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quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Fragmentos 38

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


Nunca existiu na história da República um movimento popular tão intenso CONTRA a CORRUPÇÃO como o que emergiu nas redes sociais a partir de 2011.

Iniciando com o pedido de julgamento do Mensalão (que estava parado no STF), e prosseguindo com a descoberta de fraudes na Petrobras, a atuação do Ministério Público de Curitiba, em conjunto com a 13a Vara Federal, foi capaz de produzir revelações sistemáticas de agentes, contratos e valores desviados em um labirinto semanal de denúncias que manteve a sociedade mobilizada até a prisão final de Lula, e dos empresários das principais empreiteiras do país.

No topo do torvelinho social aparece a figura de Sergio Moro, um juiz paranaense experiente no tratamento de escândalos de corrupção da década de 90, e durante o processo do Mensalão — quando assessorou Rosa Weber em Brasília.

Era de uma geração criada distante dos círculos íntimos do Poder e que condicionava sua prática jurídica aos limites da interpretação da lei. Com as descobertas trazidas à tona pelas investigações e, subsequentemente, pela implantação da delação premiada, Moro tornou-se o alvo principal da corrupção sistêmica que engloba os três poderes e os três níveis de governança do país.

A corte de advogados, porta-voz da conhecida ciência jurídica do direito CONTRA a VERDADE, estendeu seu alcance para toda a imprensa que, venal e venenosa, logo lançou seus vira-latas plumitivos na batalha para desmerecer a Lava Jato, que entretanto se manteve incólume até as vésperas das eleições presidenciais de 2018.

O livro de Sérgio Moro trata de explicar todos os eventos e responder às principais calúnias lançadas contra ele que reproduzo no blog de Fragmentos em cento e seis parágrafos.

Insultado por todos os lados, surpreende no decorrer da leitura do livro a ausência total do tom de vitimismo, tão em moda em nossos dias, e a clareza para explicar as argumentações jurídicas de cada caso.

Não aparece um único juridiquês para distorcer uma ideia ou justificar um ato.

Toda a escrita é límpida e cristalina, uma verdadeira aula sobre a atuação da corrupção em nosso país.

Livro escrito para atender um reclame da sociedade para adesão ao processo eleitoral, Moro lança sua candidatura no momento em que o Brasil precisa retomar o enfrentamento da corrupção vitoriosa com o advento da pandemia e da traição de Bolsonaro às promessas de campanha.

É forçoso reconhecer que Moro é a pessoa mais bem preparada e experiente para liderar o processo de Renascimento que todos esperamos e assim mudar o sistema jurídico que se estruturou legalizando a corrupção em um sem número de atos normativos decorrentes da frente ampla entre os parlamentares, o Executivo e o Judiciário, respaldada pelo resto da institucionalidade parasitária do Estado, especialmente da advocacia cujo vigor transparece na litigação de grandes causas.

Se Moro vai ter sucesso ou não depende do que vier e das alianças que for capaz de alinhavar para enfrentar a resistência granítica da corrupção. A única advertência que posso fazer é lembrá-lo de que a corrupção tem raízes mais profundas que o simples ato criminal.

O estado atual da sociedade brasileira, adestrada no ceticismo negativista pelo pervasivo triunfo do mal, humilhada pela segregação social em todos os quadrantes, angustiada pelas privações impostas pelas dificuldades financeiras, torna o trabalho de recuperação moral um papel reservado aos evangelistas capazes de pregar repetidamente o caminho da luz.

Não é um trabalho para uma única disputa eleitoral.


Sergio Moro — Contra o Sistema da Corrupção


CAPÍTULO 1 Faça a coisa certa, sempre

1. Os funcionários públicos têm de ser um exemplo de conduta para toda a população. O lema era: “Faça a coisa certa, sempre.”

2. Ainda em Curitiba, atuei algum tempo como juiz substituto em uma vara previdenciária. Ali, por outra perspectiva, presenciei a perversidade do sistema judiciário. Era elevado o número de pessoas que recorriam à justiça para obter o reconhecimento do direito a uma pensão ou uma aposentadoria após terem os seus requerimentos negados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

3. Essas experiências na vara de execução fiscal e na previdenciária foram o meu laboratório particular e iriam influenciar a minha atuação no futuro, em um contexto diferente, em uma vara com processos criminais. A Justiça efetiva é um valor fundamental para todas elas, mas especialmente na última. Quem tem razão, seja autor, seja réu, tem de ganhar e levar; não pode ser uma Justiça de faz de conta.

