nomes do tempo de Heródoto: Ariobarzanes, Sardanapalus, Trasibulus, Trasipus, Ecfantides, Tigelinus.
Os homens são corruptos por terem muita ambição e pouca inteligência.
Silvana se parece com uma mangansona.
Conversador – conservador.


Petronius – Satyricon

Pg. X – origem da palavra sátira

A diferença entre tradicionalismo e folclore: folclore recolhe a arte do passado, enquanto o tradicionalismo, o costume. O primeiro é liberador, enquanto o segundo é conservador.

Nacos:
Cominativo – impor pena por infração.
Gemebunda.
Orto-caritatis.
Oneirose, hipnose leve, caracterizada pelo exercício de controle.
Oneomancia – desejo mórbido, impulsivo de fazer compras, adquirir coisas.
Cor: negro azulado draculense
O pó das palavras – parvenu – corcoroca -crocoroca – diabrulinices – tipo jacu.

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OLHANDO UMA CRIANÇA
Certa vez em Lima caminhando pelas ruas vi umas crianças jogando água uma nas outras com uma mangueira. Lembrei-me que costumava fazer aquilo nas tardes de verão quando aos sábados lavava o refeitório e a calçada do Hotel Primavera.
Nesse mundo em que a conquista de uma individualidade nos faz diferentes dos demais — e onde o assombro e o pânico nos deixam irremediavelmente estranhos uns aos outros, são as crianças a nossa primeira identidade. Todas as crianças somos nós no passado. O homem que contempla e acompanha uma criança contempla a si mesmo, penetra na máquina do tempo e fica curioseando sua imagem refletida sempre com um sorriso atento a si mesmo.

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Desconfio que a obsessão pela organização social do marxismo contemporâneo tenha um elemento fascista oculto. O homem livre, econômica e moralmente, sempre tende a viver com uma certa desordem, provavelmente provocada por seus instintos irracionais, sua extravagância intrínseca e natural à sua condição. É exatamente essa desordem que os jesuítas da Nova Ordem não toleram, e no fundo a veem como decadência moral. Numa sociedade com um certo grau de prosperidade econômica e liberdade individual, é possível que as pessoas prefiram investir parte de seus recursos com afrodisíacos; que hajam borrachos e boêmios, seresteiros e prostitutas, artistas e drogados, músicos e rufiões. Isto é, não se pode querer pureza moral e responsabilidade social de todos os cidadãos. Somente o espírito filisteu tem horror ao barulho social, a vibração sonora da liberdade, mas é capaz de suportar com indiferença a parafernálida ruidosa da tecnologia. É o fascismo tecnocrático. Aguentam com naturalidade os auto-falantes e não são capazes de suportar os próprios intestinos.

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Nacos:
O Estado, esse inventor de iniquidades...
A harmonia das esferas (seios, nádegas).....
Olhirridente – olhos alegres risonhos
encafurnado – ínclitas pronicidades
Uma pivica – calavera -lambuja
Chimango – chorumela – homo gauchus – escarafunchar
putativo – que aparenta ser o verdadeiro, legal e certo, sem o ser: suposto, reputado, pai putativo.

Garcia, sem o saber, com suas manias de pescarias, tinha uma obsessão pelo paleolítico, gostava de fazer aquilo que nossos ancestrais fizeram há 25 mil anos atrás.

Nacos:
Negro carapincho
acracia – 1. ausência de autoridade, desordem; 2. anarquia
Ruben Dario propõe uma estética acrática.
Canéfora – figura esculpida de mulher com um cesto na cabeça, usada não raro como cariátide. Propileu – porta principal dos templos gregos.


Ruben Dario — Prosas Profanas ‐ Coleción Austral, 404 – 1964 – 5a ed.

Ama tu ritmo


Ama tu ritmo y rima tuas acciones
bajo su ley, asi como tus versos
eres un universo de universos
y tu alma uma fuente de canciones

La celeste unidad que presupones
hará brotar em ti mundos diversos,
y al resonar tus números dispersos
pitagoriza em tus constelaciones

Escucha la retorica divina
del pájaro del aire y la nocturna
irradiación geométrica advina

Mata la indiferencia taciturna
y engarza perla y perla cristalina
em donde la verdad vuelca su urna


Ruben Dario — Cantos de Vida y Esperanza ‐ Coleccion Austral nr 118 – 1967

Pg. 13: “A história de uma juventude cheia de tristezas e de desilusão, apesar dos sorrisos primaveris; a luta pela existência, desde o começo, sem apoio familiar, nem ajuda de mão amiga; a sagrada e terrível febre da lira; o culto do entusiasmo e da sinceridade contra as armadilhas e traições do mundo, do demônio e da carne; o poder dominante e invencível dos sentidos em uma idiossincrasia acalentada pelo sol dos trópicos no sangue mesclado de espanhol e chorotega ou nagrandano [línguas indígenas da América Central]; e semente do catolicismo contraposto a um tempestuoso instinto pagão, complicado com a necessidade psicofisiológica de estimulantes modificadores do pensamento, perigosos combustíveis, supressores de perspectivas afligentes, mas que põem em risco a máquina cerebral e a vibrante túnica dos nervos”.

Tarde del trópico

En la tarde gris y triste
Viste el mar de terciopelo
y el cielo profundo viste
de duelo

Del abismo se levanta
la queja amarga y sonora
La onda, cuando el viento canta,
lhora.

Los violines de la bruma
saludan al sol que muere.
Salmodia la blanca espuma:
miserere

La armonia del cielo inunda,
y la brisa va a llevar
la canción triste y profunda
del mar

Del clarin del horizonte
brota sinfonía rara,
como si la voz del monte
vibrara.

Cual si fuese lo invisible...
cual si fuese lo rudo son
que diese al viento un terrible
león.


30/5/85
Achar que o artista tem coisas que os outros não tem é ilusório, e mais precisamente, equivocado. É o artista que não tem coisas que os outros tem. Falta-lhe a facilidade de resignação, sublimação, aceitação, etc... Talvez o que lhe falta em adequação ele compensa em arte.


RUSSELL — A CONQUISTA DA FELICIDADE

Pg. 138: A metade do trabalho útil do mundo consiste em combater o trabalho nocivo.

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17/6/85
Esses advogados que vão a TV defender a pena de morte, não são eles mesmos movidos por motivações que escondem desejos inconscientes de matar? Não é a punição pela morte uma vontade oculta de crime?

19/6/85 - Nacos:
As envoltórias do sexo
rutilante e túrgido
um pederasta tipo jacu
Espécie de emulsão para equilíbrio de reagentes não miscíveis.
Uma siriricada seguida de uma treparina biotônica rejuvenante.
Festival glutônico
As terríveis explicações do dicionário:
perobão - catatal
xibungo – pederasta passivo
sai pra lá jaburu
meganha – tira, policial
As pílulas da parvalice.
Momentariamente – guaribada – calibragem – bichado – calhorda – abobado da geringonça – os caminhos que vociferam
HIPALAGE – figura pela qual se atribui a cada palavra o que concerne logicamente a outra da mesma frase. Ex: em cada olho um grito castanho de dor.
HIPERBATO: Inversão da ordem natural das palavras ou das orações.
Não se pode confundir a homilética – a arte de pregar sermões religiosos – com a omelética – a arte de fazer omeletes.
Horribile dictu
hipocéfalo – que tem a cabeça alta.
Fulustreco – designação para coisa desconhecida
Fementido. Que mentiu a fé jurada
fibrilação
O assanhado insurgente – pênis
zanzando + andando = zandando
Toda cultura é polifônica
Não fresqueia – jararaca – criança com fita amarela – escroncho – pundonoroso – bangornaço
bluestocking – col. Mulher literata ou de gosto intelectual, sabichona.


