com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo
Pedro Juan Gutierrez – O Rei de Havana
Uma novela sobre a degradação social na vida cotidiana cubana, para resumir em uma frase. Ocorre que Reinaldo, apelidado de Rei, é um jovem de 17 anos que luta para sobreviver em meio à penúria, com a única arma que possui; seu falo avantajado e adornado com duas perlonas, duas pérolas colocadas próximo à glande para produzir uma excitação vaginal fora do comum nas mulheres com quem anda. Mas Rei, o Rei de Havana, não é um malandro com pinta de cafajeste. Ao contrário, sua propensão natural a cafetão é desconstruída por sua mentalidade refratária a toda possibilidade de convívio civilizado. Ama a sujeira, se excita com a imundície e preserva o fedor, como uma preciosidade erótica. Contra tudo o que conhecemos na literatura pornô de Reinaldo Moraes e Mirisola, o Rei de Havana vai conquistando a subsistência e jogando fora suas amantes em uma rotina escandalosamente desprovida de qualquer senso humano.
Em determinado momento chega a amar Magda, vendedora de amendoins na empobrecida Havana, e o ciúme do compartilhamento amoroso dela com o ex-marido termina em seu assassinato e subsequente morte em um local abandonado, daqueles ermos descritos por Reinaldo Arenas, cercado de urubus que tratam de por um fim na vida dos dois, auxiliados por bandos de ratos que trafegam pelo depósito de lixo das imediações.
Esta é a Cuba do socialismo no final do século XX para aqueles que foram rejeitados pela burocracia estatal.
O livro seria mais comovente se não fosse tão repetitivo nas cenas de sexo e tão falocrata a tal ponto de perder tempo demasiado com o erotismo, e muito pouco com a desolação humana, este estado de melancolia tão característico do socialismo.
Pedro Juan Gutierrez já não guarda vestígios do barroco cubano, sepultado pela revolução. Tal como Reinaldo Arenas, seu estilo é tosco, desprovido de metáforas e ornamentos. Com frases curtas, encadeia as imagens para construir os episódios que vão tecendo a trama da vida marginalizada, física e espiritualmente da população que se tornou serva do pior regime das Américas de todos os tempos.
Em suma, o livro mostra que Cuba se transformou num imenso puteiro a céu aberto, com todos os ingredientes da depravação moral assumidos como normalidade social.
Franco Venturi — Utopia e Reforma no Iluminismo
Labiríntico, Venturi tem insights brilhantes, com a narrativa pontilhada de citações a ponto de perder a sequência, ou apresentar as ideias intercaladas com comentários saltitantes entre cidades, repúblicas, monarquias e ducados de toda a Europa dos séculos XVII e XVIII.
Interessante que traduzissem “commonwealthmen” por republicanos na tradição inglesa. O capítulo sobre os republicanos ingleses surpreende por mostrar como ideias do Iluminismo se confundiam com a luta contra a tirania.
Um dos precursores, John Toland, percebia que a democracia conduziria a república à anarquia, e ao mesmo tempo não desejava a república aristocrática.
Naquela época, manifestar-se sobre governo envolvia necessariamente expressar opinião sobre religião. Portanto, para Venturi “o que contava não era a distinção entre deísmo e ateísmo, mas a luta contra os preconceitos, contra a superstição".
Impressiona também as opiniões de Molesworth e Shaftesbury na luta contra o fanatismo tanto católico como protestante no início de 1700. Da mesma forma que Pierre Bayle o fizera na França de Luís XIV e se exilara na Holanda.
“Quanto à Holanda, entre traduções, revistas, breves visitas e passagens de personagens vindas da Inglaterra ou do interior do continente, tornou-se, como é conhecido, o próprio centro, o empório de ideias da luta pela tolerância, o lugar de onde foi se difundindo a nova ironia inimiga do fanatismo, o centro da cultura filosófica e científica pós-lockeana e pós-newtoniana”.
Venturi atribui a expressão livre-pensamento a Anthony Collins em seu livro de 1713. pg 135. “A semente mais viva da herança republicana provinha não do elemento aristocrático, mas do libertário” pg 138.
Shaftesbury é outro que desfruta da lucidez de um Poland, ao combater o poder absoluto. Pg 142. “Uma multidão unida pela força, ainda que sob uma única cabeça, não está verdadeiramente unida e não constitui um povo. É o vínculo social, a confederação e o consentimento mútuo, fundados em alguns bens ou interesses comum que une os membros de uma comunidade e a transforma verdadeiramente em povo”.
Junto com Diderot, D'Argenson afirmava que não só a liberdade intelectual era importante, mas também a IGUALDADE política.
Nas pgs 149 e sgts Venturi apresenta o pensamento de Rousseau dando um painel de seu conteúdo democrático e republicano. Segundo Venturi, o artigo Épingle, publicado na Enciclopédia de Diderot, da pena de Alexandre Deleyre, teria fornecido a Adam Smith o “exemplo mais famoso de sua descrição da divisão do trabalho” pg 154. Deleyre era um enciclopedista que 4 décadas depois estaria na Assembleia votando pela condenação de Luis XVI à guilhotina.
Venturi diz que ele é a figura que permite saber como um philosophe se transformou em jacobino.
Deleyre morreu no mesmo ano que Burke, 1797, e talvez ambos sejam os maiores contrastes do século XVIII [obs minha];
Referências:
Albert Soboul – Le sans coulottes em l'an II
Bernard Bailyn – The ideological origins of the American Revolution
Meditazioni sulla felicitá – Pietro Verri
Peter Gay — The Enlightment — The Rise of Modern Paganism.
