quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Fragmentos 7

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Machado de Assis – O Alienista

Machado perdeu a oportunidade de fazer uma grande sátira da vida nacional e talvez, da política bipartidária do Império na figura de Simão Bacamarte. Ou melhor, não perdeu o que não poderia fazer: o Alienista é a história de um médico que depois de uma acirrada campanha consegue a construção de um sanatório, para onde recolhe todos os loucos de Itaguaí e adjacências.

O médico, cobrando uma pensão dos confinados, logo enriquece e não se detém no plantel que recolheu e passa a mandar prender figuras da sociedade sob a acusação variada de distúrbios mentais.

Por fim, ocorre a revolta liderada pelo barbeiro e Simão Bacamarte vê seu empreendimento ruir.

As limitações de Machado como satirista são evidentes. Nas mãos de Lima Barreto, o conto seria muito melhor. Nas mãos de Coelho Netto o conto seria rocambolesco, arrasador. Nas de Adelino Magalhães nos faria rir. Nas de João Felício dos Santos, uma obra prima. Talvez seja uma oportunidade para um escritor refazer o tema no futuro, pois é instigante para a realidade brasileira. E por isso se tornou uma referência no anedotário nacional das figuras políticas dispostas a corrigir os costumes do país com discursos morais. Mas a falta de espírito humorístico em Machado é atordoante. O que prejudica Machado é seu estilo frugal, de resto, transformado na glória botocundiana.

Comparando Coelho Netto à Machado é possível dizer que é muito melhor aquele que peca por excesso do que aquele que peca por ausência. O excesso sempre pode ser cortado, burilado, polido, mas a ausência não tem remédio. É impotência de lidar com o lado instigante da sátira. E mesmo assim, se tornou uma referência literária.

Nacos:
Zungu – cortiço, casa de aluguel de quartos. Tumulto, confusão.
Biraia – prostitua réles, megera. Pessoa delambida.
Pressago -
Atabafar – abafar o fogo. Não dar seguimento aquilo que se quer olvidar ou desaparecer.
Respirar com dificuldade.
Bilontra – pelintra, velhaco, caloteiro, espertalhão.
Uma canaxirra chilreava trêfega.
Cainçada – bando de cães.
Esmoer – triturar com os dentes, ringir.
Rebolão – trambolhão, gordo, fanfarrão.


Coelho Neto – Turbilhão

Uma novela realista, isto é, sem o estilo parnasiano que custou tantas críticas à Coelho Neto. Em Turbilhão, uma mãe viúva com 2 filhos e uma criada luta desesperadamente para sobreviver em um ambiente de pobreza em que o filho Paulo estuda medicina e trabalha como revisor em um jornal, conseguindo um salário miserável. A novela gira em torno do desaparecimento da filha Violante que foge de casa e provoca uma busca desesperada em delegacias e por Mamede, um marginal e mulato amigo da família por quem Paulo termina se envolvendo e levando Ritinha, a sua amante, para ser doméstica depois do enlouquecimento da criada.

Paulo já havia transado com Ritinha e a novela explora os valores morais da família tradicional em comparação com uma geração que não se importa com eles, antecipando em algumas décadas algo que só viria a ocorrer nos anos 60.

Em determinado momento Paulo encontra Violante em um espetáculo de Ópera, vestida elegantemente. A discussão entre os valores da família tradicional e o destino das jovens com o casamento e filhos em contraste com uma cortesã de luxo é o ponto mais importante do trabalho de Coelho Netto.

Ao saber da filha, a mãe adoece e não suporta a rejeição de seus valores que terminou em sua própria morte depois de assistir seu filho transando com Ritinha em sua própria casa. Uma vizinha, já velha, refaz a trajetória de Violante, falando que também teve seus dias de glória como cortesã de luxo e depois, com a morte do amante, teve de retirar-se para os arrabaldes e passar a receber qualquer um que pudesse pagar pelo seu sustento. Ritinha deve decidir entre voltar a Mamede, o capoeirista gordo e rufião, ou ficar com Paulo, como “dona” de casa, mas na condição de amante e empregada. Audaciosa, prefere ficar com Paulo e o livro termina abruptamente com um diálogo com a vizinha que encontra no cinismo de Ritinha pontos de identidade.