Friederich Nietsche — On Genealogy of Morals

Em alemão 'Eleud' (miséria) significa originalmente exílio – Nietszche – G. M. pg. 71

Pg. 85: “O Homem que, pela falta de inimizades externas e resistências é forçosamente confinado à estreiteza e meticulosidade do costume, impacientemente lacerado, perseguido, corroído, assaltado e maltratado a si mesmo; este animal que se esfrega contra as grades de sua prisão enquanto alguém tenta domá-lo, esta criatura em privação, atormentado com a febre do indomável, que teve de lançar-se à aventura, à câmara de tortura, para uma incerta e perigosa selvageria – este bobo, este enternecido e desesperado prisioneiro tornou-se o inventor da “má-consciência”. Assim começa a mais grave e desfavorável enfermidade, da qual a humanidade ainda não se curou, o homem sofrendo do homem, dele mesmo – o resultado de uma forçosa separação de seu passado animal, como se fosse um salto e mergulho em novas proximidades e condições de existência, uma declaração de guerra contra os velhos instintos, no qual sua força, regozijo e desagradabilidade se coloca desde então”.

Pag 88:Guardemo-nos de fazer pouco-caso desse fenômeno [a má consciência], por ser já de início feio e doloroso. No fundo é a mesma força ativa, que age grandiosamente naqueles organizadores e artistas da violência e constrói Estados, que aqui, interiormente, em escala menor e mais mesquinha, dirigida para trás, no “labirinto do peito”, como diz Goethe, cria a má consciência e constrói ideais negativos, é aquele mesmo instinto de liberdade (na minha linguagem: a vontade de poder): somente que a matéria na qual se extravasa a natureza conformadora e violentadora dessa força é aqui o homem mesmo, o seu velho Eu animal — e não, como naquele fenômeno maior e mais evidente, o outro homem, outros homens. Essa oculta violentação de si mesmo, essa crueldade de artista, esse deleite em se dar uma forma, como a uma matéria difícil, recalcitrante, sofrente, em se impor a ferro e fogo uma vontade, uma crítica, uma contradição, um desprezo, um Não, esse inquietante e horrendamente prazeroso trabalho de uma alma voluntariamente cindida, que a si mesma faz sofrer, por prazer em fazer sofrer, essa “má consciência” ativa também fez afinal — já se percebe —, como verdadeiro ventre de acontecimentos ideais e imaginosos, vir à luz uma profusão de beleza e afirmação nova e surpreendente, e talvez mesmo a própria beleza... Pois o que seria “belo”, se a contradição não se tornasse primeiro consciente de si mesma, se antes a feiura não houvesse dito a si mesma: “eu sou feia”?... Isso ao menos tornará menos enigmático o enigma de como se pôde insinuar um ideal, uma beleza, em noções contraditórias como ausência de si, abnegação, sacrifício; e uma coisa sabemos doravante, não tenho dúvida — de que espécie é, desde o início, o prazer que sente o desinteressado, o abnegado, o que se sacrifica: este prazer vem da crueldade. — Apenas isso, no momento, sobre a origem do “não-egoísmo” como valor moral, e para delimitação do terreno no qual ele cresceu: somente a má consciência, somente a vontade de maltratar-se fornece a condição primeira para o valor do não-egoísmo.

Pg 121 e segts — Se é normal a condição doentia do homem — e não há como contestar essa normalidade —, tanto mais deveriam ser reverenciados os casos raros de pujança da alma e do corpo, os acasos felizes do homem, tanto mais deveriam ser os bem logrados protegidos do ar ruim, do ar de doentes. Isto é feito?

Os doentes são o maior perigo para os sãos; não é dos mais fortes que vem o infortúnio dos fortes, e sim dos mais fracos. Isto é sabido?

Grosso modo, não é absolutamente o temor ao homem, aquilo cuja diminuição se poderia desejar: pois esse temor obriga os fortes a serem fortes, ocasionalmente temíveis — ele mantém em pé o tipo bem logrado de homem. O que é de temer, o que tem efeito mais fatal que qualquer fatalidade, não é o grande temor, mas o grande nojo ao homem; e também a grande compaixão pelo homem. Supondo que esses dois um dia se casassem, inevitavelmente algo de monstruoso viria ao mundo, a “última vontade” do homem, sua vontade do nada, o niilismo. E de fato: muita coisa aponta para isso. Quem para farejar possui não apenas o nariz, mas também os olhos e ouvidos, sente, em quase toda parte aonde vai atualmente, algo semelhante a um ar de hospício, a um ar de hospital — falo, naturalmente, das áreas de cultura do homem, de toda espécie de “Europa” sobre a terra. Os doentios são o grande perigo do homem: não os maus, não os “animais de rapina”. Aqueles já de início desgraçados, vencidos, destroçados — são eles, são os mais fracos, os que mais corroem a vida entre os homens, os que mais perigosamente envenenam e questionam nossa confiança na vida, no homem, em nós. Onde se poderia escapar a ele, àquele olhar velado que nos deixa uma profunda tristeza, àquele olhar voltado para trás do homem deformado na origem, que revela como tal homem fala consigo mesmo — àquele olhar que é um suspiro! “Quisera ser alguma outra pessoa”, assim suspira esse olhar: “mas não há esperança. Eu sou o que sou: como me livraria de mim mesmo? E no entanto — estou farto de mim!”

Neste solo de autodesprezo, verdadeiro terreno pantanoso, cresce toda erva ruim, toda planta venenosa, e tudo tão pequeno, tão escondido, tão insincero, tão adocicado. Aqui pululam os vermes da vingança e do rancor; aqui o ar fede a segredos e coisas inconfessáveis; aqui se tece continuamente a rede da mais malévola conspiração — a conspiração dos sofredores contra os bem logrados e vitoriosos, aqui a simples vista do vitorioso é odiada. E que mendacidade, para não admitir esse ódio como ódio! Que ostentação de grandes palavras e atitudes, que arte de calúnia “honrada”! Esses malogrados: que nobre eloquência flui de seus lábios! Quanta resignação humilde, viscosa, açucarada, flutua em seus olhos! Que desejam realmente? Ao menos representar o amor, a justiça, a superioridade, a sabedoria — eis a ambição desses “ínfimos”, desses enfermos! E como esta ambição torna hábil! Admire-se principalmente a habilidade de falsários com que aí se imita o cunho da virtude, e mesmo o tilintar, o tilintar de ouro da virtude. Eles agora monopolizaram inteiramente a virtude, esses fracos e doentes sem cura, quanto a isso não há dúvida: “nós somente somos os bons, os justos”, dizem eles, “nós somente somos os homines bonae voluntatis [homens de boa vontade]”. Eles rondam entre nós como censuras vivas, como advertências dirigidas a nós — como se saúde, boa constituição, força, orgulho, sentimento de força fossem em si coisas viciosas, as quais um dia se devesse pagar, e pagar amargamente: oh, como eles mesmos estão no fundo dispostos a fazer pagar, como anseiam ser carrascos! Entre eles encontra-se em abundância os vingativos mascarados de juízes, que permanentemente levam na boca, como baba venenosa, a palavra justiça e andam sempre de lábios em bico, prontos a cuspir em todo aquele que não tenha olhar insatisfeito e siga seu caminho de ânimo tranquilo. Entre eles não falta igualmente a mais nojenta espécie de vaidosos, os monstros de mendacidade que buscam aparecer como “almas belas” e exibem no mercado, como “pureza do coração”, sua sensualidade estropiada, envolta em versos e outros cueiros: a espécie de onanistas morais e “autogratificadores”. A vontade dos enfermos de representar uma forma qualquer de superioridade, seu instinto para vias esquivas que conduzam a uma tirania sobre os sãos — onde não seria encontrada, essa vontade de poder precisamente dos mais fracos! A mulher doente em especial: ninguém a supera em refinamento para dominar, oprimir, tiranizar. Nisso a mulher doente nada poupa, vivo ou morto, ela desenterra de novo as coisas mais profundamente enterradas (os bogos dizem: “a mulher é uma hiena”).