“Quem pretende o impossível não quer realmente obter nada. Se queremos ser úteis ao homem, precisamos nos contentar em endireitar as coisas de que somos capazes” Romualdo Sterlich — séc. XVIII.
No capítulo O Direito de Punir Venturi analisa o nascimento da ideia do comunismo. Dom Deschamps (um beneditino) e Morelly teriam sido os precursores.
Antes do Iluminismo as relações de pecado e delito, crime e culpa eram inter-relacionadas no conjunto normativo do estado religioso absolutista. O rompimento não foi fácil porque que as inter-relações são por demais intrincadas. O rompimento iluminista veio com Beccaria, que separa religião de delito, cabendo ao Estado a tarefa de avaliar e ressarcir o dano que a infração da lei havia causado à sociedade. Venturi completa: “a pena não é uma expiação. Os juízes não tinham outra tarefa que a de restabelecer um equilíbrio alterado. Do direito penal retirava-se toda a dimensão sagrada.” pg 189.
Beccaria influenciou Bentham.
Venturi diz que a primeira vez que a palavra socialista apareceu em uma língua europeia foi na crítica do padre Facchineri ao livro de Beccaria. Pg 193. Ou melhor, teria sido originada do latim “socialitas”, o instinto social, como base de todo o direito natural, usado por Anselmo Desong na metade do século XVIII, derivado de Podendorf e Cumberland.
Vale a pena ler o livro para não ficar falando bobagens sobre o Iluminismo.
Bolivar Lamounier – Liberais e Antiliberais
No capítulo 2 – Ideologia e realidade, trata do tema que tem me interessado ao longo dos últimos 40 anos: a interpretação da realidade fornecida pela academia (pg 49). Mais que a questão ibérica, ele cita o modo de pensar denominado de PROTOFASCIMO “cujas raízes começam a se formar na reação intelectual à revolução francesa”.
Ele não se detém na análise, apenas cita as consequências, como o positivismo, o marxismo e o nacional-desenvolvimentismo.
Mais adiante (pgs 51 e 52) comenta a persistência da liberal-democracia mesmo nos momentos mais antiliberais de nossa história, como no regime militar, excetuando apenas a ditadura getuliana (37-45).
Neste ponto concorda com minha análise sobre a adaptação do regime estatista à democracia, em que demonstra como as instituições são moldadas para contornar a democracia (caso dos Conselhos de Estado agindo como legisladores e o próprio parlamento evitando a legitimzação da lei pelo referendo popular) e uma miríade de outros exemplos onde a onipotência do aparelho de estado decide sob a cultura da proteção do interesse público materializado em sua burocracia. Vale observar também que não temos correntes políticas manifestamente antidemocráticas, pois todas elas se dedicam a interpretar a democracia ao seu modo, não podendo se omitir de citar as correntes que trabalham abertamente pela supressão do que chamam de “democracia burguesa”.
Assim, o totalitarismo sempre esteve mascarado de uma rejeição à democracia representativa e a uma interpretação bizarra de outros métodos de representação, como o participacionismo.
A pergunta que Bolívar faz a respeito da obra de Schwarz sobre a condição de pobreza dos nossos ex-escravos, quando comparada com os norte-americanos, não ventila a realidade última de nossa existência social. A presença de um estado constantemente rapinatório da sociedade através de seu modelo político-burocrático de concentração de renda no patrimonialismo descarado, cuja institucionalidade tem como consequência a produção de abundante miséria, já que em economia se apropria de 50% dos salários, impede o crescimento do salário mínimo e, em consequência, obriga aos trabalhadores a uma penúria tal que restringe a monetização dos meios de progresso pessoal na desvalorização do trabalho produtivo e, ao mesmo tempo, na supervalorização dos agentes intermediários.
Bolívar cita o fato de Rosseau ter usado o índio brasileiro como exemplo de sua fantasia de “bondade natural”, quando os brasileiros não usavam as ideias rousseaunianas no século XIX como influência no pensamento nacional. Por exemplo: José de Alencar.
Nas pgs 80-81 esboça as transformações da direita pós-regime militar, mas não discute seu renascimento no olavismo, atuante fortemente nas redes sociais e subjacente nos movimentos de combate ao lulopetismo.
Referências:
Robert Conquest – The Harvest of Sorrow
Affonso Arinos de Melo Franco – O Índio Brasileiro e a teoria da bondade natural, 1937.
Milton Friedman — Capitalismo e Liberdade
Analisa aspectos da economia relacionados as relações entre capital privado e ações governamentais no campo econômico.
As inter-relações entre monopólios e regulamentações, ação de sindicatos, patentes, natureza dos serviços, prestígio de grandes corporações versus pequenos negócios, interferência no princípio da troca voluntária instituída pelo livre comércio, são alguns dos tópicos examinados por Friedman.
Não senti no livro a importância que atribuem a ele.
Gilberto Paim – Petrobras – Um Monopólio em Fim de Linha
Examina, desde as origens, a aliança entre militares, políticos e civis, em torno da criação de um monopólio com a finalidade de resolver o problema do uso dos derivados no território nacional e aliviar o balanço de pagamentos sempre deficitário do Brasil no exterior.
Escrito em 1993 – 40 anos depois da fundação – o livro explica a transformação da empresa em um feudo de seus empregados e em Caixa de Suborno de autoridades, artistas e intelectuais.
O primeiro capítulo, a Esperança Frustrada, oferece os dados do maior acinte contra os interesses nacionais. O governo, detendo 51% das ações, recebia anualmente, 0,20% a 0,25% da remuneração do capital investido, enquanto o fundo de pensão embolsava até 27% dos lucros (pg 20).