Coelho Netto não merecia o destino de rejeição que teve, com as críticas que recebeu de Jorge Amado, Lima Barreto e da geração de 22. Wilson Martins foi porta-voz dessa injustiça, defendendo CN com muita sensibilidade, a ponto de colocar Turbilhão entre os grandes romances brasileiros.


William James – A Vontade de Crer

WJ desenvolve o conceito pascaliano da fé para terminar na questão dialógica da verdade subjetiva decidida pelo homem arbitrariamente. Não responde a questão crucial que é a origem da necessidade de CRER. E tampouco explora o intrincado caminho da mudança de pensamentos e atitudes no homem errado. Sua formação democrática termina nivelando o indivíduo na sua determinação íntima, princípio de toda a religião organizada.


José Bonifácio – Projetos para o Brasil

“A nossa religião popular, que é senão um sistema ligado de superstições antissociais e contrárias a letra e ao espírito do evangelho?”.

Nacos:
Semimebais -
Cafre –
A aluá e outras cervejas da terra.


Joseph Conrad – Lord Jim

Tentei ler LJ umas 3 vezes nos últimos anos. Finalmente consegui, mas não gostei. Conrad parece perdido como um marinheiro em um navio avariado. Suas descrições físicas são desprovidas de imagens! Apenas dá força na narração da vida interior dos personagens. Não me convenci de sua fama.


José Reinaldo Sánchez – A Vida Secreta de Fidel

Pg 95 – Menciona a visita de Lula à Fidel em 1989.

Ver comentário do livro no meu blog Ensaios, em Cuba Para Neófitos clicando aqui.


Armando Valladares – Contra Toda Esperança

É uma das mais importantes denúncias das prisões castristas. Condenado a 22 anos de prisão sem acusação de crime, apenas por suas ideias desconformes com o socialismo cubano e a figura de seu chefe, Valladares conta as torturas e humilhações sofridas em sua peregrinação pelas prisões cubanas. Nada mais do que estabelecimentos preparados para aniquilar prisioneiros com os artifícios elaborados nos métodos stalinistas tropicalizados. Merecia uma crítica mais elaborada de minha parte.

Nacos:
Gibichungo – povo do Reno.


O Livro Negro do Comunismo

Recomendo a leitura de O Livro Negro do Comunismo para quem não conhece nada, ou muito pouco, da principal experiência social do século XX na implantação do marxismo. O último capítulo Por Quê? é um resumo das lições que se pode tirar da experiência soviética. Apesar do enfoque psicológico correto para o entendimento do despotismo faltou a questão da mística pseudorreligiosa que envolve o marxismo e seu profetismo redentor.

O livro aborda o comunismo na Rússia, na Europa do Leste / Iugoslávia e Albânia e depois na Ásia. Fala dos movimentos revolucionários em Cuba, Nicarágua e do Sendero Luminoso no Peru. Não observei inacuracidades, exceto em Cuba, onde uma experiência narrada por Armando Valladares é atribuída a Hubert Mattos. E um ou outro erro irrelevante para a enciclopédia de sofrimentos, torturas, mortes e condenações a trabalhos forçados do comunismo até o ano de 1997.

Faltou falar sobre as atividades do PCs no resto do mundo (que não faz parte do escopo do livro, por tratar-se apenas dos países onde os comunistas exerceram o poder de governança), para completar a obra.

A grande fome – pg 80
13. Apogeu e Crise do Gulag
Decreto de Stalin de 25/10/46 intitulado “Sobre a defesa dos cereais do Estado”, ordenou ao Ministério da Justiça que os casos de furto fossem instruídos em até 10 dias e aplicasse a lei de 1932, então fora de uso. Nos meses de novembro-dezembro de 46, 53.300 pessoas foram julgadas e, na maior parte dos casos, condenadas a pesadas penas nos campos de concentração por roubo ou de espiga ou de pão. Era uma forma de esconder a fome que neste inverno fez 500 mil vítimas devido às secas de verão.