Olhe-se o interior de cada família, de cada corporação, de cada comunidade: em toda parte a luta dos enfermos contra os sãos — uma luta quase sempre silenciosa, com pequenos venenos, com agulhadas, com astuciosa mímica de mártir, por vezes também com esse farisaísmo de doente de gestos estrepitosos, que ama mais que tudo encenar a “nobre indignação”. Até nos espaços consagrados da ciência gostaria de fazer-se ouvir esse rouco latido de indignação dos cães doentes, a mordaz fúria e falsidade de tais “nobres” fariseus (— aos leitores que têm ouvidos torno a lembrar aquele apóstolo da vingança berlinense, Eugen Dühring, que na Alemanha de hoje faz o uso mais indecente e repugnante dos “tambores” da moral: Dühring, o maior fanfarrão da moral que existe atualmente, mesmo entre seus iguais, os antissemitas). Estes são todos homens do ressentimento, estes fisiologicamente desgraçados e carcomidos, todo um mundo fremente de subterrânea vingança, inesgotável, insaciável em irrupções contra os felizes, e também em mascaramentos de vingança, em pretextos para vingança: quando alcançariam realmente o seu último, mais sutil, mais sublime triunfo da vingança?

Indubitavelmente, quando lograssem introduzir na consciência dos felizes sua própria miséria, toda a miséria, de modo que estes um dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem talvez uns aos outros: “é uma vergonha ser feliz! existe muita miséria!”... Mas não poderia haver erro maior e mais fatal do que os felizes, os bem logrados, os poderosos de corpo e alma começarem a duvidar assim do seu direito à felicidade. Fora com esse “mundo ao avesso”! Fora com esse debilitamento do sentimento! Que os doentes não tornem os sadios doentes — isto seria o debilitamento — deveria ser o ponto de vista supremo na Terra — mas isto requer, acima de tudo, que os sadios permaneçam apartados dos doentes, guardados inclusive da vista dos doentes, para que não se confundam com os doentes. Ou seria por acaso sua tarefa serem enfermeiros e médicos?

Não poderia haver pior maneira de desconhecer e negar a sua tarefa — o superior não deve rebaixar-se a instrumento do inferior, o pathos da distância deve manter também as tarefas eternamente afastadas! Seu direito de ser o privilégio do sino de plena ressonância diante daquele falho, dissonante, é afinal mil vezes maior: eles somente são os fiadores do futuro, eles somente estão comprometidos com o futuro do homem. O que eles podem, o que eles devem, jamais poderiam poder e dever os enfermos: mas para que eles possam o que apenas eles devem, como poderiam ainda fazer-se de médicos, consoladores, “salvadores” dos enfermos?

Ar puro, portanto! Ar puro! E afastamento de todos os hospícios e hospitais da cultura! E portanto boa companhia, nossa companhia! Ou solidão, se tiver de ser! Mas afastamento dos maus odores da degradação interna e da oculta carcoma da doença!... Para que nós mesmos, meus amigos, ao menos por algum tempo ainda nos defendamos das duas mais terríveis pragas que podem estar reservadas para nós precisamente — a grande náusea do homem e a grande compaixão pelo homem!


Balzac — As Ilusões Perdidas

Pg 11: os filósofos usam palavras grandes parcamente.

Nitimur in vetitum- lutamos pelo proibido. Em Ovídio, A Arte de Amar.

Castigat ridendo mores – Corrige os costumes rindo. Palavras do poeta neolatino Jean de Sauteil, utilizadas pelo arlequim Dominique na inscrição de seu teatro.

Ebriografia – biografia dos borrachos.

Par 17: “Aliás, os excessos em todas as coisas modelam os corpos segundo suas características: a bebedeira, como o estudo, engorda mais os gordos e emagrece mais os magros”.

Pg. 22: “Todas as paixões são essencialmente jesuíticas... A avareza, como o amor, tem o dom da vidência, quanto as contingências futuras; fareja-as e apressa-as“.

Sileno – deus frígio, pai dos sátiros e pai adotivo de Baco.

Pg. 33: “Efetivamente o nosso ridículo, em grande parte, é causado por um belo sentimento, por virtudes ou por faculdades levadas ao extremos... A exaltação, essa virtude na virtude, que cria os santos e inspira os devotamentos ocultos e as poesias brilhantes, transforma-se em exagerações quando dedicada aos nadas da província. Longe do centro onde brilham os grandes espíritos, onde a arte está carregada de ideias, onde tudo se renova, a instrução envelhece, o gosto se corrompe como água estagnada. Na falta de exercício, as paixões migram avolumando as coisas mínimas. Aí está a razão da avareza e dos diz-que-diz que infestam a vida da província.”

Pg. 35: “O sr. Du Châtelet possuía todas as incapacidades exigidas para o seu cargo”.

Pg. 36: “Acreditava-se muito forte em diplomacia, a ciência daqueles que não possuem nenhuma outra e que, por seu próprio vazio, mais profundos parecem; ciência, aliás, bastante cômoda, que se demonstra pelo exercício de seus altos empregos; porque ela precisando de homens discretos, permite aos ignorantes nada dizerem, fecharem em acenos de cabeça misteriosos”.

Pg. 38: “A santa criatura ignorava que lá onde começam a ambição cessam os sentimentos ingênuos”.

Pg. 53: “Verdadeiramente Astolfo é um poço de sabedoria”. Conclusão a propósito de uma personagem que devorara uma frase de Cícero e puxava um assunto qualquer para poder incluí-la.

Pg. 62: “Há momentos na vida em que gostamos de tomar os caminhos mais longos, afim de manter pela marcha o movimento de ideias que nos domina e a cujo influxo queremos nos entregar”.

Pg. 63: “Os êxitos literários só se adquirem na solidão e no trabalho obstinado”. ... “A lenta elaboração das obras do gênio exige a posse de uma fortuna considerável já realizada, ou o sublime cinismo de uma vida pobre”.

Pg. 66: “... todas as grandes aquisições da indústria e da inteligência são feitas com excessiva lentidão e por agregações despercebidas, exatamente como procede a natureza”.