E a Petrobras não estava só. As demais estatais do regime militar, Eletrobras, Telebras, RFFSA e tantas outras, enveredaram pelo mesmo caminho, transformando-se nas maiores caloteiras do governo, responsáveis pela tragédia da falta de recursos para a saúde, educação e segurança pública.
Em ARQUITETOS DO MONOPÓLIO – cita o livro de Essad Bay, meu velho conhecido, A Luta pelo Petróleo, e editado por Lobato. Paim afirma que os dados narrados neste livro serviram de formação intelectual para militares e nacionalistas, pelo pânico que a história dos trustes criou entre a intelectualidade brasileira. Pode ser, mas ele esquece nosso pecado original: o estado autocrático.
Uma opinião polêmica do autor consiste em colocar a campanha de Lobato como um tiro pela culatra, isto é, inspiradora do monopólio no Brasil pelo estilo panfletário com que conduziu a campanha pelo petróleo, e pelas acusações contra os elaboradores do Código de Minas. Neste ponto fico com Lobato. Foi ele que nos legou os FATOS que ocorreram no CNP sob a batuta do general Julio Horta Barbosa, um nacionalista estatizante obstinado, espécie de figura símbolo da República positivista de caráter militar messiânica.
Ver Edson de Carvalho: O drama da descoberta do petróleo brasileiro – 1958
Registre-se para fins didáticos que a campanha contra o poço de Oscar Cordeiro (na Bahia e chamado de Lobato por pertencer a um proprietário das terras com este nome) foi executada também em A Ofensiva, órgão do movimento integralista (pg 50).
Note-se que (pgs 56-58) os documentos oficiais atribuíram a Vargas a descoberta do petróleo na Bahia (Lobato) juntamente com seus conselheiros e burocratas do DNP. Este episódio faz parte do meu A Insondável Matéria do Esquecimento.
Edson Carvalho – o drama da descoberta do petróleo brasileiro. EC foi o dono da Cia Petróleo Nacional que explorou em Alagoas.
Um capítulo importante é a mudança Pró-Standard Oil, pgs 111 a 122. Ali mostra como a mentalidade começa a mudar no pós-guerra em que o fascismo havia sido vencido e a penúria de capitais forçado a produzir mudanças na política de exploração. Os dados são ricos em argumentos que iriam abastecer a Constituição de 46 e as novas leis do setor, materializadas no Estatuto do Petróleo, depois que um novo grupo dirigente assumiu o CNP.
Como legislação estabelecendo o percentual de 40% para o capital estrangeiro e a União podendo participar com até 1/3 da empresa formada para esta finalidade, o Brasil estava determinado a produzir seus próprios derivados, não contando com a campanha nacionalista que em aliança sinistra de militares e comunistas haveria de frustrar mais uma vez o desenvolvimento do capitalismo nacional.
Na pg 127 volta à tona a discussão sobre o monopólio no Congresso (ainda não se falava em Petrobras), em que Agamenon e Flores da Cunha se esmeram em errar no caso mexicano. Como se sabe, o governo Cárdenas desapropriou as companhias estrangeiras e a PEMEX assumiu o controle, fazendo com que a produção caísse e a “corrupção desenfreada causou a ruína financeira da Pemex. O exemplo mexicano salientaria em primeiro lugar que o monopólio estatal tem a corrupção como companheira inseparável.
Na pg 158 – sobre a posição realista de Juarez Távora (que defendia que a Petrobras deveria ter 40% de capital estrangeiro para participar com konw-how de prospecção já que não tínhamos experiência no assunto), descreve um parágrafo tocante sobre a realidade de pobreza do país e as receitas minguadas do governo, com uma população se deslocando do nordeste para o sul, e o país optando por permanecer na miséria. E depois: “De longa data expoentes da cultura nacional teciam o argumento de que a culpa da nossa pobreza, da mediocridade da nossa vida urbana e do lençol de miséria que se estendia sobre todo o interior agropecuário, não cabia senão àquelas nações onde estavam sediados os trustes internacionais. A colocação do Brasil na parte pobre do mundo favorecia a criação das condições psicológicas geradoras do maniqueísmo, do preto e branco, das posições totalmente isentas de matrizes próprias do ambiente onde se expande a intolerância e o radicalismo”.
No final do livro encontramos uma lista de obras sobre o petróleo. Gilberto Paim mostra que o livro de Lobato serviria de inspiração para o movimento nacionalista que criou a Petrobras.
Depois da fase de liquidação das empresas nacionais pioneiras, iniciou-se uma fase ultranacionalista e xenófoba. Com a troca de direção do CNP no governo Dutra, a posição moderada de Juarez Távora ganha vulto, sendo novamente bombardeada com a volta de Getúlio ao poder que termina em uma aliança entre a UDN, PTB e demais partidos para adotar a posição xenófoba e criar a Petrobras.
O estatismo e o socialismo são xipófagos na questão do Petróleo e informam como o estado assume o controle do bem comum através da monopolização da riqueza. Eusébio Rocha, discursando no Congresso a favor do monopólio exclusivo da Petrobras, isto é, contra a participação minoritária do capital privado prevista na proposta original, afirma que “quando mais nacionalista for o projeto, mais preservará os interesses do Estado, impedindo que a sociedade seja um instrumento de enriquecimento de poucos”. Com tal afirmação, o socialismo já era uma realidade intangível e nenhum outro discurso será mais revelador de nossa realidade socialista do que a confissão deste sentimento. Mas é uma ilusão: o único interesse do estado deveria ser a geração de impostos que lhe faz parte e revigora.
