com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo
Antony C. Sutton – National Suicide: Military Aid to the Soviet Union
Sutton escreveu American Suicide enquanto fazia pesquisas financiadas pelo Hover Institute da Universidade de Stanford, entre 1968 e 1973. O livro, um condensado de 3 volumes dedicados ao tema da inter-relação do Ocidente com a Rússia, foi a causa de seu afastamento de Stanford por sua insistência de que “os conflitos da Guerria Fria não foram travados para conter o comunismo, porém organizados para gerar contratos multibilionários de armamentos que financiaram direta ou indiretamente a União Soviética no fornecimento dos recursos para sustentar as guerras da Coreia e do Vietnã”.
Eu não teria escrito este resumo se não fosse a guerra da Ucrânia. E também pela fissura aberta com a ameaça chinesa ao Ocidente causada pela política internacional de investimentos maciços na China, a partir dos anos 90.
É um livro para se refletir longamente sobre o que nos espera de um comércio mundial sem restrições de repasse tecnológico e sem restrições de oportunidades acadêmicas para estudantes enviados por partidos comunistas para se aperfeiçoarem em universidade americanas, que ao longo do tempo tornaram os chineses líderes no segmento de software e celulares 5G, para não falar da máquina tecnológica completa que a China criou em poucas décadas.
Sutton não é de esquerda, como se pode pensar a priori. Antes, um libertário a quem a razão política deve guiar a razão econômica e não o contrário. Isto explica seu desaparecimento dos radares da crítica depois que o mundo relaxou sua contenção com o desaparecimento da URSS. No livro, ele esmiúça a industrialização russa em todos os aspectos da atividade industrial desde os primeiros contratos de empresas americanas com a revolução bolchevique até a guerra do Vietnã.
Ele afirma que Washington sabia que a industrialização da Rússia era ao mesmo tempo sua militarização. Contesta a ideia de que o comércio contribui para a paz entre as nações, um lugar comum no mundo capitalista.
“O que é ‘comércio pacífico’? É uma verdade essencial, mas ignorada, que o comércio pacífico só pode fluir de um mundo em paz. O comércio não pode criar a paz. O fato contundente e indesejável é que o ‘comércio pacífico’ com países estatistas é um non sequitur.
Os sistemas estatistas criam guerras e opressão interna; isso era tão verdadeiro para a Alemanha de Hitler quanto para a Rússia soviética.
Para um comércio pacífico, você deve primeiro ter um mundo em paz. O comércio é um sintoma de paz, não uma causa de paz.”
A Rússia era então um país desindustrializado, e os próprios revolucionários reconheciam a maldição de ser uma nação majoritariamente agrária, até que gradual e lentamente, o governo soviético inicia as primeiras transações para obtenção de máquinas ferramentas e depois unidades industriais inteiras através de um sistema de financiamento chamado de Lend-lease (empréstimos e arrendamentos), pelo qual a União Soviética trocava o trigo expropriado da Ucrânia, e metais da região dos Urais e Sibéria, por tecnologia americana, sueca, alemã e italiana.
Para Sutton, os 100 mil mortos na Coreia e Vietnã são o testemunho de que os Estados Unidos estavam lutando contra si mesmo do ponto de vista tecnológico, porque as origens das metralhadoras, caminhões, tanques, navios, aviões e seus componentes mais importantes, como turbinas, motores, rolamentos de precisão, acessórios, eram produtos da tecnologia americana repassada aos soviéticos por grandes empresas industriais.
Apesar de restrições oficiais impostas e muitas vezes vetadas pelo Departamento de Defesa, o Departamento de Comércio aprovava, e se o maquinário fosse ainda assim impedido de ser repassado aos russos, uma Subcomissão do Congresso se encarregava de auditar as restrições e acabava autorizando o negócio, com base no argumento de que “se os EUA não venderem aos russos, outros países o farão”.