Pg. 68 “O espaço necessário às bibliotecas será uma questão difícil de resolver numa época em que o amesquinhamento geral das coisas e dos homens a tudo atinge, até as habitações”.

Pg. 89: “Há, com efeito, pessoas que não tem o mesmo aspecto nem o mesmo valor quando separadas das pessoas, das coisas, dos lugares que lhe servem de moldura. As fisionomias vivas têm uma espécie de atmosfera que lhe é própria, tal como o claro-escuro dos quadros flamengos é necessário à vida das figuras que o gênio dos pintores ali colocou”.

Pg. 90: Sobre a comida de Paris: “Paris não é nada agradável nessas pequenas coisas a que são condenadas as pessoas de fortuna medíocre”.

Pg. 109: “Os homens ilustres de todas as épocas são obrigados a viver isolados”.

Pg. 119: “O gênio é a paciência. A paciência é, com efeito, o que no homem mais se assemelha ao processo que a natureza emprega em suas criações. O que é a Arte, senão a natureza concentrada? O gênio orvalha suas obras com lágrimas.”

Pg. 129: “Quem tudo pode dizer chega a tudo fazer. Essa é a máxima de Napoleão e é fácil compreender”.

Ainda na pg. 129. Sobre o jornalismo e 138-139.
Pg. 137: Se tivesse mais prática na vida literária, saberia que, entre os escritores, o silêncio e a incivilidade em tais circunstâncias denotam a inveja causada por um bela obra, do mesmo modo que as palavras de admiração demonstram o prazer inspirado por um trabalho medíocre que lhe tranquiliza o amor-próprio.

Pg. 139: “A polêmica é o pedestal das celebridades”.

Pag. 143: “Um sujeito com voz de sino rachado”.

Pg. 156: “Quanto mais belo é o livro, menos probabilidade tem de ser vendido. Todo homem superior eleva-se acima das massas; seu sucesso está pois na razão direta do tempo necessário para que a obra seja apreciada. Nenhum livreiro quer esperar. O livro de hoje tem de ser vendido amanhã. Com esse sistema, os livreiros recusam os livros substanciosos, que necessitam de altas e lentas aprovações”.

Sobre a estupidez humana: nota ao pé da pg. 193.

Sobre a “literatura de ideias” em oposição a literatura do diálogo e o papel da crítica. Pg. 197 e também 206.

Pg. 207: “Inventa o Progresso! (uma admirável mistificação destinada aos burgueses). A necessidade de nossa época é o drama. O drama é a aspiração de um século no qual a política é uma tragicomédia perpétua.

Pg. 217: “Será que eles ensinam a ginástica e a ortopedia do espírito?”

Pg. 225: “A intriga desperta menor número de paixões contrários do que o talento; seus meneios surdos não chamam a atenção de ninguém. A intriga é, aliás, superior ao talento: do nada faz alguma coisa, enquanto que na maior parte do tempo, os imensos recursos do talento servem apenas para fazer a desgraça do homem”.

Pg. 226: “As dívidas! Não existe homem forte sem dívidas! As dívidas representam necessidades satisfeitas, vícios exigentes. Ninguém triunfa senão acossado pela mão-de-ferro da necessidade”.

Pg. 228: “Uma das maiores ingenuidades do comércio parisiense consiste no querer encontrar triunfo nos análogos, quando ele está nos contrários”.

Os dilemas do escritor. Pg. 240: “As pessoas calmas, cujo tema só se fixa depois de profundo esquecimento em que toma um artigo injurioso, essas manifestam a verdadeira coragem literária”.

Procurar as sátiras de Aretino (1492-1556)

Pg. 254: Todo escritor nutre um monstro que, semelhante à tênia no intestino, devora os sentimentos a medida que desabrocham.

Um bonifrate de comediante.

Pg. 280: Petit-Claud contava ainda mais consigo mesmo, pois não deixava de possuir certa superioridade, rara na província, mas que tinha origem no seu rancor. Grande ódio, grandes esforços.

Pg. 341: Os ricos nunca foram presos por dívidas.

Pg. 342: Todos os grandes homens são monstros.

Pg. 344: A discrição, essa divisa dos ambiciosos, é da nossa ordem: adote-a como sua. Os grandes cometem quase tantas covardias como os miseráveis: mas cometem na sombra e fazem ostentação de suas virtudes. Os pobres exercem suas virtudes na sombra e expõem suas misérias ao sol: são desprezados.

Pg. 347: Uns descendem de Abel, outros de Caim: eu sou de sangue cruzado: Caim para os inimigos, Abel para os amigos. E ai de quem desperte Caim!...

Pg. 349:
- O Sr. já leu Voltaire?
- Faço melhor, ponho-o em prática.


ROLLO MAY — RELEITURA DE AMOR E VONTADE (em português)

Pag. 155: “Os santos não diziam tolices quando chamavam a si mesmo de grandes pecadores. O objetivo da perfeição é um conceito degenerado, contrabandeado da tecnologia para a ética, resultante de uma confusão entre as duas”.

Pg. 160: De fato, a era que teve início após a Primeira Guerra Mundial, com a promessa de ser a da ‘razão tecnológica’, é agora muitas vezes chamada introspectivamente de era demoníaca.

Pg. 175: Outro importante critério por meio do qual o demoníaco evita a anarquia é o seu método de autocrítica. Ser orientado por seu próprio demônio exige uma humanidade fundamental. As convicções pessoais conterão sempre um elemento de cegueira e distorção; a extrema ilusão é operar sob a presunção de que se está livre de ilusão. Na verdade alguns sábios acreditam que a frase original grega “conhece a ti mesmo” significa “conhece que és apenas um homem”. Isto sugere que aquilo que se deve renunciar ou “superar”, como dizemos em psicanálise, é a tendência, originária da infância de agir como deus e a onipresente exigência de ser tratado como tal.

O problema moral é o inexorável esforço para descobrir as próprias convicções e ao mesmo tempo admitir que nelas sempre haverá um elemento de auto-engano e distorção. É nesse ponto que se mostra essencial o princípio socrático da humildade...

Pg. 181 – Sobre o carnaval. Ver

Pg. 225: Sobre o marxismo e o determinismo.

Uma paródia de Garcia Marques chamada de Cem Anos de Confusão.

Mirabile dictu.


EÇA DE QUEIRÓS — O PRIMO BASÍLIO

Pg. 139: Uma senhora que era tão apropositada!

Pg. 156- Muito quezilada

Pg. 167: Porque estava num daqueles momentos em que os temperamentos sensíveis tem impulsos indomáveis; há uma delícia colérica em despedaçar os deveres e as conveniências; e a alma procura sofregamente o mal com estremecimentos de sensualidade.

Pg. 199: E viu a porta grossa fechar-se com um ruído funerário de ferrolhos.

Nacos;
Esgadanhar-se – tafularias (garridice)
Morosca – trapaça, enredo, logro, ardil.
Alcatifa – tapete grande para revestir o chão.
Escabichando os dentes, com a unha.
Um aforisma para as eleições em São Paulo: quem muito clama por polícia, sempre vota em ladrão.