Destaco um parênteses a respeito da observação feita por Moniz de Souza em 1830, a respeito do tratamento de indiferença que recebeu do governo e o de Jaime Rotstein, que no livro Brasilesclerose, de 1993, falando sobre a crise cambial deriva do monopólio sempre improdutivo da Petrobras, se queixa do “descrédito e desconfiança diante dos santos de casa, quando qualquer representante estrangeiro, da área pública ou privada, é ouvido e recebido com atenção normalmente não dispensada aos próprios brasileiros”.
A conclusão de Moniz de Souza está narrada no A Insondável Matéria do Esquecimento.
Importante as análises de Rotstein sobre o custo do endividamento causado pelo petróleo.
Na pg 230 ele explica por que a substituição do álcool pela gasolina deveria ser feita nos motores a diesel e não nos a gasolina.
O último capítulo explora a crise dos anos 80 como resultado do nacionalismo obtuso. Afirma que os impostos + royalties chegam a ser de 70% sobre o valor do barril em todo o mundo, enquanto a Petrobras paga 5% sobre o que ela arbitrar, sem que ninguém tenha conhecimento do cálculo.
GPaim cita o pensamento de Geisel, justificando a secundariedade da autossuficiência em artigo transcrito por Albert Tamer no livro Petróleo o Preço da Dependência, pg 234. GPaim cita Rotstein para quem os órgãos de certificação e autorização do governo costumam não aprovar e decidir nada que não represente uma vantagem para o funcionário.
8/10/17: [Uma das características da matriz ibérica consiste na convergência da inteligência coletiva (no sentido atribuído por Ridley) para delegação do estado. E este, através dos monopólios, no atendimento do bem comum. Do estado absolutista português, onde até o monopólio do sal era determinado pela coroa (conforme Simonsen nos conta os episódios interessantes), até a criação e defesa da Petrobras, o caráter ibérico vê no estado o regente condutor da sociedade.
Não foram poucos os discursos no Congresso que pontificaram em diferentes épocas a noção de que quanto maior o monopólio do estado, maior a preservação da riqueza na mão de todos, ao contrário do capital privado que o concentra nas mãos de poucos.]
Para GPaim pag 198: “os debates no Congresso acerca da criação da Petrobras, ouvia-se argumentos nacionalistas do seguinte quilate: que o petróleo, 'como fonte de produção de riqueza é propriedade que deve pertencer à coletividade' “.
Esta afirmação não só sugere que o capitalismo é incapaz de atender o interesse da sociedade, como coloca o estatismo no centro do bem comum, uma ideia atávica de nossa formação ibérica.
Conforme procurei demonstrar em A Insondável Matéria do Esquecimento, a tecnologia tem sido o fator de desenvolvimento humano capaz de introduzir a variação na mente humana, indispensável para o contínuo fluir de mudanças, para o bem e para o mal.
O princípio ibérico de que a generosidade se confunde com a complacência foi hipertrofiado, com a generosidade evoluindo para a transigência, o superlativo necessário à arregimentação do socialismo de esquerda e direita. A observação de GPaim de que o catecismo positivista ensinava a agir por afeição serve para salientar nosso caráter emotivo no julgamento político.
Referências:
Juarez Távora - Petróleo para o Brasil.
Charles R. Boxer - A Igreja e a Expansão Ibérica.
Eduardo Hoornaert - A Igreja no Brasil Colônia, SP , Brasiliense 1982.
Arnold Hauser – História Social da Literatura e da Arte.
Orago - santo a que se dedica uma capela ou igreja.
Embarras de richesse – confusão causada pelo excesso de abundância.
Aljube – prisão escura, calabouço.
“Intramundane corpus mysticum” expressão usada para explicar a transformação do indivíduo em um ser coletivo guiado por uma ideologia transcendente.
Como crítica ao olavismo, cabe citar Eric Voeglin em seu The Authoritarian State a rejeição à ideia de Kelsen sobre a redução da teoria do estado à teoria da lei, “banindo todos as dimensões culturais, filosóficas e sociológicas deste campo”.
Benzion Netanyahu — The Origins of The Inquisition in Fifteenth Century Spain
Pg XV – BN nota, em acordo com os historiadores recentes, que a Inquisição foi mais uma iniciativa real do que papal, que seu objetivo era mais secular do que religioso, e que ela foi de fato usada para financiar os investimentos do rei e promover seu poder absoluto.
Pg XVI, observa que a Inquisição espanhola apresentou uma característica peculiar de ser um instrumento mais de perseguição racial do que religiosa, algo que chama a atenção para um traço distintivo e estranho ao cristianismo.
Conclui o prefácio confirmando a interpretação de que por trás da heresia havia a atração de grupos de interesse que somente um estudo percuciente de documentação poderia comprovar, uma vez que a tese da religião judaica praticada entre marranos constitui uma falsidade e que estes eram cristãos sinceros. Neste ponto entra minha interpretação de que a construção do império foi obtida com a desconstrução dos melhores talentos da sociedade. A descoberta de minas de outro e prata no século posterior foram suficientes para dispensar os recursos intelectuais da sociedade e desprezar o mérito em uma sociedade fanatizada.
Minha: o que se nota, desde esta época até os dias atuais – para demonstrar a permanência da mentalidade através dos tempos – é a ação dos representantes do estado escudados em interpretação pessoais exercidas em nome da lei, apenas como fator de legitimação da atividade, posto que na tradição ibérica, a lei foi manchada pela prosa hiperbólica que retira a clareza da determinação legal em favor do arbítrio do agente estatal.
Vivemos em uma sociedade em que não se sabe o que é legal e ilegal e por isso, a legalidade como direito consuetudinário pode ser facilmente quebrada pelo agente estatal em benefício de sua ideologia e interesse pessoal.
