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terça-feira, 12 de julho de 2022

Fragmentos 41 - parte 2

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo


1920

38) Não é morrer que nos assusta, é esse não viver que nos exaspera.

39) Do diário de Ettore Conti, magnata da indústria.
Partimos de Roma em 4 de fevereiro ao anoitecer: nenhum dos inscritos deixou de comparecer, exceto Mussolini, retido na Itália [...] sinto muito; porque esperava conhecer esse homem tão dinâmico e estranho que, por meio de suas diversas manifestações, não é fácil de decifrar [...]. Um de seus colegas de jornalismo, Pietro Nenni, que viaja conosco e que diz tê-lo conhecido bem quando não estavam em lados diferentes da barricada, reconhece nele um fascínio obscuro de líder, homem forte que quer se distinguir, ser o primeiro, de uma maneira ou de outra; hoje contra os burgueses, amanhã senhor; um homem, portanto, que poderá fazer muito bem ou muito mal, mas que, de qualquer modo, dará o que falar. É, de fato, uma pena que, no último minuto, tenha me deixado a ver navios: teria me interessado enormemente [...]

[A agitação social que provoca a adesão popular ao fascismo como antagonista do socialismo:]

40) E, na cidade, tudo ainda vai bem. O campo está perdido. Não há vilarejo livre da influência do Partido Socialista. Em cada município, há um sindicato de camponeses, uma Casa do Povo, uma cooperativa, uma célula. As ligas “vermelhas” são donas da situação. Conseguem impor aos proprietários rurais condições de trabalho que chegam a privá-los quase por completo do direito de propriedade sobre suas terras. Os proprietários que violam as regras impostas pelas ligas são submetidos a multas pesadas a favor dos caixas dos grevistas. A aversão é particularmente tenaz em relação aos arrendatários e aos pequenos proprietários. A esses semelhantes, os trabalhadores temporários reservam o ódio mais impiedoso. O Vale do Pó, ao longo das duas margens do rio, da nascente até a foz, é teatro de lutas épicas pelo domínio dos campos.

41) Começaram, é óbvio, em Ferrara, província dominada pelas ligas “vermelhas”. Os camponeses temporários iniciaram a agitação em 24 de fevereiro para a renovação do pacto dos colonos, acompanhados pelos meeiros. A convocação à greve suspendeu a semeadura do cânhamo e da beterraba, sustento de toda a província. Intimidações, incêndios de palheiros, animais abandonados nos estábulos. A luta dos grevistas foi determinada e unânime a ponto de obrigar os proprietários a admitir a derrota em todos os pontos de discussão. Em 6 de março, aceitaram os aumentos salariais, os escritórios de recrutamento administrados pelos trabalhadores e, sobretudo, a imposição da mão de obra que obriga os proprietários a contratarem 5 trabalhadores para cada 30 hectares de terra cultivável no período entre novembro e abril, ou seja, nos meses em que não há trabalho. Em 5 de março, o exemplo de Ferrara foi seguido nas províncias de Novara, Pavia e na comarca de Casale Monferrato. A agitação durou quarenta e sete dias. Quarenta e sete dias e quarenta e sete noites de estado de sítio: de novo incêndios, sequestro de animais, tocaias, tiroteios, casas rurais transformadas em acampamentos de combatentes, os “guardas vermelhos” em Lomellina controlando as comunicações viárias e vigiando a presença de fura-greves. A adesão dos trabalhadores temporários e assalariados foi total; sua vitória, esmagadora. Os proprietários se renderam em 21 de abril.

42) Um comício sobre o pacto dos colonos estava sendo realizado, quem falava era Sigismondo Campagnoli, enviado da Câmara do Trabalho de Bolonha. Poucas menções à questão agrária e, de súbito, as afrontas costumeiras a capitalistas, padres, carabineiros e, por fim, a incitação da multidão, a palavrinha mágica de sempre: revolução.

43) Da Associação Bolonhesa de Defesa Social, memorial para o Presidente do Conselho Francesco Saverio Nitti, Bolonha, 15 de abril de 1920: Que o governo saiba que estamos prontos, acima de tudo, para defender nossas famílias e nossos lares, para proteger nosso direito ao trabalho, a nobreza de nosso trabalho cotidiano, para pôr fim de todas as maneiras a uma sucessão de coisas intoleráveis e desastrosas, criando nós mesmos os meios de defesa que até agora havíamos cedido às leis do Estado.

44) A força do socialismo italiano, por sua vez, é enorme: em apenas quinze meses, o número de afiliados aumentou dez vezes, superando 200 mil. [Em 1919-20].

45) Milão, 24 de maio de 1920
Segundo Congresso Nacional dos Fasci di Combattimento. A guinada definitiva para a direita acontece por volta da meia-noite.

46) Todavia, o congresso de verdade só começa em 24 de maio. É a “reunião mesquinha de sempre, que comunica a escassa vitalidade do movimento”, anota Cesare Maria De Vecchi, fascista monarquista de Turim. Há semanas que Mussolini anuncia nas colunas do Il Popolo d’Italia que a “hora da desforra está próxima”, Pasella informa números animadores, mas a verdade é que se contam 600 afiliados em Milão, 300 em Cremona graças ao ativismo de Roberto Farinacci, apenas 300 na capital, 100 em Bolonha, Parma, Pavia, Verona, 40 em Mântua, Oneglia e Caulônia, 20 em Piadena e Recco, e assim por diante. No total, os fascistas inscritos e regularmente afiliados são 2.375 em toda a Itália. Essa é a base militante na qual se pode confiar.

47) Mais de um ano se passou desde a fundação; no entanto, a plateia que Mussolini vê à sua frente no Teatro Lirico é pouco mais numerosa do que a de San Sepolcro. Alguma coisa, porém, mudou. Os números se parecem, mas os rostos já não são os mesmos. A falange de aventureiros, desajustados e combatentes desmobilizados mantém sua posição. O rancor dos veteranos é tenaz.

48) Apesar disso, a primeira aparição matinal de Mussolini foi prudente. Desde o início do mês, vem lançando ameaças abertas aos socialistas. O ódio daquela gente contra ele — escreve — é totalmente compreensível. Ele, de fato, mantém a promessa feita na noite de sua expulsão do partido: será implacável. E agora sente que o dia de sua vingança não está distante.

No entanto, na manhã do dia 24, no Teatro Lirico, o vingador faz um primeiro discurso de mediação. Ainda afirma que não representa um ponto de reação, ainda distingue o proletariado da direção socialista, volta a dizer que quer se aproximar do povo.

A tarefa de cortar os laços é deixada para Cesare Rossi. Há meses Rossi prega a necessidade de se proclamarem brutal e resolutamente conservadores e reacionários. Também no congresso do Teatro Lirico, manifesta-se contra os saltos no escuro, pinta a imagem de um proletariado incapaz de substituir a burguesia, como uma plebe vermelha moralmente desequilibrada, egoísta, inculta, sem alma, surda aos valores patrióticos, um rebanho de iludidos. Acima de tudo, Rossi agora julga que o proletariado é inseparável do Partido Socialista, já abraçou sua causa e, por isso, não merece qualquer indulgência. É preciso olhar para aqueles que não “trabalham com o braço”. A pequena burguesia é ainda mais maltratada do que os operários. Combater um duelo decisivo a três não é possível. Por isso, os Fasci di Combattimento devem se alinhar por enquanto com o regime atual, apesar de lhes causar asco. Nenhum pré-requisito antimonárquico, mas puro oportunismo. Os aliados devem ser escolhidos a cada vez, assim como o terreno do combate. Enquanto os Fasci di Combattimento autodenominavam-se um antipartido, eram capazes de viver de ar, mas agora precisam de uma base social. Acertarão as contas com o decadente Estado liberal em seguida.