Adolfo Bioy Casares — Planes Para una Fuga al Carmelo

Em Vuelta 114:
- Quando o homem acreditou que a felicidade dependia de Deus, matou por motivos religiosos; quando o homem acreditou que a felicidade dependia da forma de governo, matou por razões políticas; quando descobre que a felicidade depende da saúde, se põe a matar por razões terapêuticas.

Procurar a sátira La Luna (1934) de Vicente Huidobro. É uma sátira feroz aos regimes políticos da América Latina.

Nacos:
Perífrase – perifrástico = circunlóquio, rodeio, circuito, circulação.
Hipérbole figura que engrandece ou diminui exageradamente a verdade das coisas; exageração.
Pesquisar sobre o barroco, dionisíaco e carnaval.
Expletivo – 1. Que serve para preencher ou completar. 2 – Diz-se de palavras ou expressões que desnecessárias ao sentido da frase, lhe dão, todavia, mais força ou graça.
Risbunar – fungar da onça.
Nigrífico – de negro.
Tautologia – 1. Vício de linguagem que consiste em dizer, por formas diversas, sempre a mesma coisa. 2. Filosofia – Erro lógico que consiste em aparentemente demonstrar uma tese repetindo-a com palavras diferentes.
Procurar : Osvald de Andrade, A Crise da Filosofia Messiânica (1950. A Marcha das Utopias (1953).
Epigrama – 1. Poesia breve, satírica, sátira. 2. Dito mordaz e picante.
Epistolografia – 1. O gênero literário referente as cartas 2. Arte de escrever cartas.
Epitáfio – 1. Inscrição tumular. 2. Elogio fúnebre 3. Espécie de poesia satírica, feita sobre um vivo, como se tratasse de um morto.
Catadupas – 1. Queda de grande porção de água corrente. 2. Por extensão, jorro derramamento (de ideias). 3 Em catadupas: em grande quantidade. Ex. zangado os palavrões saiam-lhe em catadupas.
Tresler – 1. Ler as avessas 2. Perder o juízo, enlouquecer, por ler muito. 3. Dizer ou praticar tolices. 4 Enganar-se, errar.
Encoscorado.


Balzac — Eugenia Grandet

Pg. 54: Julgou ver no primo uma criatura descida de alguma região seráfica.

Pg. 57: Olhar de gulosa concupiscência peculiar aos eclesiásticos.

Pg. 66: bem balzaquiano: “ as insinuações pérfidas, às calúnias manhosas, às maledicências cheias de elogios, as restrições feitas como por acaso....”

Nacos:
Prosopopéia – 1. Retórica. Figura pela qual se dá vida e, pois, ação, movimento e voz, as coisas inanimadas, e se empresta voz a pessoas ausentes ou mortas e a animais; personificação, metagoge. 2. Fig. Discurso empolado e veemente. 3. Entono, vaidade.
Pejorativo – 1. Diz-se de vocábulo que adquiriu ou tende a adquirir significado torpe, obsceno ou só desagradável.
Anáfora – repetição de duas ou mais palavras no princípio de duas ou mais frases, de membros da mesma frase ou de dois ou mais versos.
Oximoro – figura que consiste em reunir palavras aparentes mente contraditórias;
paradoxismo; ex. silêncio eloquente, covarde valentia, inocente culpa.
Assíndeto: ausência de conjunções coordenativas entre frases, ou entre partes da mesma frase; ex. cheguei, vi, venci. Antônimo: polissíndeto.
Catacrese – aplicação de um termo figurado por falta de termo próprio; ex. pernas de mesa; mão de pilão, embarcar num trem.
Afolozado – alargado em demasia, muito frouxo, folgado.
Antimetábole – figura que consiste em repetir numa frase, palavras da anterior, mas em ordem diversa e com acepções diferentes; antimetalepse, atimetástese. Ex. Glutão, não come para viver, vive para comer.
Arriére-pensée – Pensamento que se oculta enquanto se exprime outro.
A crítica-crítica, nem crici e nem titica.
Cricri – pessoa muito tediosa, chatísssima
Titica – merda.

Antíteses barrocas ou dualismos, contras e oposições entre o espírito cristão, antimundial, teocêntrico e o espírito secular, racionalista e universal: ascetismo e mundanismo, carne e espírito, sensualismo e misticismo, religiosidade e erotismo, realismo e idealismo, naturalismo e ilusionismo, céu e terra que são verdadeiras dicotomias.

Sobre o feio no barroco ver Afrânio Coutinho pag. 87.

O espírito do barroco. Pg. 88
Sobre o fusionismo barroco. Pg. 90


Mario de Andrade — Amar, Verbo Intransitivo

Pg. 50: Em Higienópolis os bondes passam com bulha quase grave soberbosa, macaqueando o bem-estar dos autos particulares. É o mimetismo arisco e irônico das coisas ditas inanimadas.
—Elza trouxe de novo os olhos de fora. O criado japonês botara as malas bem no meio do vazio. Estúpidas assim. As caixas, os embrulhos perturbavam as retas legítimas.

Nacos:
Fogefugia
Pecurrucha
Encafifado – encabulado, envergonhado, mortificado. 2. Não conseguir ter êxito. 3. Dar o cavaco, desgostar-se.
Mazonza (mazonzar) – ficar apalermado, apatetado. 2. Preguiçoso, desajeitado.
Desacochar – perder a compostura altiva e presunçosa. 2. Ficar desorientado e envergonhado.
Ingrazéu. 1. Linguagem arrevesada e ininteligível (ingresia). 2. Barulho, berreiro, balbúrida, confusão.
Candongas – lisonja, afagos, mimos. 2. Carinho fingido. 3. Intriga, mexerico. 4. Bem-querer, amorzinho.
Satisfa – por satisfação
Sebastianista – 1. Designação dada aos que outrora acreditavam (e ainda hoje acreditam, por superstição) na volta de Dom Sebastião (1554-1578), rei de Portugal que desapareceu na África. 2. Rest: caturra, retrógrado, reacionário. 3. Bras. Designação pejorativa dos que continuaram monarquistas após a proclamação da República. 4. Brás. Pessoa que, partidária ardorosa de uma situação política espera vê-la retornar quando isto, ao menos aparentemente, é impossível.
Polindo os engruvinhamentos do imprevisto.

Pg. 55: Souza Costa usava bigodes onde a brilhantina indiscreta suava negrores nítidos. Aliás todo ele era um witê(?) de brilhantinas simbólicas, uma graxa, mônada sensitiva e cuidadoso de sua pessoa.

Pg. 79: São as personagens que escolhem os seus autores e não estes que constroem suas heroínas. Virgulam-nas apenas, para que os homens possam ter delas conhecimento suficiente.

Pg. 78: ... pois sou incréu de ..... [ininteligível]

Pg. 80: em maiúsculas. NÃO EXISTE MAIS UMA ÚNICA PESSOA INTEIRA NESTE MUNDO E NADA MAIS SOMOS QUE DISCÓRDIA OU COMPLICAÇÃO.

Pg. 84: Por isso turtuviei no falar que ela pensava.

Pg. 96: Em que companhia horrorosa a gente Souza Costa foi se meter! Porém no Brasil é assim mesmo e nada se pode melhorar mais! Os empregados brasileiros rareiam, brasileiro só serve pra empregado público.

Pg. 98 – Uma descrição insinuante de sexualidade intertextualizada pelo comportamento da fauna brasileira. (confirmado na pag. 130).