Nacos:
Boondoggle (inglês) – obra faraônica, elefante branco.
Bacirrabo – caudatário, puxa-saco, servil.
Sabujo – bauja, puxa-saco.
Laogai – campos de concentração na China
Danwei – coletivos de trabalho.
Sufan – eliminação de contra-revolucionários escondidos.
Proteiforme – que muda de forma frequentemente: os políticos e o estado.

É provável que a crueldade assassina dos dirigentes dos PCs com seus próprios quadros seja uma manifestação combinada do medo e da culpa. O medo de ser acusado antecipa a denúncia de um rival, e a culpa pelo destino cruel dos companheiros uma necessidade de afastar de si os testemunhos de sua própria vergonha.

A quantificação foi feita pelo cruzamento de diferentes métodos, como a demografia, os estudos quantitativos e as narrativas de protagonistas. Lembro que em O Ioga e o Comissário, Arthur Koestler fez estudo demográfico da Rússia com dados comparativos entre 1930 e 1946, chegando ao resultado de diminuição de 12 milhões de pessoas. A Rússia tinha a mesma população que os EUA no começo do século. Na virada do século tinha menos da metade.

Mortalidade natural de 7% no Cambodja.

A fome diminuiu a taxa de natalidade de 3% para 1,1%.

No Cambodja existia a mística do arroz, assim como na Rússia a mística do aço e em Cuba a mística do açúcar.

E depois de quase mil páginas de violências sem igual passo a ler imediatamente o livro a seguir....


Matt Ridley — The Rational Optimist – How Prosperity Evolves

Ridley tem o pensamento evolucionista como motivo para o otimismo. Segue o raciocínio de Dawkins, mas se engana na pg 55 quando diz que “não existe evidência no conjunto da biologia que a sobrevivência desesperadora durante um clima imprevisto seleciona a inteligência ou a flexibilidade cultural. Ao contrário, viver em grandes grupos sociais com dieta abundante tanto encoraja quanto permite o crescimento mental”.

Sou de opinião contrária: foi o sofrimento que obrigou o homem à mudança; sofrimento concretizado no medo, na perda, na doença, na servidão e na fome. Creio que o medo originou a linguagem, organizou a cooperação entre grupos para o enfrentamento dos inimigos naturais. Outros autores já escreveram sobre a importância da “necessidade” na formação humana. A tese de Ridley é que a grande mudança começa com as trocas entre membros fora da família, permitindo que a grande evolução seja originária das permutas, do comércio, do interesse coletivo. Este ambiente primitivo criou a especialização baseada na riqueza natural local e foi o nascimento do progresso.

Nacos:
Hayek: catalaxia → a expansão infinita da especialização pela divisão do trabalho.
Charcutaria – salsicheria.

Um livro seminal sobre os dilemas de nosso tempo e as grandes forças por trás do cérebro coletivo que move a humanidade plugada.

Uma interpretação da história humana a partir da colaboração voluntária produzida pelas trocas e pela especialização. As descobertas que fizeram possível os grandes saltos na integração humana. Uma crítica ao pessimismo e uma análise paralela à tendência intelectual de ver no progresso o catastrofismo.

Excelente o livro de Ridley – Precisa de uma resenha, mas como não foi traduzido para o português, dificilmente seria aproveitado, a menos que a resenha fosse longa.

Nota em 5/7/17 encontrei uma tradução em epub e vou reler o livro.


O Burocrossauro – Marcos Sá Correa

Uma novela do jornalista MSC que aborda o fim do regime militar e o mar de lama que envolvia as figuras próximas ao poder. Um funcionário público cu-de-ferro decide perturbar o retiro do general em Pomerode, enviando denúncias de jornais sobre a roubalheira. Em pouco tempo, sua casa é cercada de demandistas obrigando o general ao anonimato.

Trata-se de uma novela um tanto estranha, porque o enredo não termina de forma convincente. Vale como referência crítica de nosso modelo político.


O Sempre Lembrado – Ernani Ssó

Gostei muito desta novela que narra a vida da família Paranhos através das recordações de um filho adotivo, espécie de criado da casa, durante o enterro do progenitor. Com um impecável senso de humor, Ernani Ssó reconstrói os episódios mais hilariantes da família de um dono de cartório com um filho pequeno e uma filha jovem. O autor emprega um conjunto de expressões prosaicas, do falar sulista de modo correto e balanceado, revelando grande talento narrativo.