Rossi conclui seu discurso trêmulo de raiva. O extremismo do sindicalista revolucionário que, antes da guerra, por ódio aos patrões, incendiava palheiros nos campos de Parma e Placência não o abandonou. Agora, porém, aquela aversão encontrou um novo alvo: dirige-se aos camponeses que antes ele incitava à revolta. Cesare Rossi volta a seu lugar na plateia entre os aplausos de boa parte do público.

Os futuristas, em contrapartida, rebelam-se contra a guinada à direita. Marinetti se enfurece. Grita que a monarquia é uma mochila cheia de coisas velhas a serem jogadas fora, ataca como sempre o Vaticano, fala de pastores e de rebanho, atribui a si mesmo a função do cão inteligente que fica de guarda quando o dono está bêbado. Termina com poesia: “Nós viemos do Carso”, relembra, “não iremos rumo à reação.”

49) Antes de voltar ao teatro para a sessão noturna, quando Rossi menciona o discurso de Marinetti, Mussolini dispara contra o pitoresco fundador do futurismo: “Mas quem é esse palhaço extravagante que quer fazer política e ninguém na Itália leva a sério, nem mesmo eu!?”

50) Fiume d’Italia, 15 de junho de 1920:
Em Fiume, é dia de São Guido, e toda a cidade está se preparando para ir à festa. Só que em Fiume, nos últimos tempos, é sempre dia de São Guido, e a cidade está sempre indo a uma festa.

Em 10 de junho, caiu de maneira definitiva o governo [em Roma] do odiado Francesco Saverio Nitti e, em Fiume, festejou-se.

51) Há meses Léon Kochnitzky — um jovem poeta belga com talento modesto, mas de grandes ideais — está trabalhando na Liga de Fiume, uma assembleia que pretende reunir os representantes de todos os povos oprimidos com o objetivo de se contrapor à Liga das Nações desejada pelo presidente americano Wilson, definida por D’Annunzio como: “um complô de ladrões e vigaristas privilegiados.” Fiume está isolada do mundo, mas não importa, pois o projeto que Kochnitzky cria a partir do entusiasmo do Comandante se expande para “todo o universo”. Todos os oprimidos da Terra deverão fazer parte dele, povos, nações, raças. A lista que aparece nos memorandos enviados ao Comandante abarca todas as nações (e os povos) privadas de liberdade, com Fiume à frente: Dalmácia, Albânia, Áustria alemã, Montenegro, Croácia, irredentistas alemães, catalães, malteses, de Gibraltar, da Irlanda, flamengos, e também dos povos islâmicos do Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia, Índia, Pérsia, Afeganistão, chegando até quase os antípodas, convocando para Carnaro também birmaneses, coreanos, filipinos, panamenhos e cubanos. Entre as raças oprimidas listadas por Kochnitzky, não faltam nem mesmo os israelitas, os negros americanos e os chineses da Califórnia. Este é o mundo sob a perspectiva sem muito discernimento de D’Annunzio: um globo cintilante de liberdade, dignidade e revolta. A sala de baile do espírito em festa. Kochnitzky está inspirado, tem 28 anos, também é um poeta. Por isso, o Comandante o nomeou ministro das Relações Exteriores.

Esses são os ideais. Na prática, porém, a atividade da Liga de Fiume se reduz à trama de pequenas e obscuras intrigas balcânicas. Misteriosos chefes de exércitos rebeldes croatas, montenegrinos, dálmatas, albaneses batem às portas de Fiume para obter armas e dinheiro contra sérvios que querem submetê-los a uma grande nação iugoslava.

52) Antes de voltar para as terras baixas de Flandres, o jovem poeta belga participa da festa pela última vez. Em 15 de junho, são celebrados os santos padroeiros de Fiume. No costume popular, é chamada apenas de festa de São Guido. Este ano, a cerimônia é ainda mais solene, porque dela participa o Comandante com todo o seu estado-maior e uma delegação veneziana que trouxe como presente uma lápide comemorativa de mármore com o leão alado de São Marcos. Às 11h, na praça central, é inaugurada a lápide inserida na fachada do palácio da prefeitura. O Leão de São Marcos, a pata cheia de garras que segura o livro do evangelista, abre suas asas sobre Fiume e sobre o mundo sonhador de Gabriele D’Annunzio. O poeta, que sempre atribuiu idealmente à Sereníssima República de Veneza a filiação de Fiume, fica entusiasmado. Fala de um dia glorioso, esculpido segundo a vontade da Dominante. Lista todas as cidades da Ístria e da Dalmácia, de Muggia a Piran e Poreč, de Zara a Šibenik e Split. Todos, por enquanto, fecharam o livro. Todos são leões. É o dia da revanche. Seguem-se, à tarde, competições esportivas e, à noite, bailes populares nos bairros antigos.

Ali, antes de partir para sempre, Kochnitzky grava em sua mente uma lembrança indelével. Não poderá esquecer aquela atmosfera de festa perpétua, os cortejos, as procissões, as fanfarras, os cantos, as danças, os foguetes, os fogos de artifício, os discursos, a eloquência, a eloquência, a eloquência... Na praça iluminada, admira as bandeiras, as grandes escritas, os barcos com as lanterninhas floridas, porque até o mar tem sua parte na festa, e as danças... as danças estão por toda parte: na praça, nos cruzamentos, no cais; de dia, de noite, dança-se sempre, canta-se. E não são barcarolas sem energia, mas fanfarras marciais. Todos bailam e dançam ao seu ritmo, girando em um bacanal desenfreado de soldados, marinheiros, mulheres, cidadãos. O olhar, onde quer que se detenha, vê uma dança: de lampiões, de tochas, de estrelas. Faminta, destruída, angustiada, Fiume, agitando uma tocha, dança diante do mar.

53) Enquanto Fiume dança, outro jovem poeta, o italiano Giovanni Comisso, passeia na cidade em festa. Vai ao hospital militar visitar um amigo. Erra o caminho e vai parar na ala de doenças venéreas. Naquela cidade povoada por jovens legionários armados prontos para abrir fogo contra o mundo, é claramente a ala mais cheia. Comisso fica atônito. Os tratamentos são confiados a uma mulher, jovem e enérgica, uma espécie de dona de casa ou parteira. Com as mangas arregaçadas sobre os braços brancos e carnudos, trata os terríveis Arditi como se fossem meninos birrentos. Com severidade, manda que tirem as roupas e se deitem às dezenas sobre tábuas rústicas, segura seus pênis flácidos como se fossem excrescências inúteis, abre feridas, retira chumaços de algodão imundo, desinfeta, fecha de novo, rega, massageia aqueles corpos musculosos e de uma magreza perfeita, inconcebível para os povos que conheceram o bem-estar. Eles se viram, dóceis, malandros, complacentes, e abandonam-se de lado, tristes.