Podemos evocar as categorias de “trabalho similar à escravidão”, “saúde pública, “higiene em bares e restaurantes”, “segurança no trabalho”, como construções normatizadoras de um complexo legal decidido pelo arbítrio da autoridade estatal a pretenso serviço do bem-comum.
Voltando a Netanyahu:
Pg 35 - Sisebut foi o primeiro rei da península que obrigou os judeus à conversão ou exílio. A conversão forçada seguia a tradição da própria conversão dos povos ibéricos do arianismo e paganismo ao catolicismo. Havia interesses geopolíticos na conversão de alguns dirigentes, mas a recusa dos judeus de abandonar sua religião era a causa de constantes represálias contra eles.
Fiquei surpreso ao ler a história do antissemitismo desde o êxodo para a Assíria, depois Babilônia e os massacres da colônia judaica de Alexandria sob dominação grega. Não obstante as perseguições no oriente, BN traça um surpreendente – porque desconhecido para mim – quadro do antissemitismo na Espanha a partir do ano 569 quando ainda se distinguiam os visigodos na península. Deste modo fica comprovado que as origens do antissemitismo são remotas e profundas.
BN cita, por exemplo, as decisões do IV concílio de Tole no ano de 633 DC, que decide sobre as proibições impostas aos judeus tais como: ter um escravo cristão, casar com mulheres cristãs, a menos que se convertesse, e separação das crianças dos pais (se os convertidos recaíam no judaísmo), e a esposas dos maridos.
Sisibut → Reccared → Receswinth → Wamba → Erwig na sucessão de reis da península. A instabilidade dos reinados do período gótico na Espanha era produzida pelo empoderamento dos nobres que chantageavam os judeus em troca da liberdade de ação e usavam essas pilhagens para aumentar sua capacidade bélica e assim contratar pessoas e soldados ao seu serviço. A conversão forçada eliminaria estes perigos, mas BN se pergunta por que não atribuir liberdade aos judeus e liberá-los das chantagens? E responde que o cristianismo era a ideologia da época (que ele chama de unionista), forte o suficiente em reter os seus dogmas acima das forças racionais que se poderia imaginar.
Pg 52. o 17º Concílio de Toledo (em 694) determina que os convertidos da península conspiravam contra o rei pretendendo “exterminar o povo cristão e sua terra natal”. Este plano teria sido obtido de “confissões” de alguns conspiradores comprovando o quanto eram abomináveis e incorrigíveis pela conversão.
Erwing implora ao Concílio a aprovação do confisco de propriedades, escravização de seus membros e dispersão pela cristandade junto aos seus feitores, e as crianças com mais de 7 anos separadas dos pais para serem criadas como cristãs.
O Concílio aprovou as recomendações e colocou, no seu oitavo cânon, em suas leis. Não se sabe se e como o plano foi colocado em ação pelo sucessor de Egica chamado Witze que reinou de 702 a 710, porque o domínio dos cristãos da província entrou em colapso com a invasão moura de 711, onde o pesadelo judeu chegou ao fim.
Pgs 57-58 – Os judeus preferem conviver com os mouros do que com os cristãos, migrando do norte para o sul e se adequando à ordem dos conquistadores.
Do século IX ao XI BN especula que a própria atitude cristã para com os judeus teria mudado ao perceber que seus inimigos contribuíam para a prosperidade alheia.
Pg 59-g0 – BN fala da conquista moura de Narbonne e da reconquista por Pepino I que a integra ao reinado de Charles, o Grande no período carolíngio.
Os judeus de Narbonne florescem seus mercados a ponto de estabelecerem rotas de comércio tão distantes que se anteciparam de Vasco da Gama (na Índia) e de Marco Polo (na China).
Segundo BN, os judeus puderam viver em paz a partir da invasão moura, algo que não desfrutavam sob a dominação cristã. Embora BN seja genial ao relacionar fatos da pesquisa com hipóteses históricas, não se sabe com certeza até que ponto os judeus teriam desfrutado de tranquilidade, uma vez que suas fontes de pesquisa foram a documentação dos concílios e arquivos dos bispados. Com os árabes, não se sabe quais as fontes de referência serviram para analisar o antissemitismo da época.
Pg 75 – O primeiro ataque contra os judeus pelo povo como coletores de impostos em Castilha ocorreu em 1298. [Interessante que não se especulou que o conhecimento financeiro secreto (não ensinado publicamente, porém através das famílias), dos judeus e suas habilidades em servir às cortes na cobrança de impostos, nunca tenha sido citada como o verdadeiro motivo para a proliferação do antissemitismo.]
Pg 83 – Desde Theodosious II (418-438), e depois pelos Concílios de Toledo (3º) e Laterano (4º) (589 e 1215) foram estabelecidas recomendações para barrar os judeus dos cargos públicos, mas que não foram seguidas sempre. Alfonso VI foi quem iniciou a violação destas normas, apensar das advertências de Gregório VII de que os judeus não deveriam ter autoridade sobre os cristãos.
Pgs 90-91 – Como a coleta de impostos era atribuída às cidades, estas reclamavam que tinham de pagar para subsidiar as isenções fornecidas aos nobres e privilegiados, que estavam isentos, e que muitos ascendiam à condição de nobreza para escapar dos impostos. Assim, BN procura demonstrar que, de 1050 a 1252 não houve questões judaicas relacionadas à religião, porém apenas questões políticas, na qual a tributação era o conflito principal nas cidades de Castela.
Secundariamente, afirma que as atitudes de deposição dos judeus de suas posições na administração pública eram efetuadas pelas forças seculares e não eclesiásticas.
Não obstante o despotismo de Pedro I, sucessor de Alfonso XI, colocou o reino de Castela em turbulência pela execução de parte da nobreza que criticava o assassinato da amante de Alfonso XI, encomendado por Maria I de Portugal, esposa dele.