Mas ao ler o blog do Ssó fiquei estarrecido com seu comentário sobre a “compra da reeleição por FHC e a rifagem das estatais”, chavão petralha sem provas além do disse-que-disse. Como a maior parte dos gaúchos, caiu na armadilha petista criada pela hipertrofia estadual de empregos públicos inventados para dar substância ao socialismo.

Com um olho na mãe e outro na filha “eu podia apreciar os caminhos da natureza pelas ínvias escarpas da genética”.

Nacos:
Um pau de virar tripa – pessoa magra e longilínea.
Veraniega manhã – veraneio.
Bicho carpinteiro
Destranca cu


Os povos só dão saltos quando seus impulsos autodestrutivos são reprimidos. Alemanha e Japão são exemplos. A imposição dos valores democráticos americanos pela força obrigou estes povos à mudança de conduta, e a partir daí, a um papel relevante no mundo atual.

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O fundamentalismo brasileiro consiste em ser fanático por picuinhas. Ele trata de criar álbuns de nomes (Index) e situações em que tal ou qual pensador, político ou ativista tenha defendido posições que são enquadradas dentro do arco-íris ideológico das classificações. Lembra aqueles primeiros botânicos do século XIX, cujo grande líder foi Lineu que atribuía a todo o universo vegetal e animal uma hierarquia de importância semelhante à militar, onde ele mesmo se autointitulava um coronel.

Uma democracia como a norte-americana possui uma rede institucional que não consegue conviver com a pureza ideológica que os comissários da “direita” atribuem como infiltração, mas que na verdade, é apenas o jogo da democracia encarnado em figuras humanas de diferentes opiniões.

Não nego que existam bolsões de totalitarismo nestes ambientes, pois o marxismo efetivamente continua a grassar, mas duvido que estas ideias possam proliferar numa sociedade de estado mínimo pois sem estado não existe socialismo.

O fundamentalismo intelectual promove a secularização de dogmas colocados ao serviço da exclusão dos impuros. Corresponde a um modo de ver semelhante ao dogmatismo marxista, mas de sentido contrário. Ele se organiza em forma de uma clerezia responsável pelas homílias e manutenção de um espírito inquisitorial onde todos passam pelo escrutínio da pureza ideológica.

Para o artista, a caracterização ideológica é tão estúpida quanto a especulação sobre se Michelangelo era um pecador ou não, ou se Caravaggio acreditava em Deus. No que pode mudar nossa admiração por Boticelli se descobrimos que ele era de uma reputação duvidosa?


Capacete de Aço – Affonso de Carvalho

É difícil encontrar um depoimento dos militares que lutaram ao lado de Getúlio na revolução de 32. Por isso, li com interesse. O livro foi prefaciado pelo general Goes Monteiro, que narra o conflito no Vale do Paraíba.

O livro de Affonso de Carvalho apresenta os argumentos que ficaram soterrados na história, posto que a posição paulista era correta e prevenia o que viria a ser a tragédia da ditadura de 37. Derrotados os constitucionalistas, o caudilho sentiu-se à vontade para fortalecer-se e passar a tudo fazer para permanecer no comando do país.

A posição política paulista é vista como de intransigência dos capitalistas e reacionários (sic) que não aceitaram todas as concessões feitas por Getúlio para as eleições estaduais. Ele descreve os cenários da luta do ponto de vista militar, dos esforços, dos sacrifícios e dificuldades, das atrocidades fratricidas entre irmãos. Não é um livro político, porém, trata-se de uma descrição de paisagens, movimento de tropas, cartas encontradas no bolso do inimigo morto. O tom de heroísmo militar pervade a obra.

Felonia – traição, deslealdade, maldade, ferocidade.
Desdouro

Pg 194: Os responsáveis pela atual guerra civil fizeram anunciar que as forças a mando dos políticos profissionais que estavam escravizando o grandioso Estado de São Paulo, traíram a Constituição na ponta de suas armas.