54) Em Ancona, no fim de junho, amotinou-se um regimento inteiro de bersaglieri que deveria reforçar o comando militar italiano de Vlorë, ameaçado por rebeldes albaneses. A população operária da cidade rebelou-se em apoio aos soldados insubordinados. Atacaram a tiros de canhão o quartel para fazê-los sair dali. A crise militar do Exército italiano é desanimadora. Mussolini, desconsolado, escreve a D’Annunzio lamentando a “tremenda crise de avacalhamento” atravessada pela Itália.

55) Giunta é um advogado toscano, intervencionista voluntário, ex-capitão e legionário dannunziano, que se distinguiu nos movimentos contra a carestia de 1919 em Florença por ter comandado o ataque a uma loja de calçados. Depois de Fiume, Mussolini o enviou para organizar os Fasci di Combattimento da Veneza Júlia na fronteira eslovena. Giunta os organizou com precisão militar, subdividindo-os em grupos destinados a territórios específicos. Trieste respondeu magnificamente. Nas zonas de fronteira, ao inimigo de classe se soma o inimigo da pátria; ao bolchevique, o estrangeiro; ao socialista, o eslavo: os operários eslovenos também são comunistas. A mistura é explosiva e perfeita para que o fascismo crie raízes.

A fagulha surgiu durante uma manifestação para protestar contra o assassinato na Croácia de dois soldados italianos.
Longe do palco, no qual Giunta invocava a lei de talião (“É necessário lembrar e odiar”), um rapaz é esfaqueado numa briga entre italianos e eslovenos. Chama-se Giovanni Nini, tem 17 anos, é de Novara, cozinheiro na trattoria Bonavia. Segundo alguns, estava apenas passando por ali. Parece que, durante a agressão, antes que a lâmina cortasse seu fígado, ele gritou: “Não tenho nada a ver com isso!” Mas não importa. Um mártir é um mártir, a despeito das suas opiniões.

Após o esfaqueamento do patriota italiano, os fascistas de Giunta logo abandonam a praça, marchando em colunas disciplinadas nas quais muitos observadores percebem um plano premeditado. Uma hora mais tarde, as chamas se deflagram no maciço edifício do Hotel Balkan, onde os representantes dos eslovenos de Trieste ficam sitiados e submetidos aos tiros de catapultas improvisadas. No dia seguinte, a sede do Fascio di Combattimento em Trieste é invadida por uma multidão que pede para se afiliar.

— O Balkan — anuncia Giunta, radiante, a todos os novos afiliados — é nosso programa eleitoral.

Entusiasmante. Não resta dúvida. Aquele é o caminho. Organizar-se militarmente. É o que Cesare Rossi repete a Mussolini há meses. Em 18 de julho, os Arditi da Via Cerva pronunciaram um novo juramento de lealdade pessoal ao fundador dos Fasci di Combattimento. Poucos dias depois, D’Annunzio faz de Fiume uma proclamação aos Arditi. O poeta gritou que coisas que cortam e explodem nunca o intimidaram. Dando asas ao entusiasmo — é preciso dizer —, Mussolini até retoma as aulas de voo. O instrutor, o tenente Redaelli, o vê chegar afobado, às vezes até de bicicleta, ainda usando a roupa de diretor de jornal: terno preto, chapéu duro, polainas cinzentas. O fundador dos Fasci di Combattimento está tão determinado, impetuoso, que, quando surge, abre-se à sua volta um vazio. Um vazio de dar medo.

56) Em seguida, porém, o país volta a cair na depressão, e ele também. O novo governo decidiu abandonar o protetorado da Albânia, uma das poucas conquistas que restam à Itália da Primeira Guerra Mundial, uma guerra paga com o preço de 600 mil mortos. Tudo desmorona. Tudo é um lamaçal, burguesia e proletariado, governo e governantes. Naquela terra miserável de leis tribais, de febres quartãs, de tifo e malária, os soldados italianos haviam sulcado estradas, marchado contra os guerreiros sérvios, ainda que reduzidos a fantasmas, esqueletos vagantes, saciando a fome com ervas e a sede em poças infectadas por carniças e cadáveres. Agora a grande exibição de avacalhamento atinge todos nós, dos governantes ao povo, leva-nos a abandonar até aquela ínfima posse além-mar. Fora da Albânia, fora de tudo, vamos nos reduzir ao osso, vamos acabar cuspindo uns nos outros. Mas a paz a todo custo não vai nos poupar uma nova guerra. Vai jogá-la contra nós. É preciso ter coragem de atear fogo na casa para poder salvá-la.

57) Tem sempre um fim de mundo qualquer que enlouquece e resolve brincar de revolução, tornando-se por alguns dias o centro das atenções nacionais enquanto, do outro lado das fronteiras, os outros nos fodem. Somos uma nação-carnaval, um país-avanspettacolo. Cante que passa!

58) Em agosto de 1920, os cereais apodrecem nos campos ceifados, mas não debulhados. A decomposição é acelerada pela disposição em forma de caldeira, que favorece a estagnação de ar quente e úmido, uma vez recebido o ciclone subtropical que sopra do norte da África. Está fazendo quase 40 graus na planície do rio Pó e os grãos sufocam, não separados do folhelho, no invólucro da espiga. Sobre o grão que apodrece, estende-se por quilômetros, como uma sirene de alarme aéreo, o mugido dilacerante das vacas não ordenhadas. O ódio dos camponeses em luta mortal contra os patrões os tornou cruéis. Estimularam a produção de leite massageando os úberes e aí trancaram a porta dos estábulos. O leite fermenta, as bactérias proliferam, as tetas desenvolvem mastite. Com a boca escancarada, fazendo vibrar as grandes línguas porosas, as vacas emitem na grande planície gritos desesperados de alta frequência. Imploram aos próprios vitelos, com suas bocas vorazes por leite, que venham salvá-las da dor.

As vacas não ordenhadas são apenas um episódio da maior ofensiva das ligas camponesas contra os patrões. Os “baronatos vermelhos”, como os chama com desprezo o chefe comunista obreirista Palmiro Togliatti, optaram por uma luta sem fim. Na Emília, os socialistas controlam 223 municípios de um total de 280. A economia rural e as atividades industriais são muito rentáveis, mas, enquanto para os patrões se trata de uma questão de lucro, para os camponeses é uma de vida ou morte. A população de assalariados rurais temporários consegue trabalhar em média 120 dias por ano, por isso precisa de salários altos para não morrer de fome nos meses improdutivos. Nas lutas da primavera, as ligas camponesas conseguiram que toda a contratação de mão de obra passasse por suas centrais de empregos.