Segundo um relatório do CED [Comitê para o Desenvolvimento Econômico], "O fato de a transferência de uma tecnologia fortalecer a economia de um inimigo em potencial não é necessariamente uma razão suficiente para negar a transferência".
Lênin disse certa vez que os capitalistas forneceriam para eles a corda com que seriam enforcados, e esta afirmação continua assombrando o mundo toda a vez que aparece uma tensão internacional com a Rússia, como a atual agressão à Ucrânia.
E, como corolário, Sutton declara: “Não pode haver paz com sistemas estatistas. A guerra perpétua é o único resultado do estatismo.” E “embora seja verdade que a paz encoraje o comércio, isso não significa que o comércio encoraje a paz.”
“Em 1955, a equipe do Comitê Judicial do Senado dos EUA examinou o registro histórico dos soviéticos e, não inesperadamente à luz das declarações anteriores, chegou à seguinte conclusão:
"A equipe estudou quase mil tratados e acordos... tanto bilaterais quanto multilaterais, que os soviéticos firmaram não apenas com os Estados Unidos, mas também com países de todo o mundo. A equipe descobriu que nos 38 curtos anos desde que a União Soviética surgiu, seu governo havia quebrado sua palavra para praticamente todos os países aos quais já havia feito uma promessa assinada. Assinou tratados de não agressão com estados vizinhos e, em seguida, absorveu esses estados. Assinou promessas de abster-se de atividades revolucionárias dentro dos países com os quais buscava ‘amizade’, e depois quebrou cinicamente essas promessas.”
Começa então a apresentar os dados de sua pesquisa a respeito da origem dos armamentos soviéticos e da tecnologia empregada:
1. A Força Aérea da Coreia do Norte tinha 180 aviões Yak construídos em fábricas com equipamentos financiados pelos EUA; esses Yaks foram posteriormente substituídos por MiG-15 movidos por cópias russas de motores a jato Rolls-Royce vendidos para a União Soviética em 1947.
2. O tanque T-54 foi usado no início de 1972. O T-54 tem uma suspensão modificada do tipo Christie.
Os caminhões GAZ na trilha de Ho Chi Minh vieram da fábrica de Gorki, construída pela Ford.
Os caminhões ZIL na trilha de Ho Chi Minh vieram da fábrica construída por Brandt. Ambas as fábricas foram equipadas com novas máquinas americanas enquanto a Guerra do Vietnã estava em andamento.
O tanque anfíbio PT-76 é fabricado em Volgogrado - em uma fábrica construída por oitenta empresas americanas.
Isso é chamado de "comércio pacífico" pelos místicos em Washington. “Como o material apresentado neste livro irá mostrar, o "arsenal para a revolução" foi construído por empresas ocidentais e tem sido mantido em operação com "comércio pacífico". Quando toda a retórica sobre o "comércio pacífico" é fervida, tudo se resume a um único fato inescapável - os armamentos, a munição, os sistemas de transporte que mataram os americanos no Vietnã vieram da economia americana que subsidiava a União Soviética.
Os caminhões que carregavam essas armas pela trilha de Ho Chi Minh vinham de fábricas construídas nos Estados Unidos. Os navios que transportavam os suprimentos para Sihanoukville e Haiphong vinham de aliados da OTAN e usavam sistemas de propulsão que nosso Departamento de Estado poderia ter mantido fora das mãos soviéticas - de fato, a Lei de Controle de Exportação e a Battle Act, ignoradas pelo Estado, exigiam exatamente tal ação.
3) Desde 1949, com o Battle Act e a Lei de Controle de Exportação, o Comitê de Coordenação (CoCom) da OTAN estabeleceu que as exportações para a União Soviética deveriam ser aprovadas por unanimidade por todos os seus membros, a fim de impedir a posse de material estratégico pelos russos.
O autor mostra através de exemplos que foram esforços que resultaram em letra morta. E assim, continuamente, Sutton vai demonstrando as origens dos equipamentos russos construídos por Stalin nos Urais, desde turbinas até material elétrico, tudo sobre montagem de firmas americanas e alemãs, quando não suecas.