Não a trouxeram. Em lugar, porém, do texto de 91, uma COUSA menos importante, em tais hábitos de selvageria, ostentada como um doloroso troféu sangrento das hostes do perrepismo: o pobre coração humano, espetado numa baioneta, como simples pedaço de carne. Ver conclusão a pg 202.


André Malraux – Jean François Lyotard

Fui passear na Faria Lima, a partir da Paulista pela linha 4 do metrô, que não conhecia, e cheguei a uma pequena feira de livros onde não resisti a esta biografia. De novo o acaso do garimpo espiritual me produziu o lancinante contentamento da “cosa mentale”. Bastou ver na orelha a máxima de Malraux de que “só o que é lendário é verdadeiro” para siderar minha sensibilidade metafísica e adquirir o livro.

Mas logo me desgostou o estilo de Lyotard em que a desordem de ideias cria uma confusão geral capaz de esconder a biografia de Malraux em detalhes fragmentados. Mas até que ponto a confusão do autor não é aumentada pela confusão do tradutor? Difícil saber, mas parece que as duas confusões se somaram para danação do leitor, embora, em se tratando de crítica francesa eu sempre desconfio dessa mixórdia que a psicanálise criou na crítica. Veja-se por exemplo, a pag 31 em que Lyotard resvala para o retoricismo vazio. “O artista não é aquele que cria; é aquele que sente”.

Meu Deus!!!, o tradutor chama Le Coup de Dées de Mallarmé de O Copo de Dados !!! Larguei de mão o livro, completamente amuado e envinagrado com a crítica francesa.

Nacos:
O visco
Rarefeições
Trapizomba – indivíduo com o membro avantajado.
Carripana – carriola, carro ordinário, diligência réles.


George Simenon – O Assassino

Tentei me reconciliar com a literatura policial. Terminei por confirmar meu veredito de 30 anos atrás: trata-se de literatura de evasão e passatempo. Nenhuma metáfora, nenhuma frase mais erudita, nada que não seja o cotidiano de um assassino na figura do dr. Kuperus que matando por vingança sua mulher e o amante, acaba não sendo descoberto, mas vivendo a discriminação social de sua cidade de forma ostensiva e humilhante. Na verdade, tem apenas uma metáfora aproveitável: “ele fez um gesto de mão como se afastasse as nuvens”.


André Malraux – A Esperança

Que tradução infame!!! Pode-se ler um livro cujo capítulo 2 começa assim?: “Em meio de uma frescura de regadio, o dealbar de uma aurora de pleno verão raiava em Barcelona”.
“Como em todo combate que se prolonga, despontava o gosto pelos chefes”
Evidentemente que se trata de uma tradução portuguesa, arre...

Nacos:
Olarilas!
Apropinquaro – aproximando
Desbarrondar – desmoronar, esboroar, esbarrondar, despenhar-se, investir impetuosamente.


André Malraux – O Caminho Real

A primeira frase já mostra a inexperiência da tradutora com as palavras: “Desta vez a obsessão de Claude entrava em luta: olhava obstinadamente para o rosto deste homem, tentava enfim distinguir a expressão na penumbra em que o deixava a lâmpada acesa atrás dele”.
Este “em que o deixava” poderia ser substituído por “provocada pela” evitando o pronome e a aridez do “deixava”.

Malraux trabalha com a obsessão francesa pelo inusitado, o “exotisme”. Talvez seja este o seu sucesso literário. O Caminho Real é a estrada das cidades abandonadas da Tailândia, o Vale dos Reis.

A tradutora usa a palavra insubmisso a torto e a direito. Percebi que o sentido era rebelde. O que se pode dizer de alguém que usa insubmisso para caracterizar grupos guerrilheiros nas selvas?

Traduzido, não se consegue entender Malraux. Suas imagens não permitem localizar os personagens, produzindo uma dispersão tal que se transformam em uma sucessão de anacolutos. Acho que o esquecimento de Malraux é justificado.

Nacos:
Golpes de chuço


Cristóvão Tezza – O Professor

O professor Heliseu veste-se para proferir o discurso de agradecimento pelo prêmio recebido em seu trabalho de filólogo e relembra a sua vida com a mulher Monica – que morre acidentalmente, ou não, ao escorregar na sacada do apartamento enquanto regava as plantas – e com Therèze, amante que lhe abandona para viver em Lyon, e do filho que detesta e vive em São Francisco.