Pg. 100. Como brilhavam as pupilas! É sono. Mas em volta delas, sombria, negrejante, a aliança matrimonial. De saturno.

Pg. 104. O limiar da consciência é bem mais difícil de achar que as cabeceiras do Rio da Dúvida.

Pg. 116: O mar mapiava que nem boca malcriada, lançando o cuspe da espuma pro céu. O andar germânico de todo aos poucos se latinizava. O passeio de função virava invenção. Fraulein baixava a cara. Disfarçava um pudor inexistente com esses modos do pé atingindo coxas entressepultas, pisando o rastro das meninas adiante.

Pg. 140: Lhe espaçava a fala aquele ondular dos vácuos interiores.

Pg. 141: ... porém amor brasileiro é assim: puxa-puxa, contrai, estica, mas largar não larga mesmo.


Lima Barreto — Numa e a Ninfa

Pg. 12. Ontem, na Câmara, naquele indecente valhacouto de caixeiros de oligarcas abandalhados.

Pg. 14: Sobre Inácio Costa, político da época que apoiava a ditadura autoritária como solução, sugere uma comparação ao marxismo quando diz: Era um crente que tinha a revelação da certeza política.

Nacos:
Valhacouto – refúgio, abrigo, asilo.
Êxedra – pórtico circular com assentos, onde os antigos filósofos se reuniam para discutir.

Pg. 35; Nonada, palavra inicial de Grande Sertão, Veredas.

Pg. 36. [Sobre as dificuldades da livre iniciativa no Brasil]: O meu interesse como republicano, é facilitar meios à República e também educar o Brasil no caminho da iniciativa particular. Se até agora ela não se tem feito sentir na economia do país, é devida à timidez dos senhores diante da algazarra dos caluniadores.

Pg. 40 - 41: Sobre a inutilidade do esforço do trabalho em comparação as regalias e impunidades da política.

Pg. 43-44 – Haveria uma revolução? Mas não podia haver! Deviam estar satisfeitos os militares! A recomendação era dar-lhes tudo. Não tinham? O montepio das filhas que deviam perder ao casar, não ficava com elas depois do matrimônio? Queriam mais postos? A reforma não se fizera? As suas viúvas não viviam em casas do Estado sem pagar aluguel? Os seus filhos não tinham um luxuoso colégio de graça?

Pg. 46. Pronunciou as últimas palavras adoçando as sílabas com uma leve inflexão de sofrimento.

Pg. 55. Sobre a relatividade das leis em contraposição à lei natural irrevogável: você deve conhecer a história das ciências. Há o exemplo muito curioso da queda dos corpos que tem tido diversas leis pelos anos afora, deste Aristóteles e outros muitos.

Sobre a política como carnavalização:
Pg. 56: Ainda uma vez ele não compreendia esse negócio de política e ainda uma vez sentia bem, que ao contrário dos que abraçavam uma qualquer profissão, os políticos não pretendem nunca realizar o que a política supõe, e isto logo ao começarem. Singular e honesta gente! Que se diria de um médico que não pretendesse curar os seus doentes?

Opondo-se ao florianismo como conciliação entre a liberdade e a ditadura pelo esfacelamento da autoridade pela figura do tirano. O regime da irresponsabilidade e dos energúmenos de cafés.

Ditados: Enquanto mulher parir não há homem valente.
É pelos domingos que se tiram os dias santos.

Pg. 63: o pianista é o herói-poeta, o demiurgo estético.

Pg. 65: sobre o jogo do bicho e a loteria. A nossa triste humanidade sempre pôs grandes esperanças no Acaso.
Os olhos luminosos da criança, carbunculando nas escleróticas muito brancas. Pg. 68: sobre o título de doutor:

Pg. 74. De gostos elementares sem compreensão para as altas coisas, com fraca energia dos sentidos. D. Celeste era virtuosa e casta; tinha, entretanto, as ridículas arrogâncias de nossa pobreza campestre – uma dureza e um certo desdém em tratar os inferiores, um sentimento de propriedade sobre eles e um séquito atroz de pequeninos preconceitos e superstições.

Nacos:
Poliantéia. Miscelânea em homenagem a alguém.
Sesquipedal 1. Burlesco; diz-se de certos versos ou palavras muito grandes, e por ext. , de outras coisas, como por exemplo, uma tolice. Ex: siderodramofobia – medo angustioso dos caminhos de ferro. Contraminar –
Palavras campanudas, pomposas, retóricas, bombásticas.
Masoluco - ?
Fraques antediluvianos
Sátira a linguagem de saudação política, nas pgs. 102-103.
Um riso de prostitutas em orgia sesquipedal.
Salamaleque. Cortesia, mesura ou cumprimento em que há exagero, afetação, rapapé, zumbaia.

Pg. 90-91. Sobre a vida política: essas presenças, essas atenções, enfim, esse ritual de salamaleques e falsas demonstrações de amizade e influem no pregresso da vida política. Ver todo o texto.

Pg. 117. Todo o progresso tem sido feito com desordens.

Sobre o silêncio: pg 125: Bogoloff esteve muito tempo sem nada dizer, apesar de saber que não é conveniente calar-se diante dos poderosos. O silêncio é sempre interpretado mal. Sobre a futilidade burocrática e o blefe.

Pg. 127 – Sátira devastadora.
"- Ora, Doutor! Desculpe-me! Desculpe-me! Não sabe como ando atarefado, Hoje já assinei 1.597 decretos... Sobretudo! Sobre tudo! Neste país tudo está por fazer! Tudo! Em três meses, tenho feito mais que todos governos deste país. Já assinei 2.725.832 decretos, 78.345 regulamentos, 1.725.384.571 avisos... Um trabalho insano!"

"... - Hoje, por exemplo, tenho de assinar 2.069 decretos e levo ao Presidente 400 regulamentos entre os quais um sobre a postura de galinhas que vai lhe agradar muito". “_ o que nos falta é o frio. Ah! A sua Rússia! Eu se quero ser sempre ativo, tomo todo dia um banho de frio. Sabe como? Tenho em casa uma câmara frigorífica, 8 graus abaixo de zero, onde me meto todas as manhãs. Precisamos de atividade e só o frio nos pode dar. Penso em instalar grandes câmaras frigoríficas nas escolas, para dar atividade aos nossos rapazes. O frio é o elemento essencial às civilizações... Mas, emendou a alta autoridade, ainda não lhe falei sobre os seus planos. Macieira fala-me aqui das suas ideias sobre pecuária. Quais são? - São simples. Por meio de uma alimentação adequada, consigo porcos do tamanho de bois e bois do tamanho de elefantes.

Nacos:
Quejandos – que tem a mesma natureza e qualidade que tal.
Manipanso – fetiche e também indivíduo obeso.
Pedantocracia bacharelesca.

Pg. 135: o uniforme como representação, que pode ser usado como argumento em pró do carnavalesco.

Pg. 138: os adeptos sem se entenderem entre si, só se compreendiam na bajulação infrene. Com que incensavam o feitiço – bajulação que crescia na proporção dos ataques.