4. [Referindo-se à diferença entre o Plea Bargain no direito processual americano de onde teve a primeira experiência em 1998 e o direito brasileiro]: Por aqui, a busca pela verdade no processo penal transforma-se, muitas vezes, na busca pelo erro processual, na tentativa de anular todo um trabalho do policial, do procurador ou do juiz, a partir de pequenas falhas formais que, na maioria dos casos, em nada prejudicam a qualidade das provas nem afetam direitos fundamentais do acusado.


CAPÍTULO 2 — O doleiro dos doleiros

[Narra a captura de Alberto Yousseff e os eventos relacionados com as contas CC5 de estrangeiros em agências bancárias de Foz do Iguaçu que eram utilizadas para envio de remessas ao exterior. Iniciado no ano 2000, o processo que passou a ser chamado Banestado teve sua participação parcial, cabendo uma parte significativa à justiça estadual. Embora não seja importante para os dias atuais, este processo serviu para o entendimento judicial de como o dinheiro de obras públicas era desviado e o caminho saltitante percorrido em contas de laranjas que acabavam em offshores.]

[Descreve também o surgimento da Lava Jato, as primeiras diligências e descobertas de transações entre doleiros e diretores da Petrobras.]


CAPÍTULO 3 — Um traficante salva a Lava Jato

5. Paulo Roberto Costa, além de ter recebido milhões de dólares em suborno e tê-los ocultado no exterior (o que aumentava o risco de que fugisse e ainda ficasse com a fortuna lá fora), orientou familiares a destruir provas durante uma diligência policial. Tenho absoluta certeza de que tais motivos eram suficientes para a decretação da prisão preventiva de ambos [ele e Yousseff], no Brasil e em qualquer país sério do mundo. Prisão preventiva cabe quando há boas provas dos crimes associadas a alguma situação de urgência gerada por um risco, que pode ser às provas, à aplicação da lei, à sociedade ou mesmo a outro indivíduo.

6. Por exemplo, quando, mesmo antes do julgamento, se descobre que o acusado esconde documentos, planeja sua fuga ou pretende praticar novos crimes, é cabível decretar a preventiva, desde que haja provas dos delitos pelos quais é investigado ou acusado. Em situações claras de decretação de prisão preventiva, se a Justiça não mostra firmeza, ela se desmoraliza. Vira a Justiça do faz de conta, que é o que muitos criminosos de colarinho-branco desejam e vários, infelizmente, conseguem.

7. As ações penais contra a dupla Youssef e Costa eram consistentes e poderiam resultar na condenação dos dois a muitos anos de prisão. Eles sabiam disso e passaram a cogitar a assinatura de acordos de colaboração premiada. Para tanto, seria utilizada a lei que trata de organizações criminosas, aprovada em 2013 em uma espécie de resposta do governo e do Congresso aos protestos populares ocorridos naquele mesmo ano.
Nada como o povo na rua para fazer as instituições se mexerem e aprovarem leis que dormitam nos escaninhos da burocracia.

8. Corriam também boatos de que várias empreiteiras envolvidas no escândalo buscavam autoridades em Brasília para propor um acordo conjunto de leniência com a Procuradoria-Geral da República. Nele, pagariam uma indenização de 1 bilhão de reais e, em contrapartida as investigações e ações penais e cíveis em relação a essas empresas não prosseguiriam.


CAPÍTULO 4 — Nada será como antes

9. A Lava Jato revelava em todos os seus detalhes o sistema de corrupção que governava o Brasil. Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa disseram que as maiores empreiteiras do país formavam um grande cartel, no qual se definia previamente as vencedoras das licitações da Petrobras, o que permitia às empresas cobrar o preço máximo admitido pela estatal.

10. O mais assustador nos depoimentos era a revelação de que a corrupção teria perdurado por anos e envolvido dezenas de contratos milionários (ou, em alguns casos, bilionários) da Petrobras com suas principais fornecedoras.