Agora controlam toda a vida econômica das províncias, administram tudo: turnos de trabalho, funcionamento das debulhadoras, fornecimento de sementes e safras agrícolas. Para funcionar, o sistema deve ser totalitário, o controle da mão de obra, completo. Basta os arrendatários não respeitarem a disciplina proletária dos assalariados temporários, basta algum desesperado aceitar um salário mais baixo, basta abrir uma pequena brecha para a ação dos fura-greves, e o sistema desmorona. Por isso, quem cede e aceita trabalhar por menos, reduzindo o espaço vital dos outros, é atormentado sem piedade. O padeiro nega-lhe o pão, todos o abandonam, emigrar é a única solução. Os proprietários que violam os acordos sobre o imposto local da mão de obra são obrigados a pagar tributos e multas.

Ferrara é a província mais vermelha da Itália. Para destacar sua primazia, o vermelho não basta: foi rebatizada de “província escarlate”. Em meados de maio, o primeiro Congresso das Ligas de Unidade Proletária contou com 81 mil inscritos, entre operários agrícolas, arrendatários, meeiros e pequenos proprietários. Os presentes são mais do que o dobro em relação a dez anos antes, a expansão é contínua, progressiva, impressionante. A vitória nas lutas da primavera foi acachapante. Primeiro os assalariados temporários, em seguida os meeiros e os arrendatários, impuseram sua vontade aos patrões. Ditam as condições de trabalho, os níveis salariais, até a escolha dos cultivos. Os proprietários estão reduzidos a pouco mais do que o fornecimento de capital. O ódio ancestral dos patrões em relação ao miserável que aspira a uma repartição diferente da terra volta a despertar.

Na outra trincheira, a expectativa dos camponeses é febril: a revolução prometida ao longo de todo o ano de 1919 não pode estar longe. Esse triunfo sobre os patrões já deve ser necessariamente uma fase pré-revolucionária. Não é possível fugir. Por isso, chegam a trancar os estábulos dos renitentes, a incendiar os paióis, até a mutilar os animais e a atormentar os homens. Em Tamara, perto de Copparo, um contador tenta arrendar suas terras a 25 famílias sem o acordo das ligas. Seus campos são incendiados, os animais, mortos, os homens, surrados. Em agosto, permaneciam apenas 4 das 25 famílias. Em Berra, um certo Luigi Bonati compra uma pequena propriedade com a intenção de cultivá-la pessoalmente. A liga o condena a boicote vitalício, obrigando-o a abandonar o vilarejo. Em San Bartolomeo in Bosco, um jovem veterano tenta fundar um círculo com orientação nacionalista. O pai é boicotado até aceitar expulsar o filho. Suas colheitas apodrecem nos campos. Ainda em Copparo, o arrendatário Roncaglia é ferido mortalmente, pois se negou a aderir à greve e abandonar os animais que lhe foram confiados. Mors tua, vita mea. O poder, no entanto, degenera, não se sacia com a morte, estende-se sempre até a vida. Em Cona, o chefe da liga decide até mesmo em que dias de festa os jovens podem dançar e estabelece de maneira autoritária o calendário dos espetáculos de marionetes.

Agora o ponto mais fervoroso do front se desloca para a província de Bolonha. As agitações camponesas, iniciadas no fim de 1919 por causa dos novos contratos de trabalho, já duram oito meses. A luta se torna dramática quando os trabalhadores temporários se negam a debulhar a safra. Reúnem-se nas vias públicas, onde a polícia não os pode prender, tocam os sinos a rebate e, quando são milhares, invadem os campos. Irrompem todos, homens, mulheres e crianças, em massa, para destruir as debulhadoras. Até meados do mês, ainda não aconteceu nenhum episódio cruento. Mas está próximo... está próximo.

Em 17 de agosto, enquanto os que podem estão na praia, em Bolonha, no meio do caldeirão fervente do rio Pó, pela primeira vez os proprietários de terras se unem em uma federação nacional. Nasce a Confederação Geral de Agricultura. O ódio se acumula. Os acordos com os governadores de províncias e chefes de polícia são feitos por debaixo dos panos. Começa o calvário.

59) Benito Mussolini – Milão, 28 de setembro de 1920:
A fábrica de automóveis Alfa Romeo em Portello é um moderníssimo estabelecimento industrial na periferia noroeste de Milão e está na vanguarda da Europa. Seus engenheiros estão preparando o lançamento do modelo Alfa Romeo RL, um inovador esportivo com motor de seis cilindros em linha, dotado de carroceria conversível com dois lugares e em forma de torpedo. Será o primeiro modelo esportivo produzido após o final da guerra e visa completar a série, ocupando uma faixa de mercado até este momento vazia. Executivos, diretores e proprietários depositam grandes esperanças neste Torpedo vermelho a ser produzido em série e em diferentes versões. Os operários, todavia, também têm grandes esperanças. No estabelecimento da Alfa Romeo em Portello, em primeiro de setembro, tremulam as bandeiras, vermelhas como o Torpedo, mas com a foice e o martelo.

Tudo começou ali. O antecedente é sempre o mesmo: a longa e espinhosa disputa por aumentos salariais.

60) Os operários reagiram à ruptura com obstrução. Uma forma de greve branca que desacelera o ritmo da produção sem a abstenção do trabalho. Em 30 de agosto, embora o governador da província de Milão tenha tentado impedi-lo, Nicola Romeo, um engenheiro napolitano que ganhou dinheiro com a guerra e com a faladíssima Banca Italiana di Sconto (BIS), proclama o lockout de sua fábrica. A FIOM, federação que é o sindicato dos metalúrgicos, proclama a sua ocupação. Em poucas horas, todas as fábricas milanesas são invadidas por operários: os diretores, e às vezes os proprietários, são feitos reféns. No dia seguinte, os industriais decidem o lockout em nível nacional. A Confederação Geral do Trabalho revida: mais de 500 mil operários ocupam 600 manufaturas em toda a Itália. A operação é tão rápida e arrebatadora que pega todos de surpresa.

61) No vale do rio Pó, as disputas pelo acordo agrícola concluem-se com a vitória total dos camponeses. Agora é a vez das fábricas. Tudo indica uma guerra civil. O socialismo está chegando, gritam nas oficinas. “Uma declaração de guerra”, escreve o economista liberal Luigi Einaudi no Corriere della Sera sobre a ocupação das fábricas.

62) Não falta violência. Os operários improvisaram comandos armados com corpos de guarda, guaritas, sentinelas, capacetes, fuzis. Os “guardas vermelhos” posam diante das objetivas dos fotógrafos dispostos em duas filas, em pé ou agachados, como nas fotos de escola ou de times de futebol. Seguram os fuzis em posição de tiro.

63) São os dias da glória operária, os dias em que todos se elevam à altura do próprio destino. A produção, de fato, passou para a mão do operariado. Sem financiamentos dos bancos, suprimento de matérias-primas e orientação de técnicos e engenheiros, os torneiros, fresadores, montadores de tubulações ou simples trabalhadores braçais fazem funcionar sozinhos o processo industrial. Homens robustos, simples e brutos se autodisciplinam com rigor: proíbem a si mesmos o consumo de bebidas alcoólicas durante os turnos na oficina, instituem turnos de vigilância para evitar furtos, protegem com escrúpulo maquinário e materiais. Durante trinta dias memoráveis, a classe operária faz frente ao dinheiro, à organização, à técnica, com uma profusão de energia moral, uma corrida rumo a formas superiores de atividade humana. Durante quatro semanas, os operários não são mais somente braços e costas cansadas, não são mais apêndices vivos das máquinas. Merecem a revolução.