Uma petição endereçada a Pedro I de Valladolid de 1351, demandava a segregação dos judeus em domicílios separados, proibia de usar nomes cristãos e roupas finas de distintos.
Pg 98 – Fala da morte de 1200 pessoas, presumivelmente a maioria judeus, no assalto a Toledo e conquista do bairro judeu pelo Conde Enrique, em franca guerra civil contra Pedro I.
Pg 101 – Depois de estancar as rebeliões em seu reino, Pedro I envolveu-se em uma guerra de 10 anos contra o reino de Aragão.
Pg 102 – Enrique de Trasmara quando na França em 1355 passa a chamar Pedro I de “Rei dos Judeus”.
Enrique comanda um exército de mil cavaleiros e 3 mil infantes e invade Castela saqueando pequenas comunidades judaicas ao longo do Ebro e matando todos quantos encontrava pela frente. O objetivo de Enrique era obter apoio dos gentílicos para seu empreendimento, satisfazendo as rivalidades.
As instigações de Enrique contra os judeus eram tão intensas que o assassinato deles passou a não ser considerado crime.
BN afirma que Enrique foi o primeiro nobre da Espanha em usar o antissemitismo como instrumento de propaganda e os meios de obter controle político.
Pg 113 – Enrique convenceu Carlos V da França a ceder sua Guarda Branca, uma milícia mercenária famosa por suas atrocidades contra populações indefesas. Montando um exército, Enrique retorna à península para enfrentar Pedro I (então em campanha para conquistar Aragon) e se declarar monarca de Castela em Burgos, realizando sua própria coroação. No caminho da cidade de Burgos, os mercenários de Enrique atacam a comunidade judaica de Buviesca (?) massacrando duzentas famílias. Para Enrique, Pedro teria permitido que os cristãos fossem escravizados por judeus e mouros, e jogado na lama a fé cristã. Além deste horrendo antissemitismo, em Burgos impôs uma multa de 1 milhão de maravedis, valor inalcançável para os judeus, e logo após, emitiu um decreto liberando o povo de pagar suas dívidas para os judeus. Com isso, encorajou os cristãos de Segovia a atacar as juderias e roubar os documentos comprobatórios dos débitos com os judeus.
Enrique chega a Toledo e impõe a mesma multa aos judeus, que também não têm recursos para pagar, fazendo com que muitos caiam cativos, outros destituídos.
Nacos:
Brazen – descarado — “Brazen Brazilian”
“fait accompli” [pelada a coruja]
"under duress" = sob coação
"Fodder" — forragem
"figment of imagination" – produto da imaginação.
Pg 127 – Segundo BN nenhum surto de violência causou tantas perdas na Idade Média quanto os levantes espanhóis de 1391.
A tragédia antissemita seria causada pela ascensão de uma minoria estrangeira e indefesa, com apoio real acima da maioria das massas, o que causaria uma bola de neve de hostilidades até o ponto da violência sistemática.
“Em sociedades civilizadas tais hostilidades são traduzidas em ação através de uma ideologia – ou, de um modo geral, em uma justificação “moral”, e esta necessidade foi atendida pela difamação dos judeus, que foi promovida durante 5 séculos no Leste e atingiu seu apogeu na doutrina do deicídio. O deicídio explicava que o Judeu foi condenado – implicação que as massas entenderam e abraçaram satisfazendo seus mais recônditos interesses. Eles falharam em entender as explicações da Igreja, que os proibia de matar judeus, roubá-los e, geralmente violar seus “direitos naturais”. Consequentemente quando o modo da punição não os detinha, eles jogavam estas proibições ao vento. Foi assim contra os judeus como assassinos de Cristo que a guerra contra a Espanha judaica foi deflagrada.”
FERNÃO MARTINEZ
“Na época em que Martinez iniciou sua campanha contra os judeus (aparentemente em 1378), a expulsão deles não era novidade na Europa”. Pg 130
BN conta os episódios do antissemitismo raivoso de Martinez, suas ações, contenções, oposição, mudança da situação política com a morte do rei Juan e o estabelecimento da regência, suas novas invectivas contra as sinagogas destruindo 2 delas, em Sevilha, sua repreensão, destituição do arcebispado, sua censura pelo Conselho de Sevilha e sua perseverança no antissemitismo de púlpito, até o ponto de insurgir a população pobre contra os judeus, lembrando o papel de Thomas Muntzer. Militando 14 anos na destruição dos judeus, Martinez protegia-se na ferocidade de seus seguidores como um escudo para desobedecer as determinações superiores e fomentar a revolta.
No subtítulo Castile (pg 148) BN explica o massacre de 1391 em detalhes, um ataque cometido pelo populacho enfurecido que levou a morte 2 mil judeus, através do incêndio de seus burgos e pilhagem de bens, conversão forçada e captura de mulheres e filhos para tornar escravas.
Ataque semelhante ocorreu em Córdoba. Os ataques foram dirigidos por militantes de Martinez que prepararam o encontro minuciosamente.
O pogrom espalhou-se para as pequenas cidades, chegando a Toledo e depois ao norte, em Madrid e Segovia, depois em Soria e Logrono, atingindo Burgos.
Pelos métodos de ação, morte ou conversão, naturalmente a maioria encheu as igrejas para receber o batismo e assim proteger suas vidas, já que seus bens foram saqueados. O uso dos mesmos métodos em diferentes lugares comprova que Martinez organizou sua militância com base em uma disciplinada milícia.
Pg 163 – A diferença com a primeira Cruzada na Alemanha (1096) que buscava a morte, as espanholas impunham a conversão ou a morte.