11. Aqui vale reiterar o que já foi dito: os acordos de colaboração eram relevantes, pois somente os participantes dos crimes tinham condições de prestar depoimentos sobre os fatos e acelerar a descoberta deles pelos investigadores. Além disso, tudo precisava ter prova de corroboração, uma vez que a palavra do colaborador era insuficiente para uma condenação criminal ou mesmo para justificar uma prisão ou uma acusação. Essa regra sempre foi seguida à risca na Lava Jato. Ao contrário do que alguns críticos da operação alegavam, não se tratava de processos que tinham por base somente a palavra de criminosos colaboradores.


CAPÍTULO 5 — Vale para todos

12. Quando a Lava Jato deu seus primeiros passos, a Odebrecht era, de longe, a maior empreiteira do país, com obras distribuídas por diversos países e receita bruta anual de 107 bilhões de reais em 2014.

13. Com base em documentos vindos do exterior, ficaria provado que a Odebrecht se valia de uma enorme teia de contas bancárias e offshores mundo afora para subornar agentes públicos e políticos brasileiros. A partir de contas em seu nome no exterior, a empresa transferia valores milionários para outras contas abertas em nome de offshores de Antígua, Andorra, Áustria e Panamá, tendo a própria Odebrecht ou algum funcionário dela como beneficiários finais. Somente depois é que o dinheiro era transferido para contas controladas por gerentes e diretores da Petrobras. Não raro, o dinheiro passava por mais de uma conta em nome de uma offshore antes de ser depositado na conta do agente público.

14. Por tudo isso, me causa certa indignação ouvir críticas ao uso da colaboração premiada na Lava Jato, especialmente quando vindas de pessoas que sempre se mostraram lenientes com a corrupção ou até mesmo cúmplices. [São justamente provenientes da advocacia da impunidade e seus satélites na imprensa].

15. Até a Operação Lava Jato, como já comentei aqui mas sempre é bom frisar, o Brasil tinha fama de ser a terra da impunidade para corruptos e criminosos em geral. Mas, com a notoriedade internacional da Operação Lava Jato e as repercussões do Caso Odebrecht na América Latina, o Brasil passou a ser visto com olhos diferentes pela comunidade internacional.


CAPÍTULO 6 — O áudio

16. Surgiram rumores de que a Odebrecht mantinha uma relação muito próxima com dirigentes do PT, inclusive com o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já naquela época, em 2016, a operação havia alcançado algumas lideranças importantes do partido, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e os ex-Ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda).

17. Voltando ao ex-presidente [Lula], não havia alternativa senão prosseguir diante dos indícios de seu envolvimento pessoal nos crimes. Não dependia da vontade dos investigadores ou do juiz decidir se o caso seria investigado ou não. Não havia como fechar os olhos para a realidade. O dever legal era de prosseguir, ainda que todos soubessem que investigar e processar Lula seria muito desgastante.

18. Com o surgimento de fundadas suspeitas do envolvimento de Lula no esquema, deferi em 19 de fevereiro de 2016 um pedido do MPF para que fossem interceptados alguns telefones utilizados por ele e por pessoas próximas.

19. A interceptação telefônica nos números do ex-presidente captou diálogo no dia 27 de fevereiro em que Lula dizia ao interlocutor ter ciência prévia de que seria realizada alguma busca e apreensão em seus endereços e cogitava convocar parlamentares do PT para esperarem a polícia nesses locais e, dessa maneira, atrapalhar a diligência. Essa ameaça de obstrução do trabalho da Polícia Federal por militantes poderia gerar situações de risco para eles e para os agentes.

20. Logo que a Polícia Federal informou ao ex-presidente que ele seria levado ao aeroporto de Congonhas, o líder petista e seus assessores acionaram a militância política, que foi até o local protestar.

21. Terminado o depoimento, pouco antes do meio-dia, o ex-presidente foi até a sede do PT em São Paulo e, em entrevista coletiva, atacou a Operação Lava Jato, incluindo a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz do caso – eu.

22. Com o avanço das investigações em relação a Lula e os movimentos políticos e sociais pelo impeachment da Presidente Dilma Rousseff, surgiram rumores, veiculados pela imprensa, de que o ex-presidente seria nomeado Ministro da Casa Civil. A medida teria duplo objetivo, segundo se especulava: Lula atuaria para impedir o impeachment e ainda ganharia foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal, o que retiraria a competência da 13a Vara Federal Criminal de Curitiba para continuar com os processos de investigação contra ele.