Pgs. 159-160-161-162
- Bogoloff – dizia ele [Inácio Costa, o secretário do Ministro da Pecuária Nacional, Bogoloff], certa vez, ao russo, no seu gabinete – os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos. Os metafísicos não querem concordar e têm perturbado a marcha ascendente da humanidade, a completa passagem do período metafísico para o científico industrial. Essas preocupações dos legistas retrógrados não são mais da nossa época. A grande síntese social que Comte estabeleceu, completando Condorcet por De Maistre, demonstra perfeitamente isso. Bentes tem razão em fugir à pedantocracia universitária.... Basta os exemplos! Floriano....

- que fez Floriano?
- Não sabe? Foi o maior estadista que tivemos.
- Quais são as suas obras?
- Manteve a forma republicana federativa com uma energia verdadeiramente republicana. Era um estadista moderno ... Quer saber de um ato dele?
- Quero.
- Você vai ouvir. Como o marechal precisasse de dinheiro para fazer face às urgentes despesas que a revolta acarretava, mandou que o Tribunal de Contas registrasse um crédito de que ele tinha necessidade. O presidente do Tribunal negou-se formalmente a dar a sua assinatura a tal pedido, por não estar de acordo com as leis. O ministro da Fazenda, ao saber dessa resolução, foi comunicá-la imediatamente ao marechal. Floriano não gostou; mas, sorridente, pediu ao ministro que conseguisse do presidente do Tribunal ir ter com ele uma conferência. Na manhã seguinte, muito cedo, estava no Itamarati o presidente do Tribunal de Contas. Floriano recebeu-o muito amável e mostrou a situação do governo e a urgente necessidade que havia de tal crédito. O presidente, inabalável, disse que não assinava o pedido, pois era ilegal, inconstitucional, que era isto, que era aquilo. Floriano ouviu tudo muito calmo e, em meio ao discurso do presidente, bateu na testa e perguntou: - “O senhor é o doutor Fulano?” – “Sim senhor”, respondeu o presidente – “Ora, doutor, queira me desculpar. Esta minha cabeça anda tão cheia de atrapalhações!.... Não era com o senhor que eu queria falar, era com o seu sucessor”. – “Como?” perguntou surpreso o ministro do Tribunal. – “É verdade doutor; o senhor está aposentado desde ontem”. E assim foi. Nessa mesma tarde, com data do dia anterior era publicado um decreto que declarava aposentado o presidente recalcitrante. Era assim Floriano! Isto é que é um estadista Bogoloff! E Inácio Costa bateu-lhe no ombro e saiu do gabinete, abanando o seu fraque preto.

....... As visitas de Inácio Costa eram constantes e vinha quebrar a monotonia das horas que o russo passava no seu gabinete. Ele ouvia com paciência as suas conversas políticas, observava-lhe as opiniões e surpreendia-se com elas. Verificou com singular assombro que Inácio tinha do governo uma concepção paternal de “mujik”; que o seu desejo era entregar todos os poderes a um só, a um tirano e que esse tirano fosse militar. Não compreendia que um homem como ele, que se dizia republicano, democrata, tivesse semelhante ideia da república. Inácio se supunha ilustrado, culto; entretanto, desprezava todo o ensinamento, todo o esforço dos homens de pensamento em restringir a autoridade, o poder total de um só. Inácio parecia não se ter apercebido dessa feição dos governos modernos, dessa necessidade de contrapesos, de recíproca fiscalização entre os depositários do governo, para nenhum fosse efetivamente governo. Acusava de retrógrados os que a queriam, mas nele é que havia uma volta ao governo absoluto, ao completo governo absoluto dos orientais.

Essa sua mórbida admiração por Floriano era tanto ingênua quanto sem razão. Como esse homem era estadista eminente e não tinha deixado nenhuma obra de estadista, obra que redundasse em benefício geral, que tendesse para a felicidade dos povos, na expressão de Bossuet?’ Como ele tinha mantido a ordem republicana, se atentara contra os tribunais, os parlamentos, as leis, e queria tudo isso curvado à sua vontade? Não era bem República que Costa queria; Costa desejava o regime russo ou melhor dos kmatos (?) tártaros.

Curioso é que na Rússia os avançados sonhassem com constituintes, tribunais independentes, ministros responsáveis e os que aqui se julgavam avançados não quisessem todo esse aparelho governamental....

A Revolução, que teve como um dos seus grandes escopos o estabelecimento de uma constituição escrita que limitasse o poder real, era armada por Costa, como?.... Não se sabia bem como e o por quê. Costa falava muito em princípios republicanos; mas a República na sua cabeça era um ídolo oco, vazio de significação, já não mais fetiche, não era mais nada senão simples palavra, um palavrão que soava aos seus ouvidos mas que não continha uma ideia segura.

Não se pode bem dizer que fosse totalmente vazio; havia nele, no ídolo, alguma coisa: um desejo imoderado de sangue, de violência, de carnificina. Os sacerdotes não sabiam mais por que ideia, por que concepção imolavam a Moloch; mas continuavam a imolar com o automatismo de sacerdotes de crenças mortas, e mais ferozes até.

O que se contava de crueza empregada para vencer a revolta, igualava se não excedia às execuções russas; e com uma indiferença: é que lá sempre houve uma forma de julgamento, mas nas daqui – nenhuma!

Bogoloff, velho anarquista, compreendia que se pusesse em dúvida a lei, que se a condenasse; mas querer o Estado sem lei, admitir o despotismo como progresso, não querer restringir o governo, era absurdo que não compreendia em inteligências tão medrosas da palavra rei ou imperador.

De resto, aquela superstição de virtudes especiais do militar tinha uns restos de concepção de nobreza, de classe privilegiada, muito de admirar na mentalidade de um republicano.

Galfarro – agente de polícia, esbirro, beleguim, malsino, mastim meirinho.
Luzernas
Que provoca fetiche – fetíchico
Os bugres como ‘filhos das brenhas’ que eram...

Pg. 184. Sobre a carnavalização como caráter:
Benevenuto pensou um instante que todas as nossas festas tendem para o carnaval e que aquelas damas falavam da grotesca panaceia fúnebre, do préstito em homenagem a um morto, com o mesmo “elã” com que falariam das cavalgatas dos clubes carnavalescos.

Panatenéias – Festa em honra de Palas Atenas, na Grécia Antiga.
Pg. 193: um estilo compósito e abracadabrante.

Pg. 195: Sabe com quem está falando?

Pg. 203 a 215. Denúncia do mandonismo político, fraude, abuso de autoridade e perseguições. O Congresso Nacional internacionaliza-se e numa sessão os deputados falam suas respectivas línguas de origem!. L. B. cria um ambiente de alta hilaridade carnavalesca.

Pg. 256-262. Uma farsa sobre a troca de identidade do dr. Bogollof em Manoel da Silva numa viagem ao estado dos Carapicus, onde é trocado pelo governador.

Pg. 267: Sobre o Estado
O Estado é o mais forte desmoralizador do caráter. Mais que os vícios, o álcool, o jogo, a morfina, a cocaína, o tabaco, ele nos tira toda a nossa dignidade, todo o nosso amor-próprio, todo o sentimento da realidade de nós mesmos.

Muitas daquelas eram pessoas de educação, entretanto, para obter isso ou aquilo, se tinham que agachar, que adular um tal Bonifácio que, no fim de contas, não passava de um criado do Sr. Presidente. Depois disso tudo, que sensação delas mesmas poderiam ter? Fossem servidas ou não, sairiam degradadas.