Mas ela, mais uma vez, não chega. Os dirigentes socialistas decidem, novamente, adiá-la. Os chefes obreiristas de Turim temem que, ao levarem sozinhos a luta do ambiente fechado das fábricas para as ruas, serão esmagados. Sentem que a diferença é enorme.

64) Em meio a toda essa confusão, Mussolini não se mexeu. Agitou-se, gesticulou, andou de um lado a outro, escreveu a favor e contra, mas não se mexeu. Ganhar tempo: às vezes não há mais nada a fazer. Quando todo o mundo desmorona à sua volta, você permanece no lugar.

65) Por fim, no dia 19, partiu para Trieste, onde, diante de milhares de pessoas, ridicularizou a loucura dos bolcheviques italianos: “Como vocês acham que o comunismo seria possível na Itália, o país mais individualista do mundo?” Foi lindo. Ele não via uma multidão como aquela desde os tempos dos comícios socialistas.

66) Enquanto isso, nas fábricas, tocava a sirene da dispersão e da derrota. A retirada, após um mês inteiro de ocupação, é submetida a um referendo entre os ocupantes. Em Milão, 70% dos operários a aprovam. Em Turim, todos abandonam-se ao desânimo de violências crescentes e insensatas. Confiscos de propriedades, tiroteios com as forças de segurança, tocaias noturnas. Funerais de operários. Batalhas sangrentas em volta dos caixões.

67) Mussolini não se mexe nem mesmo agora. Agarrado à sua escrivaninha, no editorial desta manhã exaltou a suposta vitória dos operários que, na sua qualidade de produtores, conquistaram o direito de controlar toda a atividade econômica.

68) Os camponeses do Polesine estão entre os mais miseráveis da Itália. Levaram por séculos uma vida de animais, abestalhados pelo ar mefítico, sempre febris, condenados a morrer jovens, criados em casebres apinhados de pais, filhos, irmãos, avós, irmãs, em uma convivência asquerosa de homens, frangos e porcos que disputam o alimento e o oxigênio com os patrões. Um mundo degradado, desequilibrado, desnutrido, no qual os incestos são frequentes, os organismos estão sempre debilitados, as doenças são sempre crônicas, onde choram a morte da vaca, mas conformam-se com a morte da esposa.

69) Poucas coisas corrompem tanto um povo quanto o hábito do ódio.

70) Há muita violência a ser saneada: os párocos foram obrigados a fechar as igrejas, as pessoas que vão às missas são agredidas, equipes de comunistas armados com porretes tomam conta dos locais de votação, obrigando as pessoas a pôr na urna cédulas já marcadas.

71) A única condição que D’Annunzio não aceitava era adiar a insurreição até a primavera de 1921. Queria agir logo. Exaltou-se novamente depois que Guglielmo Marconi, o genial inventor do “telégrafo sem fios”, foi a Fiume, encarregado por Giolitti, para convencer o Comandante a se render, mas acabou na verdade permitindo que D’Annunzio difundisse para o mundo, pelo ar, a partir da estação de rádio instalada em seu iate Elettra, um de seus magníficos, incompreensíveis e inúteis pronunciamentos. Antes de ir embora, Marconi aproveitou para requisitar o divórcio da mulher, algo permitido pela legislação libertária de Fiume e proibido pela italiana.

72) A situação tinha sido esclarecida dois dias antes, em 14 de outubro. Os socialistas haviam organizado em toda a Itália manifestações a favor da Rússia dos sovietes, e os fascistas posicionaram-se definitivamente em defesa do desprezado Estado liberal, contra o ataque dos “vermelhos”.

73) Gazzetta Ferrarese (jornal conservador), 20 de outubro de 1920, editorial:
A Itália precisa de um homem que diga com vontade decisiva “chega!” a essa corrida louca em direção ao suicídio. Um homem que não tenha a irritante preocupação cotidiana de manter o equilíbrio parlamentar [...]. Um homem que saiba encarar a realidade que não suporta meias medidas [...]. Não se cura a gangrena com panos quentes. Esse homem existe? Que surja, e ele terá consigo o unânime consenso nacional.

74) O velho amigo Pietro Nenni esteve em Fiume em setembro por ocasião da promulgação da Carta de Carnaro no primeiro aniversário da marcha sobre a cidade. Ao voltar a Milão, Nenni relatou excessos bíblicos, devassidões carnavalescas. Diz que, um dia, D’Annunzio ridiculariza os senhores medievais e, no dia seguinte, se comporta como um príncipe do Renascimento. A polícia envia relatórios segundo os quais Fiume é definida como “Eldorado de todos os vícios”, “cidade da vida mansa”. Enquanto isso, a degradação é tanta que os hospitais distritais assinalam casos de peste bubônica. Nenni até imitou o Vate que dialoga com o povo da sacada do governo. Palhaçada, tudo palhaçada. Chega de cheques em branco assinados por poetas.

75) Aquilo é coisa de quem tem presbiopia, e ele [Nenni], desde garoto, sempre teve hipermetropia. Nele, a maior capacidade de visão global corresponde a uma menor capacidade de foco. Uma maior potência visual que, em contrapartida, o condena a não ser capaz de distinguir as minúcias, a ser obrigado a perder de vista os detalhes insignificantes. Sem dúvida, uma deficiência grave em uma época na qual o insignificante é a única coisa importante.

76) Leandro Arpinati, Bolonha, 23 de novembro de 1920
[Nota: Trata da sublevação socialista em Bolonha que marca a virada da ascensão fascista comandada por Mussolini.]
“Domingo, as mulheres e as crianças que fiquem em casa. Se querem ser merecedores da Pátria, exponham em suas janelas o Tricolor. Pelas ruas de Bolonha, domingo, deve haver apenas Fascistas e Bolcheviques. Será a prova. A grande prova em nome da Itália.”

Arpinati ordenou que o escrevessem com clareza. Foi pessoalmente com os seus rapazes afixar o ultimato em todas as ruas da cidade. Teve de fazer os cartazes em casa com um mimeógrafo porque o chefe da polícia negou a autorização de impressão.

A espera do confronto é ardente, unânime, simétrica. Tendo chegado a esta situação, lutemos: esse é o único ponto em que os inimigos concordam. Em 12 de novembro, em Cremona, os fascistas de Farinacci advertiram os conselheiros municipais socialistas: “Se amanhã, após a conquista da prefeitura, os socialistas quiserem conquistar a praça, saibam que tem gente disposta a matar e a morrer.”

Em Módena, onde os socialistas conquistaram 59 dos 68 municípios, 2 dias depois, em uma espécie de resposta a distância, o presidente do Conselho Provincial, ao inaugurar a assembleia, anuncia: “Nós não queremos discutir com os nossos inimigos; queremos abatê-los.” A linha de frente já se estende por todo o Vale do Pó.