Pg 164 – Os ataques deferidos por Martinez eram conduzidos de forma tal que os judeus ou aceitavam a conversão, e neste caso ele estava fazendo um favor a Deus ao trazer para seu rebanho os judeus convertidos, ou eliminando aqueles que mereciam punição por ter infligido a Cristo a punição com a morte. Assim, Martinez podia dizer que não os estava destruindo, porém salvando-os.
As intervenções do “poder arbitrário” com relação aos juros devidos pelos cristãos aos financistas judeus foram:
Ano | Reinado | Redução do débito |
1348 | Alfonso XI | 1/4 |
1367 e 1377 | Enrique II | 1/3 |
1385 | Juan I | 1/4 |
.......... | Enrique III | 1/2 |
Pg 176-177 – Estabeleceu as condições dos empréstimos e punições sob Enrique II. Desde 1348, por decreto real, os judeus deveriam usar um distintivo, mas era letra morta. Renovado em 1405, obrigava os funcionários públicos a usarem distintivos.
1410 – Acusação aos judeus de “torturar” a hóstia consagrada, isto é, de dessacralização da hóstia.
Pg 185 – foi no 4º Concílio Laterano em 1205 que buscou a separação dos judeus mais efetivamente dos cristãos, que ordenou aos judeus o uso de um símbolo especial.
VICENT FERRER – O novo Martinez
Ferrer iniciou sua campanha de cristianização dos judeus em Ciudad Real e Toledo, sob discurso ameaçador, sentindo-se gratificado por conseguir converter centenas a fé cristã. Aplaudido em candentes sermões, ia conseguindo aderência ao projeto de eliminação dos judeus intransigentes em sua fé a ponto de transformar a Sinagoga de Toledo em um Templo Cristão.
Apoiado por Paulo de Burgos, conseguiu expandir seus propósitos com base em uma campanha para desalojar todos aqueles judeus que coabitavam em bairros cristãos.
A realização da segregação foi inserida no processo de sucessão do trono de Aragon, disputado por Juan II e o Infante Fernando, este último apoiado pela rainha Catarina. Esta tomou partido e influenciou a edição da lei de janeiro de 1412 que estabelecia a “conversão ou expulsão” dos judeus, algo que até então jamais esteve abrigado em legislação.
Pg 191 – BN cita H. C. Lea, meu conhecido e admirado autor da História da Inquisição, como intérprete do decreto cuja finalidade era “humilhar (judeus e mouros) ao máximo, e diminuir suas influências no estado”.
Nas pgs 192-195-196 – NB explica detalhadamente todas as proibições impostas pelo édito de 1412, confinando os judeus as zonas rurais, e impossibilitando-os de qualquer contato comercial com os cristãos. E, por fim, demonstra que o objetivo da lei era forçar a conversão ou morrer de fome. Além disso, obrigava os mouros a usar capuz amarelo com lua prateada e os judeus turbantes com fitas vermelhas e longas barbas e cabelos sem cortar.
Scrutinium Scripturarum, o livro de Paulo de Burgos composto para provar a verdade do cristianismo a partir das Escrituras.
Contra Perfidiam Judaeorum de Jerônimo de Santa Fé.
Pg 204 - O debate de Tortosa
Pg 207 – assim que voltaram da pia batismal os judeus encontraram suas casas saqueadas e meio destruídas. Artesãos tiveram suas ferramentas roubadas ou quebradas, os financistas perderam seus documentos de empréstimos, o que significa que entraram para a cristandade destruindo suas posses.
LIVRO II – O REINADO DE JOÃO II – 1419 - 1454
Álvaro de Luna foi ministro-chefe do rei e governador do império por quase todo o período. Sendo filho de um nobre com uma plebeia, e criado por 2 tios, Álvaro tinha desprezo dos nobres por nascimento e orgulho da nobreza pelo mérito, devido a sua propensão à cavalheirice.
A ascensão de Álvaro de Luna esteve vinculada com a crise nas finanças reais para a qual um projeto de recuperação fiscal deveria ser implementado com o retorno dos judeus ao poder como “tax farming”.
BN nota que após a entronização do rei, vencendo um golpe de seu rival Enrique, Álvaro de Luna dedicou-se ao exercício aberto de uma causa, qual seja, a da autoridade absoluta e imutável do Rei, embora diferindo dos políticos, quase sempre mutáveis.
Alterando a composição do Conselho, concedendo representação às cidades, a nobreza logo percebeu que estava perdendo o poder e, para seu escândalo, reabilitando os judeus na corte com funcionários “profissionalizados”.
Marrano foi uma designação para judeus convertidos desde 1220; um termo abusivo, significando porco ou suíno, e é conhecido desde 1380.
Impressiona na leitura de BN a clareza de ideias e o tratamento dado aos temas a partir de sua capacidade de criar uma hipótese a partir da reunião de fatos similares ou correspondentes. Com isso, fica evidente para o leitor o plano da obra e a evolução de suas investigações na exploração do antissemitismo.
Pgs 269-271 – Fica claro, da exposição de BN, as vantagens que existiam em conseguir um emprego público, seja nas cortes ou municipalidades, apontando que nossa supremacia atual dos salários dos servidores em comparação com a iniciativa privada, tem origem no mundo hispânico antigo, pelo zelo com que os cristãos defendiam a exclusão dos conversos de tais empregos.
Devido a presença de judeus nos altos cargos governamentais, BN tende a atribuir o antissemitismo a padres da Igreja, com razão, mas cedendo na responsabilidade real somente quando a situação for irretorquível.