O leitor sabe de onde vem as famosas transmissões da Rádio Moscou do tempo da guerra fria?
“Em 1927, a Radio Corporation of America concluiu um acordo com a União Soviética para ampla prestação de assistência técnica e equipamentos no campo das comunicações de rádio. Em 1935, os soviéticos propuseram outro acordo geral pelo qual a RCA forneceria "informações de engenharia, técnicas e de fabricação nas partes do campo de rádio em que a RCA está ou pode estar envolvida".
Seria extremamente longo e fastidioso citar o repasse de tecnologia do Ocidente para os russos. Sutton cita os acordos, as datas das renovações para upgrade tecnológico, os equipamentos envolvidos e os valores negociados.
É uma leitura fastidiosa porque envolve tecnologias, marcas, fabricantes, pessoas envolvidas, contratos, controvérsias e tudo o que diz respeito a tese central: o inimigo tem duas caras. De um lado, corre atrás de tecnologia adulando o Ocidente, de outro, descumpre o compromissado, destrata quem o ajudou e conspira contra os governos que o subsidiam.
O paradoxo do que ele disse, em trabalho de 1973, pode ser hoje verificado com a China. A relação dos EUA com a China chegou ao ponto de perceberem que em breve serão ultrapassados não apenas em PIB, o que seria menos significativo, mas também na capacidade tecnológica e ameaça militar.
O grande dilema vem da natureza do capitalismo de sempre privilegiar o interesse econômico e comercial com a boa fé de que os negócios fazem as nações melhores, que a riqueza amansa a agressividade e que a opulência é o caminho da virtude coletiva. Só esqueceram que esta homília desconsidera que existe uma ideologia mais preocupada com a dominação e a guerra do que com a paz e a liberdade.
Índice
Prefácio
Capítulo 1
– O Ciclo "Détente"-Agressão
– A história do "comércio pacífico"
– Transferência tecnológica é a questão crítica
– Os fundamentos místicos da política
– O Ciclo "Détente"-Agressão
– Perseguição de judeus russos, batistas russos e católicos lituanos
– Agressão Soviética Externa
Capítulo 2
– Mais comércio, mais baixas
– A ligação causal entre o comércio EUA-soviético e baixas dos EUA no Vietnã
– A versão soviética da intenção soviética
– O registro soviético de agressão e guerra
– A Guerra da Coréia (1950-1953)
– A Guerra do Vietnã (1961-1973)
Capítulo 3
– Censura e nossa assistência militar à União Soviética
– Arquivos do governo dos EUA desclassificados como fonte de informação
– Investigações do Congresso e vazamentos não programados
– A União Soviética como fonte de informação
– O efeito prático da censura
Capítulo 4
– Construção do Complexo Industrial Militar Soviético
– A visão soviética do complexo militar-industrial soviético
– A visão americana do complexo militar-industrial soviético
– Construção Ocidental do Complexo Industrial Militar Soviético
Capítulo 5
– Fornecimento direto de armas e assistência militar aos soviéticos
– Da Revolução Bolchevique ao Plano Quinquenal
– Compra de Armamentos nos Estados Unidos
– Acordo de Informações Militares Secretas do Presidente Roosevelt com a União Soviética
– Suprimentos American Lend-Lease para a União Soviética: 1941-1946
– Plantas para Produção de Veículos Militares
– Assistência dos EUA para as Fábricas de Armamentos Skoda
– Acelerômetros americanos para mísseis soviéticos
– Rolamentos de esferas americanos para mísseis soviéticos
Capítulo 6
– Plantas americanas para tanques e carros blindados soviéticos
– A fábrica americana de "tratores" de Stalingrado
– Tanques leves da fábrica "Tractor" de Kharkov, construída nos Estados Unidos
– A Fábrica "Trator" de Chelyabinsk