Trata-se de uma narrativa intercalada de fatos do passado com observações filológicas do português arcaico. Tezza é tão desinteressante e chato quanto um professor de português e o livro peca pela tentativa de ironia que não agrada, não comove e não convence. Dos escritores sulistas está atrás de Domingos Pellegrini e Ernani Ssó. Falta mais perspicácia e menos detalhes aborrecentes, mais humor e menos descrição de gestos, pois não consegue penetrar nos personagens que criou.

Tezza é o contrário de um Adelino Magalhães, sua ironia machadiana não agrada nem impressiona. O seu eh eh no lugar de he he é irritante.

Ele tem uma boa técnica de troca de assunto, mas os detalhes descritivos são desinteressantes, o que torna o livro ruim.


Mario Vargas Llosa – A Festa do Bode

Excelente novela sobre a tragédia da ditadura Trujillo na República Dominicana de 1930 a 1961. Llosa escreve no estilo best-seller americano, com uma linguagem jornalística, onde só conta o enredo e a condução da narrativa que se passa em 3 níveis de narradores e se alterna seguidamente entre a lembrança e o tempo presente.

Llosa fez um bom trabalho de pesquisa, uma primorosa descrição dos fatos e uma ampla coleção de personagens. Mas é literatura convencional, não há humor, ironia ou jogos verbais. Não há metáforas nem poesia. Apenas o estilo jornalístico despojado preferido da indústria editorial e do vocabulário dos leitores de jornais. A fase de mestre de Tia Julia e o Escrevinhador desapareceu depois do Nobel. Sem o picaresco, não existe o ditador latino-americano. Valha-me Ramón Del Valle-Inclán.


Roberto Bolaño – Amuleto

Nunca havia lido Bolaño e escolhi esta novela para me situar em sua narrativa. Tudo se passa com uma uruguaia que chegou ao México fugindo de seus fantasmas, ao estilo Magda de O Jogo da Amarelinha, e passa a perambular pela Universidade Autônoma do México, fazendo bicos e vivendo a vida marginal em nome da poesia, que se intitula a Rainha da Poesia Mexicana. Bolaños não convence porque sua linguagem é muito pobre e não se vê poesia alguma na narrativa. Este é o problema da personagem do autor, cuja defasagem demonstra que o autor é mais pretensioso do que sua capacidade de criar uma personagem com a força poética que ele se esforça para dar, mas falha.

Bolaños lembra Caio Fernando Abreu, e creio que fez tantos leitores como este em suas incursões pelo mundo marginal paulistano.


João do Rio – Melhores Contos

Aventura de Hotel – “sempre grandes nomes, gente importante, um complexo armorial de celebridades funcionárias e titulares empastilhados”.

Gostei das histórias de João do Rio. Estilo Primoroso, gosto pela linguagem, impressionista no estilo e conteúdo surpreendente fazem dele um grande cronista do início do século XX.

Nacos:
Tarlatana – tecido muito fino e engomado usado em forro de vestido e gesso.
Saindo para a porneia da cidade – devassidão e libertinagem.
Esparrimando belbutinas fedorentas.
Belbutina – tecido de algodão aveludado.
Fúfia – mulher ridícula e pretensiosa, pessoa sem mérito, engrandecida pelo acaso.
Galarim – apogeu, cúmulo, fastígio, estar no galarim – estar no auge. Opulência.
Cloróticos – muito pálido, desbotado.
Tinha a impressão de velutínia (semelhante ao veludo) piedade.
Saí varado – estupefato, atônito
Olências exóticas – flagrância
Frases de antifonário – livro de coro que contém as horas, responsos e antífonas.
Caçoulas – vaso de queimar aromas e resinas.
A quinta-feira dissolvera na cidade a impalpável essência da luxuria e dos maus instintos.
De uma palidez bistrada – da cor de bistre, fuliginosa, da cor das olheiras.
Estore – cortina de janela que se enrola, levantando e baixando.
Górgone – mulher horrenda, perversa, repulsiva, por alusão as três fúrias mitológicas: Estena, Euríale e Medusa, mulher que tinha serpentes nos cabelos e transformavam em pedra aqueles que as encaravam. Górgona.
Marçano – novato em qualquer ocupação; principiante.
Ser ambíguo e serpentino.
Dois olhos verdes, pestanudos.
Broco – velho broco
Sarapatel – mistura de coisas sem ordem; confusão, balbúrdia, algazarra; rolo. Guisado de sangue, tripas e miúdos de porco ou carneiro.