Lendo The Outbreak of Revolution – pgs 296-300, percebe-se como o poder hispânico estava associado à violência. Os governos de Ayala e depois Sarmiento se caracterizaram pelo uso ilegal da força, pela humilhação de adversários e confisco arbitrário de bens, além do exercício contumaz de condenação, tortura e execução capital. A ideia que perdura é de um atavismo dirigido para a destruição sistemática da construção social paralela ao exercício do poder.
A rebelião de Toledo de 1449 foi causada pela destituição de Álvaro do poder, substituição por Sarmiento, e reposição de Álvaro de Luna como magistrado da cidade, na posição de Procurador Geral de Apelação, e da discordância deste ato que dividiu a população, surge um pedido de empréstimo, na verdade uma intimação para fornecer 1 milhão de maravedis ao governo central envolto em rebeliões nas fronteiras. Como o dinheiro deveria ser recolhido por um converso, a rapina logo se transformou em um movimento antissemita no bojo da rebelião. A radicalização contra os conversos foi levada a cabo pelos líderes que precisavam de um bode expiatório para satisfazer a cupidez das massas. Foi criado um tribunal para investigar as práticas escondidas dos conversos com a religião judaica. Logo, os conversos foram considerados judaizantes.
Este tribunal inquisitorial acusou os conversos de crimes ignominiosos, sentenciando-os à morte e à fogueira, incendiando a paixão popular pelo sacrifício.
Em consequência, veio o confisco de todos os bens e propriedades, em que uma parte fora para Sarmiento e outra para a Igreja cujos membros participaram do processo como juízes, executores, funcionários e quetais.
A rebelião de 1449 estabelece uma nova lei de discriminação contra os conversos, chamada de Sentencia-Estatuto.
Esta lei determina que os conversos não tem os mesmos direitos dos cristãos no tocante a cargos públicos, tanto na administração como no juizado e também não podem ser usados como testemunhos nos processos. Com isso, fica claro o apartheid social e o poder discricionário do governo de Toledo.
Pg 334 – “Na metade do ano, os mouros de Granada reiniciam seus ataques contra castela com grande intensidade, alcançando algumas vezes as periferias de Baena, Jaén e até mesmo Sevilha. Deixando para trás muita devastação, levaram de volta para Granada muitos cativos e muito gado.
Pg 50 – Na Espanha do século XV a conveniência política era mais importante que a moralidade. Mais uma vez os conversos aprenderam por experiência o valor “prático” dos princípios da lei no qual eles confiaram para sua proteção.
O que se depreende da Inquisição espanhola, ou melhor, da sociedade da época é a noção da punição aos violadores da lei com castigos físicos da mesma forma que a [heresia judaica] com a tortura.
Segundo BN nos nossos dias uma grande mentira (big lie) é mais eficaz que uma pequena mentira (small lie) se ela for expressa ampla e repetidamente com frequência suficiente.
CRONOLOGIA DA OPRESSÃO – Revisando:
Guerra civil de Castela de 1366 – 1369
Conversão forçada de 1391 a 1412 e ataque em 1449. O pogrom de 38 DC. Em Alexandria foi a primeira manifestação de antissemitismo em sua forma integral.
Pg 14: “o antissemitismo nasceu no Egito”.
Massacres em Castrogeriz em 1035; os pogrons de Toledo, Escalona e outras cidades em 1109; e novamente o pogrom em León em 1230. Os levantes na Espanha de 1391 em que a população judaica foi reduzia da um terço.
ACUSAÇÕES CONTRA OS JUDEUS
a) Eles eram na maioria judaizantes, isto é, seguiam os ritos e cerimônias dos judeus;
b) Que muitos destes blasfemavam Cristo e sua mãe;
c) Que entre eles, alguns veneravam ídolos;
Em conclusão: os judeus aparentavam ser cristãos para assim destruir a cristandade.
Este esquema mental, que mistura a teoria da conspiração com um propósito maligno seria depois (estou em 1449) usado para combater o comunismo.
No tempo histórico, foram os elementos que iriam forjar a Inquisição e emergir como uma força que mudaria o curso da história.
E BN assim se refere à Petição: “quem poderia prever que tal documento pudesse alcançar consequências tão distantes no tempo?”
Note que BN descreveu que a Sentença-Estatudo dos toledanos estavam em perfeita harmonia com a lei canônica, a lei civil e os privilégios especiais conferido pelo rei aos toledanos.
[Fiz um break do livro para fazer outras leituras mais rápidas e quando voltei, recomecei da pg 167 por engano, ficando estas notas sem a sequência da numeração do livro]
Pg 167 – Tem uma citação da Sentença-Estatuto de Toledo de 5/6/1449 que afirma serem os “convertidos de ascendência judaica suspeitos da fé em Cristo na qual, frequentemente vomitam enquanto facilmente judaízam e por isso não devem receber cargos públicos ou benefícios, tanto públicos como privados, pelo expediente aos quais eles podem ofender, injuriar e destratar cristãos velhos e também o testemunho deles contra os cristãos não pode ter qualquer validade”.
Fiz esta citação recorrente para argumentar que a negação da Inquisição por parte do conservadorismo teocrático repete esta citação se no lugar dos judeus forem colocados os hereges em geral.
Quer dizer, a negação da Inquisição tem a mesma mentalidade do antissemitismo. Não obstante um apoio proclamado a Israel, o conservadorismo teocrático esconde seu antissemitismo por não poder aceitar que a ordem autocrática proposta por eles seja sujeita a uma revelação que a anule, tal como acontece com os neocomunistas.
[Aqui se interrompe a leitura desta obra de 1200 páginas que deverei prosseguir oportunamente]
Nacos:
Como não perceber que a grande vacuidade do ser na filosofia contemporânea é o próprio mal estar com a carreira do filósofo?
Não se pode deter uma ideia cuja hora chegou - Victor Hugo.
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