[Segue a descrição da polêmica do famoso telefonema de Dilma para Lula falando do Bessias que acho desnecessário citar.]


CAPÍTULO 7 — Um domingo qualquer

23. Vale lembrar que a estratégia da acusação era relacionar o ex-presidente a atos de enriquecimento ilícito. Os valores que teriam sido disponibilizados pela Odebrecht e pela OAS a Lula e ao PT por esquemas de suborno seriam infinitamente maiores, mas os recursos obtidos, em sua maior parte, teriam sido destinados ao financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Esses fatos foram relatados, pelo menos, pelo ex-Ministro Antonio Palocci, pelo empresário Marcelo Odebrecht, CEO do grupo Odebrecht, por Léo Pinheiro, CEO da OAS, e até mesmo por João Santana, responsável pelas campanhas presidenciais do PT.

24. Lula repetia os mantras que eram utilizados contra a operação. A culpa pelas dificuldades das empresas afetadas pela Lava Jato era da investigação e não do envolvimento delas na prática sistemática de suborno.

25. As empresas investigadas por suborno tiveram, desde o início da Lava Jato, a oportunidade de procurar as autoridades, celebrar acordos de leniência, revelar os crimes e colaborar com a Justiça, reduzindo assim os prejuízos à sua reputação e às suas finanças. A maioria, porém, confiando na impunidade, optou por negar suas responsabilidades até que, com o aparecimento de mais e mais provas, o quadro em relação a elas foi se agravando. Se tivessem decidido colaborar desde o início, teriam sofrido consequências muito menores. Foi a demora que piorou o cenário para elas. De todo modo, não era possível admitir que continuassem com o esquema criminoso nem que seus sócios e executivos ficassem impunes.

26. Aproveito para fazer algumas reflexões sobre o ato de julgar. Normalmente o magistrado forma o seu julgamento ao longo da instrução de uma ação penal. Ele analisa as provas, ouve as testemunhas e as partes e vai montando um quebra-cabeça.

27. No habeas corpus, que tinha o Ministro Teori Zavascki como relator, o Supremo, com uma maioria de sete votos contra quatro, reviu seu posicionamento e passou a admitir que, após a condenação por um tribunal de apelação, ou seja, pela segunda instância, seria possível iniciar a execução da pena. Fui inteiramente surpreendido naquele dia. Não tinha essa possibilidade em vista. Mas foi uma grata surpresa. Depois de vários anos atuando em uma vara criminal, vi casos complexos virarem pó por nunca alcançarem o trânsito em julgado, dada a prodigalidade do nosso sistema recursal. Foi o que ocorreu, por exemplo, no Caso Banestado, já narrado neste livro… em países como França e Estados Unidos, a execução da pena começa, como regra, já após a condenação em primeira instância.

28. Até hoje o ex-presidente busca caracterizar o processo como uma perseguição política e pessoal a ele. Criou-se até o termo “lavajatismo” para designar essa suposta perseguição, que, asseguro, nunca houve. O que Lula normalmente omite é que, como já escrevi, a minha sentença foi depois confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região e ainda pelo Superior Tribunal de Justiça.

29. Ele ainda seria condenado em outra ação penal, por outro juiz, em outro episódio de suborno — o caso das reformas custeadas pela Odebrecht e a OAS no sítio de Atibaia (SP) para atender o ex-presidente. Em síntese, segundo a sentença, Lula utilizava, como se fosse sua propriedade, um sítio em nome de terceiros, reformado, sem nenhum pagamento, pelas empreiteiras envolvidas nos subornos na Petrobras. Essa sentença também foi confirmada pelo TRF-4. Ou seja: eu fui o responsável por apenas uma das condenações e ela ainda foi confirmada por duas instâncias. Mas a narrativa do ex-presidente omite esses fatos e procura atribuir a mim a responsabilidade única por suas condenações criminais.


CAPÍTULO 8 — O convite

30. Nós, brasileiros, parecíamos ter acordado para a luta contra a corrupção, com grandes manifestações populares em todo o país. Afinal, em toda a nossa história não houve outra operação policial contra a corrupção com resultados tão expressivos.