Em Bolonha, a União Socialista se reúne na noite de 16 de novembro. Superando as numerosas divisões, decidiram se aparelhar para rechaçar com violência a violência fascista. A vitória dos socialistas nas eleições foi clara, o mandato dos eleitores é inequívoco, não é possível se dirigir às forças de segurança pública porque o Estado é o “comitê executivo da burguesia”. Vamos nos defender dos fascistas sozinhos, está decidido. Para enfatizar a vitória, foi convocada uma grande manifestação popular para a cerimônia de posse da junta no Palazzo d’Accursio. Decidiram realizá-la no domingo, 21 de novembro, para permitir a participação das multidões operárias. A vigilância armada foi delegada aos “guardas vermelhos”. Em resposta, na noite do dia 17, os cerca de 400 afiliados do Fascio di Combattimento de Bolonha se reuniram na Via Marsala. Decidiram também manter-se prontos e atentos.

Dos dois lados, há exaltação, circula uma euforia grosseira, acontecem bizarras explosões de vitalidade. A longa espera parece ter chegado ao fim. O choque parece inevitável, o conflito é anunciado, premeditado, até mesmo negociado. Em 18 de novembro, no Parlamento, pela primeira vez o deputado socialista Niccolai denunciou a difusão das violências fascistas, o Avanti! destacou as conivências do governo, o Corriere della Sera, porém, replicou falando abertamente de “santa reação da opinião pública” aos abusos dos socialistas. Em Bolonha, o governador da província e o chefe de polícia estão plenamente cientes de que basta uma faísca para que o fogo seja ateado. Circulam boatos sobre o caixote de bombas que os socialistas estariam guardando no Palazzo d’Accursio para a festa de posse da junta, são enviadas cartas anônimas, são feitas negociações sobre os símbolos. O chefe de polícia foi pessoalmente à sede fascista da Via Marsala negociar as regras de participação. Após longas reuniões secretas dos dois lados, chega-se a um acordo digno de um protocolo imperial: os fascistas não atacarão, com a condição de que não seja soado o “grande sino” e não seja exposta a bandeira vermelha, exceto no momento em que, ao fim da sessão, o novo prefeito aparecer na praça para agradecer aos eleitores. Só então poderá ser tolerada como bandeira do partido. O chefe de polícia, enquanto isso, solicitou ao governador da província o envio de mais 1.200 soldados e 800 carabineiros como reforço para os 400 guardas reais já disponíveis. Na manhã de 21 de novembro, segundo os relatórios de Visconti, o governador da província, nas ruas do Centro circulam 900 homens da infantaria, 200 a cavalo, 800 carabineiros, 600 guardas reais. Bolonha é uma cidade em estado de sítio.

O Palazzo d’Accursio é desde sempre a sede do poder civil de Bolonha, Senado ou prefeitura que seja. É um palácio com ameias ao lado da catedral de São Petrônio, que dá para a Piazza Maggiore. Depois das 14h, começaram a afluir os cortejos dos delegados socialistas. São cerca de dois mil, não mais do que isso, obedecendo a um acordo feito com a chefatura de polícia. A praça é isolada, todos os acessos da Via Rizzoli e da Via Indipendenza estão interditados. Um cordão de carabineiros a fecha de cada lado.

Todavia, ao que parece, alguns fascistas conseguiram entrar antes do bloqueio. São talvez uma dezena, reunidos sob os toldos do restaurante Grande Itália na praça repleta de milhares de socialistas aglomerados em volta da fonte de Netuno. No interior do palácio, tudo está preparado para o início da cerimônia de posse. No pátio, cerca de cinquenta guardas reais supervisionam a entrada. Nas sacadas, estão os “guardas vermelhos” armados de fuzis e granadas. Qualquer pessoa está em linha de tiro. Não voa uma mosca sequer.

Porém, às 14h30, apesar das precauções do governador da província e dos acordos com o chefe de polícia, na Torre degli Asinelli tremula uma bandeira vermelha. Os fascistas, liderados por Arpinati, saem em massa da sede da Via Marsala e marcham em grupos rumo à praça. Um punhado consegue penetrar pela Via Ugo Bassi em um espaço aberto para permitir a entrada da cavalaria. Não são mais do que quinze. Entoam suas canções nas margens da multidão socialista.

No palácio, às 15h, começa a sessão do Conselho. O discurso de posse do novo prefeito prossegue sem problemas. Ele se chama Enio Gnudi, é operário das ferrovias, comunista, rende a costumeira homenagem à Revolução Russa. Meia hora mais tarde, enquanto os grupos fascistas aumentam a algazarra, Gnudi, eletrizado, se apresenta na sacada da Sala Vermelha para saudar a multidão circundado pelas bandeiras vermelhas das associações socialistas. Para ele, é um dia de festa, mas o prefeito está olhando para a própria ruína. Liberta de uma gaiola pombos que saem em revoada sobre socialistas e fascistas, sem distinção. As aves também carregam bandeirinhas vermelhas amarradas à cauda. Do restaurante Grande Itália, uma pistola é disparada.

Ao sinal do desastre, um grupo de 26 fascistas de Ferrara rompe a pauladas o cordão de segurança. Tiros continuam a ser dados do restaurante Grande Italia, e, das sacadas do palácio, abre-se fogo em resposta; mais disparos de fuzil vêm da fonte de Netuno. A multidão se vê no meio do fogo cruzado. Aterrorizada, corre em todas as direções. A maioria se dirige para o pátio do palácio. Começa a debandada.

Os camponeses e operários socialistas suam, tremem, têm medo de morrer, sensações de torpor, de sufocamento, de formigamento nos membros, de pressão no peito, de desmaio, têm medo de enlouquecer, a respiração está curta, a taquicardia é cada vez mais forte, a pressão sanguínea aumenta e em seguida despenca, há calores, calafrios, náusea, os homens têm medo de não conseguir se recuperar, sentem que o pior ainda está por vir, uma sensação de irrealidade invade o mundo. Das sacadas, os “guardas vermelhos”, vendo seus companheiros procurando se salvar no pátio, acham que se tratam de fascistas que foram invadi-lo. Jogam cinco bombas. Os cadáveres dos companheiros se amontoam na entrada.

Enquanto um socialista termina seu discurso, da praça sobem os ecos de detonações que chegam até a Sala do Conselho repleta de público, de guardas municipais, de “guardas vermelhos”, de funcionários aduaneiros. Pelas janelas, avistam-se os corpos caídos. Os conselheiros socialistas, sem saber o que de fato aconteceu, sobem nas mesas da maioria parlamentar acompanhados por bombeiros de plantão. “Assassinos! Estão matando nossos companheiros!”, gritam para os poucos conselheiros dos partidos de minoria.

O advogado nacionalista Aldo Oviglio joga sobre a mesa o próprio revólver: “Eu não estou matando ninguém.”