João Ubaldo Ribeiro – A Arte e Ciência de Roubar Galinhas

Livro de crônicas dos anos 80. Acho que não conhecia Ubaldo nesta época. Já tinha seu estilo humorista de autocrítica aquilatada pelo depoimento de personagens da Ilha de Itaparica.

Trinta anos depois, seu humorismo melhorou, suas crônicas se tornaram célebres e faleceu recentemente deixando uma vasta obra escrita. Era o único membro da ABL com talento literário, como convém ao panteão das letras, hoje transformado em pavões editoriais, quase todos sem lustres literários, quando não maus escritores.


Gilberto Amado – Três Livros – José Olympio 1963.

A Chave de Salomão – um texto parnasiano de introspectivas meditações sobre a felicidade abre o livro primeiro, constituído pela crítica literária de autores, consagrados da literatura e textos de crítica cultural, como a Vênus Fulva.

A Facilidade Moderna → fala sobre a celebridade. Importante crônica do exibicionismo do início do século XX.

Outra crônica excelente é A Independência. Pg 43-47.

“A nossa evolução é cheia de extravagâncias” (Publicar o resto).

Nacos:
Balandran respeitável – vestimento com capuz e mangas abotoada na frente → roupa de padre. RS. Poncho leve de franjas. Pessoa ou roupa desajeitada. Sobretudo – sobrecasaca.
As matrizes da literatura clássica.

O discurso populista, marxista, socialista bolivariano, tem uma reserva de heroicidade. O heroico significa a representação de uma conquista que já se sabe ser difícil, mas que a consciência exige superlativos, já que a burocratização da vida no coletivismo leva os indivíduos à paralisia produtiva. Logo, o heroico no discurso tem essa necessidade de celebrar o óbvio com grandes emoções.

Gilberto Amado foi contemporâneo de Ronald de Carvalho e ambos se caracterizaram pelo lirismo narrativo, uma crítica eivada de referências espirituais, metáforas vibrantes em meio ao culto do preciosismo verbal.

Também foi crítico literário que não se arriscou à própria prosa, ou melhor, que fez de sua prosa um estilo de ficção que antecede a Octavio Paz.

Raramente ele se atrapalha, porque evita o terreno da promiscuidade da literatura com a filosofia, exceto no artigo sobre Intelectualismo e Pragmatismo, onde sua tentativa de filosofar em torno da ideia e do sentimento não passa de um equívoco.

Em o Espírito de Nosso Tempo GA fala da corrente reacionária cuja reação era contra a ciência e suas aplicações, contra o método experimental, contra o método histórico, contra o século XIX, contra a revolução francesa, contra o liberalismo político, suas consequências e desenvolvimento. Referia-se a Jackson de Figueiredo e o Centro Dom Vital. [Olavismo avant-la-lettre]

Mal de vivre → Baudelaire.

Pgs 506-507: Se o ponto de vista moral e a utilidade social presidissem a produção da arte, a Idade Média teria construído, em vez de catedrais, choupanas e casebres para as multidões desabrigadas, as populações miseráveis em meio as quais se erguiam, e, pela mesma maneira, os monumentos egípcios e os templos gregos não teriam sido elevados.

“O respeito ao mérito é um traço das sociedades cultas e dos povos que por circunstâncias diversas tenham estado em perigo”. Pg 524.

Nacos:
Luz dilucular → alvorada (dilúculo), alba.
GA se especializou no retoricismo ufanista.
Zaragulhar do jazz-band.
Filáucia – amor próprio, jactância, bazófia.
Singelas badalhocas (mulher repugnante, bola de excremento ou terra pendente nas pernas dos camelos).
Vesânico – maníaco – vesânia: loucura, insanidade.
Vicariamente – substitutivamente, delegação de poder


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