31. Como deputado, Jair Bolsonaro tinha dado dezenas de declarações agressivas contra as mulheres, homofóbicas e autoritárias, com enaltecimento dos excessos do regime militar, incluindo a homenagem feita, durante a votação do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, ao coronel Brilhante Ustra, acusado de torturar adversários políticos do regime. Admito que participar de governo cujo presidente era responsável por declarações desse tipo era controverso. Mas, durante a campanha eleitoral, minha avaliação era de que ele havia moderado o tom. Ao assumir a Presidência da República, minha expectativa era de que Bolsonaro também adotasse uma postura mais ponderada, de estadista, deixando um pouco de lado o seu nicho ideológico. Além disso, não imaginei, nem por um minuto, que aquelas declarações, muitas delas completamente absurdas, reverberassem em políticas públicas concretas.

32. Claro que, agora que se tem ciência do que ocorreria no futuro — a falta do apoio do presidente à agenda anticorrupção, o surgimento do caso de Fabrício Queiroz ainda em dezembro de 2018, a falta de cumprimento da palavra do presidente quanto à “carta branca” para nomeação de cargos, a aliança com políticos fisiológicos e acusados por corrupção na Lava Jato —, é fácil concluir que eu errei.

[Mas o caso Queiroz sendo anterior a aceitação do cargo de ministro por ele deveria ter servido de alerta. Foi neste momento que me manifestei contra a aceitação do cargo de Ministro da Justiça por ele].

33. Admito que faltou da minha parte um salutar ceticismo quanto às promessas efetuadas pelo presidente eleito e quanto à própria boa vontade de Brasília para avançar no combate à corrupção. Mas eu não era um político treinado, e sim um juiz. Não estava acostumado à quebra de palavra.


CAPÍTULO 9 — Contra o crime organizado

[Descreve sua experiência na prisão de grandes traficantes, entre eles Fernandinho Beira-Mar. E logo a seguir, o início de seu trabalho como Ministro da Justiça. Início difícil pela rebelião nas prisões do Ceará e a necessidade do envio da Força Nacional de Segurança Pública.]


CAPÍTULO 10 — Um golpe no PCC

[Continua descrevendo ações de combate ao crime organizado logo nas primeiras semanas de gestão.]


CAPÍTULO 11 — Coaf, o pecado original

34. Ingressei no governo federal motivado por meus princípios e com a intenção de consolidar a agenda anticorrupção inaugurada pela Lava Jato; deixei o governo federal motivado por meus princípios e com a intenção de proteger o legado da Lava Jato e a agenda anticorrupção.

35. Mas, em relação a várias questões, eu tinha de acatar as decisões tomadas por Bolsonaro, ainda que internamente eu houvesse sugerido algo diferente ou me posicionado contra determinada medida. Chamou a minha atenção e a de meus assessores que aquela foi uma luta solitária da pasta da Justiça e Segurança Pública. O Planalto e sua coordenação política não moveram um dedo para manter o Coaf na pasta da Justiça.

36. Por isso, fui procurado pelo Planalto e pela Casa Civil com pedidos expressos para não insistir na mudança do texto da medida provisória no Senado — ou seja, para abrir mão do Coaf. Eu preferia insistir, mas também não queria ser injustamente responsabilizado por ter provocado a perda de toda a medida provisória. Portanto, deixei de trabalhar no Senado para a volta do Coaf ao Ministério da Justiça e, com a medida provisória convertida em lei, o órgão retornou ao Ministério da Economia.

37. Logo após a volta do órgão à Economia, soube de pressões para que fosse substituído o seu presidente — não bastava tirar o órgão do Ministério da Justiça, concluí; o chefe também não poderia ser uma indicação minha.

38. No Brasil ou no mundo, não se exige ordem judicial para o repasse dessas informações. E é o Coaf que atua como UIF [Unidade de Inteligência Financeira] no Brasil. Se, ao me convidarem para o posto, me alertassem que eu teria de me calar diante da destruição do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro do país para proteger qualquer pessoa, mesmo o filho do presidente, eu não aceitaria. Não sinto que tenha traído alguém nesse episódio; pelo contrário — fui fiel ao país e compromissos que havia assumido ao aceitar o convite. Se você começar a deixar de fazer o que é certo para manter ou alcançar o poder, logo se tornará um servo desse poder e ele se tornará um fim em si mesmo.


Continua —>

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