Há todo um mundo de homens armados nesse dia no Palazzo d’Accursio. Do outro lado da sala, um deles — um militante socialista anônimo — se levanta, aponta a arma contra aqueles senhores indefesos que, naquele momento, ele vê como os responsáveis por uma carnificina causada, na verdade, em grande parte por seus companheiros, e abre fogo. Ele nunca será identificado pela polícia nem entregue pelos dirigentes do partido. O advogado Giulio Giordani, conselheiro do Partido Nacionalista, ex-combatente, medalha de prata, com uma perna mutilada, morre na hora. Quando vivo, não era sequer fascista, mas se tornará quando morto. O advogado Biaggi cai no chão com ferimentos leves. O advogado Cesare Colliva se arrasta sangrando, de quatro, até a saída. Dizem que Leandro Arpinati foi visto incitando os fascistas ao ataque, agarrado à estátua de Netuno. Outros juram tê-lo visto ir até o pátio do palácio com o revólver em punho. Boatos, rumores, lendas. Certo é que há dez mortos e cinquenta feridos. A credibilidade da organização militar socialista está destruída, a reputação do partido, também. O Conselho Municipal, democraticamente eleito, abalado pelas prisões e pelo escândalo, renuncia em bloco. Bolonha será governada por um comissário indicado pela administração da província. Uma outra estação começou.

77) Corriere della Sera, 23 de novembro de 1920:
De quem é a culpa? Quem, senão o Partido Socialista, aspira à guerra civil na Itália? Quem, senão o Partido Socialista, cria e deseja esse ambiente de batalha selvagem? A batalha encontra necessariamente os seus combatentes também do outro lado [...]

Filippo Turati, líder socialista, discurso na Câmara, 24 de novembro de 1920:

Está na hora de todos nós decidirmos nos desarmar e desmobilizar os ânimos, depor não apenas as armas materiais, mas desarmar e desmobilizar os ânimos [...]. Mãos para o alto, todos!

78) “Uma poltrona? O que faz uma poltrona no meio do meu escritório!?”, pragueja Mussolini, apertando os olhos e fazendo as pupilas percorrerem aquela decoração habitual como se tivesse avistado um inimigo irredutível. “Uma poltrona, para mim?! Levem isso embora daqui, ou vou jogá-la pela janela. A poltrona e as pantufas são a ruína dos homens!”

79) Nos seus trajes à paisana, com o chapéu-coco na cabeça, no vazio da sala nua, Benito Mussolini ensaia uma pose de espadachim, a mão na terceira posição, a arma alinhada. A violência está cada vez mais na ordem do dia.

80) [A transformação mostra sinais de evidência histórica. O povo começa a aderir ao fascismo]

A escalada aconteceu após a carnificina de Bolonha. A progressão foi exponencial, a diretriz, unívoca e clara, como se estivesse sendo guiada por um instinto da espécie. Imediatamente após a matança, enquanto os cadáveres e os feridos ainda gemiam na praça, os fascistas já se enfileiravam e percorriam as ruas da cidade cantando seus hinos. No dia seguinte, começou sua ascensão — milhares de novos afiliados em poucos dias —, e os fascistas não tinham intenção alguma de se desarmar. Arpinati havia declarado ao público: enquanto o período de violência não cessasse nos campos, enquanto os órgãos do Estado não voltassem a ter domínio da situação, o Fascio di Combattimento bolonhês continuaria a manter as armas em riste.

81) Mussolini logo enviou Cesare Rossi e Celso Morisi de Milão para coordenar a formação das equipes. As formações paramilitares fascistas, sonhadas em vão por muito tempo pela ambição por poder do Fundador, agora eram resultantes de um processo de geração espontânea a partir do sangue derramado na Piazza Maggiore em Bolonha. Rossi disse que já em 23 de novembro, durante o cortejo fúnebre de Giordani, os fascistas desfilaram em formação entre duas alas da multidão carregando o estandarte do município. Os socialistas não apareceram. Nem sequer reuniram coragem para proclamar a greve geral em protesto contra o ataque fascista. Aniquilamento político total. Naquele dia, a junta renunciou ao próprio mandato; na mesma noite, a administração provisória foi confiada a um governador de província; no dia seguinte, o comissário provincial tomou posse. Começou a caça às bruxas vermelhas.

No dia 28, Arpinati, acompanhado por um bando de fascistas, partiu para o monte Paderno para advertir o chefe da liga e trouxe de volta a bandeira vermelha. Queimaram-na na Via Indipendenza. Em 4 de dezembro, em uma assembleia no Teatro Comunale de todas as associações antibolcheviques, os fascistas foram aclamados com gritos de “fora os bárbaros!”. Em 7 de dezembro, saquearam a Câmara do Trabalho de Castel San Pietro; no dia 9, houve um conflito em Monzuno; no dia 18, na saída do tribunal, agrediram e atacaram a pauladas os deputados socialistas Bentini e Niccolai; no dia 19, foi a vez do deputado Misiano, o desertor. E assim chegaram ao dia de hoje, 20 de dezembro, a apenas 5 dias do Natal.

Justo na manhã de hoje, Arpinati, eleito pelo furor popular como secretário do Fascio di Combattimento de Bolonha, anunciou, por meio de um telegrama, que estava partindo para uma expedição em Ferrara em apoio a uma manifestação dos fascistas locais em homenagem ao advogado Giordani no trigésimo dia do seu assassinato no Palazzo d’Accursio. De Ferrara, chegaram a requisitar 3 mil distintivos para que a manifestação fosse bem-sucedida. Até se comprometeram a antecipar o valor.

De fato, uma onda de entusiasmo e um coro de consensos havia saudado por toda parte as ações dos grupos fascistas. O sucesso era total, o choque causou reviravolta, o encanto vermelho se partira. E não somente em Bolonha. A violência triunfal se propagava ao longo de toda a Via Emilia com uma velocidade contagiante: na região de Rovigo, apoiadas pelos proprietários de terras, os Fasci di Combattimento se difundiam ao longo do eixo Cavarzere-Cona-Correzzola-Bovolenta; em Adria, as esquadras haviam expulsado as cooperativas de assalariados temporários que haviam ocupado a grande fazenda de Oca; em Módena, atacaram os conselheiros municipais; em Carpi, a Câmara do Trabalho; dali, as ações penetraram por infiltração até Reggio e Mântua; em Bra, na região de Cuneo, guiados por De Vecchi, os fascistas perseguiram a pauladas os “guardas vermelhos” até entrarem nos escritórios da prefeitura. O efeito era como o de uma avalanche, passava-se da legítima defesa à contraofensiva; o fascismo desabrochava irrefreável em todas as províncias da Itália. Um ar de batalha pairava nos campos.

82) Mussolini o proclamara pessoalmente nas colunas do jornal: logo, seriam invencíveis, aproximava-se sua grande, sua grandíssima hora. Corações ao alto! Vamos transformar o medo em ódio e nos atirar contra o inimigo. Vamos fazer de todas as nossas vidas um aríete!

Os socialistas, por sua vez, coitados, gritaram “mãos para o alto”! Filippo Turati içou sua barba de profeta sobre as cadeiras do Parlamento e fez um nobilíssimo discurso. Denunciou a aquiescência das autoridades, chorou a matança involuntária dos próprios companheiros socialistas, defendeu as instituições e as liberdades estatutárias. Turati esclareceu que não queria recriminar, mas cuidar do amanhã. Tinham de dar trégua aos excessos de todos os lados, removendo suas causas. Era hora, concluiu, para todos se decidirem a desmobilizar e a desarmar os ânimos. Para encerrar, deixou elegantemente escapar uma culta e irônica citação literária.