– O Desenvolvimento do Projeto de Tanques Soviéticos até 1945
– O tanque médio soviético T-34
– Motores de tanque soviéticos
– Tanques leves soviéticos
– Transportadores de Pessoal Blindado
Capítulo 7
– Assistência americana para veículos militares soviéticos
– A indústria soviética de caminhões militares
– Henry Ford e a fábrica de "automóveis" de Gorki
– Veículos Militares da Fábrica A. J. Brandt-Budd-Hamilton-ZIL
– Equipamento americano para a fábrica de Volgogrado
– O potencial de guerra da fábrica de caminhões Kama
Capítulo 8
– Explosivos pacíficos, munições e armas
– Como os soviéticos fazem nitrocelulose
– Origens das metralhadoras soviéticas
– Armas soviéticas usadas contra americanos no Vietnã
Capítulo 9
– Ajudando os russos no mar
– Instalações soviéticas para construção de embarcações navais e mercantes
– Papel dos Estados Unidos e seus aliados na construção da Marinha Soviética antes da Segunda Guerra Mundial
– Construção de submarinos, 1920-1972
– A Marinha Mercante Estratégica de 1972
– Como os soviéticos usaram sua marinha mercante construída no oeste
– Aprovação do Departamento de Estado para os navios soviéticos que transportavam mísseis para Cuba
– Navios mercantes "soviéticos" na corrida de suprimentos de Haiphong
Capítulo 10
– Do "Ilya Mourometz" ao supersônico "Konkordskiy"
– O primeiro avião comercial capaz de voar no Atlântico sem escalas
– Bombardeiros e anfíbios da Seversky Aircraft Corporation
– The Consolidated Aircraft Company (Catalina), Douglas e Vultee
– Projetos americanos e franceses para motores de aeronaves soviéticas
– O motor Wright Cyclone na União Soviética
– O motor de avião Pratt & Whitney na União Soviética
– O motor Gnome-Rhone (França) na União Soviética
– A contribuição alemã e britânica para a Força Aérea Soviética do pós-guerra
– O bombardeiro de quatro motores Boeing B-29 se torna o Tu-4 e o Tu-70
– Fábrica de aeronaves nº 1 em Kuibyshev
– Desenvolvimento do primeiro motor a jato soviético
– Caças MiG com turbojatos Rolls-Royce
– O Supersonic Tu-144 (alias "Konkordskiy")
Capítulo 11
– Espaço, mísseis e instrumentação militar
– Assistência Alemã para o Programa Espacial e de Mísseis Soviéticos
– Do V-2 alemão ao Sputnik e Lunik
– Por que os soviéticos embarcaram em um programa espacial?
– "Cooperação" EUA-Soviética no Espaço
– O Tratado ABM
– Instrumentação Militar
– Assistência dos EUA para computadores militares soviéticos
Capítulo 12
– Congresso e os burocratas
– Tentativas do Congresso para impedir a assistência militar à União Soviética
A visão dos burocratas sobre o "comércio pacífico"
– O Departamento de Estado e Informações de Inteligência Militar
– O programa "Exchange" do Departamento de Estado
– Desdobramento da fachada do Departamento de Estado
– A Política de Desinformação do Departamento de Estado
Capítulo 13
– Por que o suicídio nacional - algumas respostas
– Uma política sábia e deliberada destinada a criar um mundo pacífico
– Um acidente - o establishment não sabia que estava ajudando os soviéticos
– Nossa política é pragmática. Não é consistente com nenhum objetivo de longo prazo
– Nossa política externa é baseada no misticismo e no altruísmo
– É traição?
– O que é para ser feito?
Apêndice A:
– Algumas informações básicas sobre o suicídio nacional
Anexo B:
– Depoimento do Autor perante a Subcomissão VII da Plataforma do Comitê do Partido Republicano em Miami Beach, Flórida, 15 de agosto de 1972, às 14h30.
Apêndice C:
– Especificações dos Noventa e Seis Navios Soviéticos Identificados Transportando Armas e suprimentos para o Vietnã do Norte, 1966-71
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