Pg. 269: a principal função dos políticos é dar empregos, mas eles não gostam de ser atormentados com pedidos e detestam que os maltrapilhos o façam.

Pg. 276/277: Demais lá [em Odessa] tinha um resto de respeito pelas instituições pátrias; mas aqui o meu desprezo era total, era completo e por mais que me esforçasse por ter alguma veneração pelos senadores, deputados e autoridades restantes não me era possível. Eu as tinha visto por assim dizer no nascedouro e sabia perfeitamente como se faziam, o que representavam de fraude, de compressão e corrupção.

Conhecia-lhes, além do mais, a sua ignorância, a sua falta de inteligência e a nenhuma sinceridade deles todos.

Não deixava de influir também nesse grande desprezo que tinha pelos homens do Brasil, uma boa dose de preconceito de raça.

Aos meus olhos, todos eles eram mais ou menos negros e eu supunha superior a todos. De resto, eu – eu que era um pobre imigrante – não fora um dia aclamado como ‘salvador’ de um Estado! De resto, eu – eu que não sabia o tempo de gestação de uma vaca – não fora diretor da Pecuária do Brasil!

Eu desprezava tal terra, desprezava-a soberanamente, olimpicamente, inteiramente. Para mim, era uma sociedade de ladrões, de mistificadores, de exploradores, sem tradições, sem ideias, disposta sempre à violência e opressão. A Rússia me pareceu mil vezes melhor.... Lá. Se Plewne era um tirano, é porque acredita no cesarismo, na excelência daquela espécie de governo, supõem-no capaz de trazer felicidade. Ele não é simplesmente um sócio nos lucros do governo, não é simplesmente governo porque quer proventos; há nele alguma coisa de pensamento, de ideal, de saber.

Na terra em que estava, não havia nada disso, não havia nada de superior naqueles homens todos que tão de perto conheci. Eles queriam os subsídios, os ordenados e as gratificações e a satisfação pueril de mandar.

Falavam em princípios republicanos e democráticos; enchiam a boda de tiradas empoladas sobre a soberania do povo; mas não havia nenhum deles que não lançasse mão da fraude, da corrupção, da violência, para impedir que essa soberania se manifestasse.

De resto, esse povo do Brasil metia-me um ódio terrível. Eram de uma fraqueza e puerilidade revoltantes. Vivia à beira dos caminhos de ferro, quase nus, com fome, sem terras em que plantassem um aipim, deixando-as como propriedades de terríveis senhores feudais, que não as aproveitavam por falta de braços!

A verdade é que, no intuito de obterem lucros fabulosos, ofereciam salários mesquinhos e os trabalhadores que podiam empregar preferiam morrer à fome, a revoltar-se e aproveitá-las de qualquer modo. Eles não se associavam, eles não se entendiam e os mais adiantados não seguiam, não apoiavam os seus raros grandes homens.

- Com as convicções que já tinha e um país desses, não podia ter qualquer escrúpulo a respeito do que se chama pomposamente a sagrada propriedade.

Naquela manhã, levantei-me bem cedo e saí a passear pela cidade. Estava bem lindo o tempo, e a cidade toda tomava um banho de azul.

Pg. 277- a 282 – Bogollof torna-se pintor
Enfardelados – em farda.

Pg. 295; Vendo essa gente miserável, esfaimada, degradada física e moralmente, o que sentia era um imenso nojo pela política, pelo sufrágio universal, pelas Câmaras, pelos Tribunais, pelos Ministros, pelo Presidente, enfim, pela poderosa ilusão de Pátria, que criava, alimentava e se aproveitava de tamanha degradação.

Pg. 298: depois de um fiasco de Lucrécio:
O Brasil surgiu-me, então, como um país maravilhoso, liberal por fraqueza, mas liberal, e eu perdoei num instante tudo o que presenciava nele de ridículo e inferior.

Pg. 300: Disse-lhe e o automóvel rodou pela rua deserta, cujas palmeiras, de um ou outro lado, dormiam sob o lenço de um belo luar.


FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA — A VIDA DE LIMA BARRETO

Pg. 147: Jamais amoldaria o temperamento às restrições que a vida profissional impõe a inteligência e até mesmo ao caráter.

Pg. 153: Não estava disposta às vis curvaturas e iniciações humilhantes a que se submetiam os novos diante dos mandarins das letras e da grande imprensa.

Pg. 187: “Quando o Congresso está aberto, os governos tem medo de agir tão limpamente à moda dos paxás turcos. Como lhe tem medo; é a sua consciência. Quando porém, ele está fechado, a fera Carniceira não tem mais o chicote do domador à vista e faz o que quer”.


Hermilo Borba Filho — Sete Dias a Cavalo

Pg. 44: Mulher que se espreguiça ou tem sono ou quer piça!

Pg. 50: vai – tefudeixadisso
Carambolas, carambolas, o taco dentro e as bolas fora.
Carnavalização: conto. A trágica Estória do Dr. Fausto e o Cão do Segundo Livro.

Pg 87. Necessidade sexual = necessidade de afogamento do ganso.


Lima Barreto – Os Bruzundangas

Talqualmente – conseguintemente não lhe deu mais trela.
Paulo Brossard – O preconício do desrespeito à lei.

Que valor tem a leitura? Esta simples (e velha) frase tem sido apresentada sob os mais variados argumentos. Tanto quanto me é possível responder depois de mais de quatro décadas de leituras concluo que o valor das obras está inserido dentro da visão de imortalidade (Borges). Se aquele que cita os outros repete a memória coletiva, ele esboça um pensamento que não morre, que prolonga-se enquanto o homem é homem, que vai se formando na memória coletiva de todos. Tenho para mim que a aquisição dessa memória é mais importante que a farmacopéia nobiliárquica da sociedade. Aquele que lê Proust tem um título mais valioso que o de visconde. O que lê Joyce vale mais que o chapéu do arcebispo. O que lê Rosa tem mais importância que um anel de engenheiro. Borges dizia que se orgulhava do que tinha lido e não do que escreveu. A leitura pode ser um ato de curiosidade útil, mas também um esforço cujo entendimento gera um certo orgulho. Orgulho de uma aquisição mental que vale como uma conquista. Mas que tem valor só para a intimidade, só para a educação da sensibilidade, para a delicadeza do sentir e para a valorização da linguagem. Fora disso, existe o exibicionismo, o pedantismo acadêmico e a ostentação da cultura na forma de expressões e decorações soltas, tanto para causarem estupor como para ornamentar a fala com a intenção de impressionar os outros.

Para Platão, na República os guardas não deveriam ser amigos do riso. “Quase sempre, quando nos entregamos a um riso violento, este estado provoca na alma uma mudança igualmente violenta. Portanto, é inadmissível que se representem homens dignos de estima dominados pelo riso, e muito mais quando se trata de Deuses”!

Nacos:
Sintagma — A fusão, reunião ou combinação de 2 ou mais elementos, em que o determinante estabelece um elo de determinação com o subordinado.
Diácope — Figura pela qual se repete uma palavra, pondo outra(s) de permeio. “Dongo, o valente Dongo, a quem na guerra nunca ninguém jamais viu as costas”.
Ucronia – aquilo que não se situa nem se pode situar em nenhum tempo.


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