O plenário em Montecitório escutou em silêncio absoluto, comovido. A imprensa esclarecida aplaudiu admirada: o velho eremita socialista conseguiu realizar o milagre de devolver aos deputados do seu grupo a consciência socialista, e aos democratas, a consciência liberal.

Lendo a transcrição do discurso de Turati, Mussolini balançou a cabeça divertido. Não havia nada a ser feito: aquela gente não entendia a brutalidade. Lindo discurso — sem dúvida —, mas o terreno da violência não era para os socialistas. Sim, claro, as ligas mandavam e desmandavam nos campos, as Câmaras do Trabalho nas cidades oprimiam com multas, boicotes e gravames os inimigos de classe, os camponeses socialistas até incendiaram alguns paióis, mutilaram algumas vacas, surraram alguns arrendatários, atiraram em autodefesa contra alguns policiais ou proprietários agrícolas, chegaram até mesmo, em casos raros, à ferocidade de mutilar cadáveres ou violentar moças que voltavam da missa, mataram a pauladas alguns fascistas, mas, no fundo, eram sempre explosões de cólera ancestral, as costas chicoteadas que em um espasmo de desespero se erguem e agarram a chibata, o colono que após séculos de abusos, em uma noite de lua cheia e grappa, degola no sono o feitor que estuprou sua filha, incendeia o celeiro e, em seguida, enforca-se. A violência socialista era uma realidade indubitável, mas nela tudo se reduzia a esse impulso. Os chefes socialistas discutiam sobre organizar a revolução por meio de um exército de militantes armados e, na verdade, não havia organização alguma. Ele conhecia bem aquela gente, havia décadas. Quanto à violência, eram e permaneceriam sendo uns episódios precários.

83) O vazio da sala de armas de repente é ocupado por uma multidão. Um mensageiro chegou correndo da Via Cannobio: ocorreu um pandemônio em Ferrara. Mussolini balança a cabeça para se desfazer de suas meditações sobre a espada fantasma. Pede mais detalhes. O mensageiro os fornece.

Houve violentos confrontos à margem de um comício convocado pelo prefeito socialista de Ferrara. De um cortejo de enfermeiros que ia ao comício agitando a bandeira vermelha, foram feitos disparos em direção à contramanifestação guiada por cerca de cinquenta fascistas bolonheses, com Arpinati à frente.

84) Terminado o cortejo fúnebre, os fascistas, cerca de mil, reunidos em grupos e ordenados em uma coluna, voltam às ruas do Centro da cidade cantando seus hinos. Toda a burguesia, grande e pequena, abre alas e os exalta. Empresários, industriais, comerciantes, lojistas, pequenos proprietários de terras, arrendatários, meeiros, funcionários, profissionais liberais, artesãos. O sonolento Centro da cidade de Ferrara, abandonado pela classe operária, desperta.

85) D’Annunzio desperta. O disparo de canhão o catapulta do torpor depressivo para a raiva vingativa. Ordena que, em represália contra a Itália indigna, seja torpedeado o encouraçado Dante Alighieri, bloqueado no porto de Fiume. A ordem não é executada.

Enquanto isso, espalhou-se a notícia de que o poeta estaria morto. Mas ele está vivo e, a essa altura, pretende permanecer assim. Sua ira agarra de novo a pena. Assina a segunda proclamação desde o início do ataque. “Ó, covardes da Itália, ainda estou vivo e implacável.” O Vate se lança contra um povo incapaz de se erguer pela justiça e até mesmo de sentir vergonha. Ele que ofereceu cem vezes a vida sorrindo agora não está mais disposto a fazê-lo. Declara abertamente que esteve pronto para o sacrifício até o dia anterior, mas que não está mais.

Poderia se dizer que, pela primeira e última vez na sua longa e resplandecente existência, Gabriele D’Annunzio depara-se com o senso de ridículo: tenham paciência, mesmo com toda a boa vontade, como é possível se sacrificar por um povo que, nem mesmo quando o governo manda assassinar seus heróis com determinação impiedosa, consegue se afastar por um instante da farra natalina?!

86) Nenhuma morte heroica tem sentido para os italianos, sempre prontos a sacar a faca para se degolar em brigas de taberna, mas incapazes de mover um dedo pela Itália, essa abstração geográfica e política com a qual não podemos sequer bater um papo, dar duas risadas, tomar um drinque, essa palavra vazia que não dá para convidar para jantar.

87) Pela primeira vez, Umberto Pasella não é mais obrigado a mentir sobre os dados de afiliação. Após os fatos sangrentos de Bolonha e Ferrara, de 1.065 carteirinhas vendidas no bimestre de outubro/novembro, o número pulou para 10.860 vendidas em dezembro. A esta altura, contam-se na Itália 88 seções com 20 mil afiliados. Só em Bolonha alcançaram 2.500 afiliados, ao passo que no início de novembro eram poucas dezenas. Além disso, categorias sindicais inteiras estão abandonando a Câmara do Trabalho socialista. Em poucas semanas, funcionários municipais e provinciais, empregados das repartições aduaneiras, professores catedráticos e também guardas municipais, professores primários, funcionários das obras de caridade, todos rasgaram a carteirinha da Confederação Geral do Trabalho para fazer a fascista.

88) O fascismo se difunde com a progressão de um contágio. É gente nova, gente desconhecida, gente com quem até um ano antes ele não teria sequer tomado um café; uma multidão de funcionários e lojistas que, antes da guerra, assistia indiferente à política, nem de direita nem de esquerda, e muito menos de centro, nem vermelhos nem negros; gente que se mexe sempre, e para todo sempre, na zona cinzenta. Mas agora não estão mais apenas olhando. Ah, sim... os espectadores mudam.

89) Às vezes, como em Ferrara, basta uma colheita ruim para difundir o pânico. Que coisa maravilhosa é o pânico, essa parteira da história! Cesare Rossi repete o tempo todo que esse pode justamente ser o milagroso escambo deles: ódio em troca de medo. Os novos fascistas são todos pessoas que até ontem tremiam de medo da revolução socialista, gente que vivia de medo, comia medo, bebia medo, deitava-se na cama com medo. Homens que choramingavam no sono como crianças e, quando a mulher perguntava “o que foi, querido?”, respondiam fungando: “nada, não é nada, durma.” Agora, na bolsa de valores dos miseráveis, estão trocando o metal pesado da angústia pela apreciada moeda do ódio mortal.

90) As classes médias rebaixadas por causa das especulações bélicas do grande capital, os oficiais que não se conformam em perder um comando para voltar à mediocridade da vida cotidiana, os burocratas de baixo escalão que, acima de qualquer outra coisa, se sentem insultados pelos sapatos novos da filha do camponês, os meeiros que compraram um pedacinho de terra pós-Caporetto e agora estão dispostos a matar para mantê-lo, todas pessoas de bem tomadas pelo pânico, consumidos pela ansiedade. Pessoas abaladas no mais íntimo de seu âmago por um desejo irrefreável de submissão a um homem forte e, ao mesmo tempo, de domínio sobre os indefesos. Estão prontas para beijar os sapatos de qualquer novo patrão desde que também lhes seja possibilitado pisar em alguém.


CONTINUA

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